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    Arquivo: Edição de 12-07-2014

    SECÇÃO: Crónicas


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    A verde e a vermelho...

    Um dia destes, sentada em pleno coração da cidade do Porto, assombrava-me pela quantidade de turistas que percebi circulavam por ali. Misturei-me, também eu, no meio daquele bulício e tentava perceber o que lhes prendia a curiosidade – dispersei-me. Tudo lhes prendia a atenção. De mapa na mão lá tentavam identificar onde estavam e para onde queriam ir. Como portuguesa, fiquei orgulhosa por procurarem “a nossa casa”. Depois, na procura de um local onde tomar uma refeição ligeira, fiquei contente por não ter sido diferenciada dos “estrangeiros”, no atendimento que me prestaram.

    Posteriormente, sentada num pequeno comércio que tinha merecido a minha escolha, observava que a nível de atendimento e cuidado prestado às “nossas visitas”, tínhamos dado um grande passo em frente. As ementas eram legíveis em mais do que um dialeto, o preço não deixava margem para dúvidas e penso que já nos demos conta que as pessoas, mesmo os estrangeiros, já não se deixam “comer por papalvos”. É mais justo e mais fácil que seja assim: tudo de acesso fácil e compreensível na sua leitura e interpretação – merecendo a confiança, de quem possivelmente voltará ou mais ainda, quem nos possa referir fora de portas como um país que estará muito para lá de uma “moda”.

    Curiosamente, esse era o dia em que a “chama da solidariedade” terminava o percurso que a fez atravessar diversos distritos do nosso país, numa grande marcha que iria ligar o coração da cidade do Porto e o Palácio de Cristal. No Porto, ficava a mensagem do responsável da CNIS (Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade) – não nos podemos «alienar da sorte do outro». A sentar-me à mesa, todos os dias da semana com essa realidade, só posso concordar com isso. Nem sempre tem tudo a ver com o “coitadinho” ou até com o “aproveitador”. É mais profundo que isso e de tal forma que se tornará até inconveniente ir-se ao fundo desta questão, comprometia-nos!

    Foto URSULA ZANGGER
    Foto URSULA ZANGGER
    Também, o que não contava encontrar na parte mais velhinha da cidade do Porto, eram ruas engalanadas com bandeiras portuguesas, que coloriam as varandas em tons de verde e vermelho, num cenário que seria impossível deixar-nos indiferentes. Os turistas fotografavam extasiados. O campeonato mundial de futebol estava prestes a começar e a força das bandeiras lá estava, num Portugal bem bairrista. Este cenário cabia também, em pleno, nas comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades que se avizinhava, num feriado que tinha escapado aos “cortes” e se mantinha, fiel a ele mesmo.

    E foi este dia – de Portugal, de Camões e das Comunidades, que decidi escolher o vermelho como cor. Escolhi também para este dia, caminhar sobre pedras de caminho – gastas pelo calcorrear de tanta gente que terá palmilhado aqueles caminhos de encontros e desencontros. Levaram--me ao “Senhor de Matosinhos”. Ausente alguns anos desta romaria, dei-me conta que estava lá tudo e parecia-me que no mesmo sítio onde a minha memória tinha guardado. Segui a romaria e entro na igreja toda engalanada pela fé e devoção de quem, na escolha das flores decorativas, também privilegiou tons onde predominava o vermelho e o verde, para a ornamentação dos altares.

    Num país de fé que somos, enquanto caminhava por entre dezenas de pessoas que enchiam as ruas, fiz um ligeiro flashback a dias anteriores e dei-me conta do orgulho que tenho na minha pátria, que se abriga pelo verde e vermelho da sua bandeira, onde pela força do significado de uma esfera armilar que se cruza e faz a ligação entre eles, repousam castelos que já não sendo da fantasia, me fizeram perceber que aquelas filas intermináveis de pessoas que aguardavam atendimentos nas barraquinhas de comes e bebes, não eram sinónimo de que a “crise” já se tinha ido embora. Compreendi-os por estarem lá, porque até a mim me apeteceu alhear da palavra “crise ”-“abancar” e saborear duas ou três sardinhas.

    Era difícil resistir-se ao aroma de sardinha assada que se sentia no ar – fiquei também eu, a aguardar a minha vez numa fila que parecia interminável. De vez em quando vinham à entrada da tenda, perguntar: «Quantos são?», a fim de que fossem instalando as pessoas quando surgia uma “mesa de vago”. Quando eu respondi: «Uma», ao olhar um pouco atónito que me lançaram, eu escolhi rir-me e responder que este era um dos lados positivos de se estar sozinho – em festa e “mesa corrida”, cabe-se sempre num cantinho de alguém que não se importe de partilhar a sua mesa. Sozinhos, somos mais fáceis de “estacionar” a exemplos dos carros de formato reduzido.

    Tive sorte na companhia – uma senhora de S. Gens, que tinha nascido em 1931. Tinha ficado viúva ainda muito jovem de um engenheiro naval italiano que residia em Portugal. De todos os países por onde tinham passado e onde tinham vivido por força do trabalho dele, a escolha como sua última morada recaiu sobre Portugal. Ela não compreendia bem, porquê. Dei-lhe razão sobre alguns dos pontos de vista que tecia sobre realidades que são insofismáveis em países pequenos e que, por arrasto, nos colocam em vidas e mentalidades de formato pequeno. No regresso a casa, fui apelando à minha memória, que me lembrava de outros pontos que são tão fortes que ultrapassam a fronteira, até da própria razão.

    Num dia de Portugal, de Camões e das Comunidades, dei por mim a concluir que certo é que ao abrigo de uma cor verde e vermelha, sempre existirá um povo capaz de enfrentar uma adversidade, adaptar-se a uma mudança, ser fiel à sua equipa, aguentar uma saudade, dar sentido à palavra solidariedade e emocionar-se, com o simples trinar de uma guitarra. Será isso que faz de nós diferentes. Pela nossa capacidade de sermos diferentes perante a indiferença, acredito isso seja um dos fortes motivos pelos qual cada vez mais gente quer vir, com vontade de ficar, na minha pátria – querida!

    Por: Glória Leitão

     

     

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