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    Arquivo: Edição de 12-02-2014

    SECÇÃO: Crónicas


    CRÓNICAS DE LISBOA

    Nas praxes tudo ficará como dantes?

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    «Praxe académica é um conjunto de práticas que, alegadamente, visa a receção e integração dos novos estudantes nas instituições de ensino superior em que ingressam». Dito assim, as praxes, mesmo que englobassem brincadeiras lúdicas e inofensivas, de livre adesão dos alunos, significariam aquilo mesmo, destinando-se a jovens de 17/18 anos, que ingressam na respetiva escola (faculdade, instituto, etc.). Seria assim útil e desejável, porque e, por várias razões, a mudança do ensino secundário para o ensino superior faz estremecer muitos jovens, principalmente nas escolas mais exigentes e “matemáticas” (leia-se, onde a matemática, física, etc., é rainha, antes e durante os respetivos cursos). Atente-se, por exemplo, nas taxas de abandono e insucesso, normalmente vistas apenas sob o prisma das dificuldades financeiras do aluno e da família, que só não são maiores porque o jovem sabe que o diploma, por vezes um qualquer canudo dum qualquer curso “universitário de aviário” e que atiram o “doutor” para o desemprego ou para uma caixa dum supermercado, é muito importante. Aliás, muitos deles têm que recorrer às ajudas psicológicas que algumas faculdades têm na sua estrutura organizativa e, justiça seja feita e verdade seja dita, que muitas Associações de Estudantes desempenham inestimáveis papéis na vida escolar dos alunos, mas a isso não se chamam praxes, como muitos defensores dos “prós” querem invocar, porque praxe é diferente das diversas ações de vivência e de integração dos alunos.

    Salvo algumas, poucas exceções, as praxes adquiriram mais expressão, nas escolas e universidades novas e privadas, como forma de afirmação e propaganda, e passaram a carregar práticas que em vez de integrarem os caloiros, criarão neles uma carapaça e dão um contributo negativo na sua formação, porque, no ponto de vista humano, a formação universitária não pode nem deve deixar de ter em conta a formação humana daqueles que, graças a isso, ocuparão cargos e funções importantes na sociedade, mas as universidades, salvo honrosas exceções, descuram esta importante componente, pelo que é notória a falta de líderes e também são muitos os maus exemplos que vão ocorrendo e que revelam essa lacuna no nosso ensino atual. Liderança, cidadania, ética, respeito, responsabilidade, etc., são valores menosprezados na formação universitária, pelo que a sociedade que paga essa formação através dos impostos, acaba por ser vítima dessa falha.

    O mal estar causado pelas praxes só será “compensado” porque o praxado sabe que nos anos subsequentes terá também ele a oportunidade de fazer o mesmo ou pior aos novos alunos. Poderá, então, descarregar a raiva, a violência, física ou psicológica e as humilhações que sofreu e, talvez, fazer ainda pior, pelo que a violência de muitas praxes não para de aumentar ano após ano. Contudo, os promotores das praxes afirmam que se trata duma forma de integração, blá, blá... tão angélica e linda seria esta versão, mas os exemplos que têm vindo a público e ou que qualquer cidadão pode observar em plena via pública, mais no início de cada ano letivo, mostram que são tudo menos integração dos novos alunos. São formas de humilhação e de agressão física e psicológica a que os novos estudantes se submetem, porque, entre outras razões, têm receio da sua marginalização (nalguns casos a exclusão de atividades faz parte do código de praxes) posterior pela comunidade escolar, leia-se, pelo “veteranos”, e que muitos deles têm como profissão: “aluno” (evitei a palavra estudante porque, este significaria estudar e aqueles parece que pouco ou nada estudam), como é o triste exemplo do Dux da U. Coimbra que está matriculado há 24 anos (!) e, como tal, tem prioridade na eleição para Dux, pois o cargo é assumido pelo aluno que tiver mais anos de matrícula! Paradoxos, porque bom aluno é aquele que faz o curso nos anos em que este está estruturado e aquele que melhor aplicação faz dos dinheiros públicos. Ou esquecem-se que a formação dos estudantes é paga pelos nossos impostos?

    Apesar dos casos passados, que indiciavam que algo de grave se regia pelos “códigos das praxes” e pelos COPAs, as autoridades estudantis, e não só, foram assobiando para o lado, até que a tragédia do Meco trouxe este assunto para a ordem do dia e o confronto está lançado. Mas a morte de seis jovens é um elevado preço pago pelos familiares e também pela sociedade, que aliado “à demasiada e brutal matéria” já exibida, nos mostra que, na falta de outras motivações mais formativas e úteis (voluntariado, desporto escolar, ou mesmo o serviço militar) na escola ou fora dela, muitos jovens, na plenitude da sua pujança “animalesca”, encontram ali oportunidades de escape ou de exercício de associativismo e de atividades que, em muito, nos fazem lembrar organizações e práticas sinistras. Porque, independentemente do que a justiça apurar acerca da tragédia do Meco, aquilo que já se sabe sobre as “COPAs” vai muito para além das praxes de início de ano letivo. Por isso, estranha-se que muitos dos responsáveis tenham feito como Pilatos ou, para não “aborrecerem os meninos”, fechassem os olhos às brutalidades que, por vezes, se passavam nas “suas barbas”. Mas, e à boa maneira portuguesa, será que depois desta tragédia e destes debates, que muitas vezes mais parecem guerras entre os inimigos e os defensores das praxes, tudo ficará como dantes? Seis vidas, mesmo que as mortes possam ter sido um acidente, podem, pelo menos moralmente, ser relacionadas com atividades e práticas que não deveriam existir, sem a regulamentação e a superintendência das respetivas universidades/escolas e fazendo parte do processo de integração e de formação dos respetivos alunos.

    Por: Serafim Marques

     

     

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