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    Arquivo: Edição de 30-11-2013

    SECÇÃO: Crónicas


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    Servir à mesa do rei…

    Novembro foi o “mês das castanhas” e o Centro Social de Ermesinde, sendo uma instituição sem fins lucrativos, voltava a não deixar passar em branco este facto. Mais, lembrava a necessidade que havia de não esquecermos a palavra solidariedade. Assim, neste mês, o “largo da feira velha” transformou-se num espaço de animação onde tiveram lugar acontecimentos lúdicos e culturais, mostras de artesanato e o espaço de restauração. Não foi em vão o apelo feito aos colaboradores, parceiros e autarquia, que convergiram em esforços para que este acontecimento conseguisse o objetivo a que se propunha: angariação de fundos para causas de vertente social.

    De novo o comércio local nos abria portas quando pedíamos para nos deixarem colocar nos seus vidros os cartazes de divulgação e ouviam-nos quando lhes falávamos do evento e do tanto que há a fazer em prol dos menos afortunados. Eles sabiam que o Centro Social, como fundamento da sua existência original, tinha surgido pela necessidade que havia de se fazer a distribuição da “sopa dos pobres”. Percebemos que ninguém está alheio ao facto de neste momento (infelizmente) estarmos a voltar a este ponto de partida. Receosos, também eles têm medo do que “virá por aí” e soube-nos bem perceber que não estão alheios à solidariedade e partilha. Disponibilizam-se e dizem-nos – “façam o favor” e sempre que precisarem estamos aqui.

    O tempo pregou uma partida à equipa que organizou este evento mas todos os que se disponibilizaram para estar lá a colaborar de forma voluntária não arredaram pé e cada um dirigiu-se para o local que antecipadamente lhe foi destinado. A mim e a outras colegas tocava-me “servir às mesas” – um novo desafio no meu caso e no da maior parte dos colegas. Apesar da intempérie nada convidativa, certo é que as pessoas foram aparecendo e enchendo as mesas de alegria e boa disposição. Compreendiam os atrasos, a nossa falta de experiência e divertiam-se connosco de algumas peripécias a que não escapámos e isto porque se calhar tínhamos como atenuante o facto de deixarmos bem clara a noção dos “amadores” que éramos.

    Não posso falar sobre o sentir dos outros mas num começo a medo, o à-vontade surgia pouco a pouco e nos parcos tempos de pausa em que abrandava o serviço invadia-me a sensação de que estava a “servir à mesa do rei”– e isto pela nobreza de quem nos dizia que tinha vindo porque sabiam ser uma forma de ajudar. Reforçava-se desta forma o espírito que nos fazia marcar presença naquele evento (solidariedade e a partilha) porque sentia-se efetivamente que os que se sentavam e escolhiam os seus “menus”, era muito no intuito de contribuírem para uma causa que interiorizaram um bocadinho como sua. Aqui, lembrei-me de todas as pessoas que poderiam beneficiar deste tipo de gestos, possível graças àqueles que se sentaram à “mesa do rei” – transversal a todo e qualquer estrato social, tal como nos foi dado perceber.

    No evento a que me refiro sensibilizou-me de forma especial ver os olhares tristes das pessoas que precisam de recorrer à refeição social deste Centro e que esperavam pela hora em que podiam recolher o seu recipiente de comida. Ainda o facto de almoçar todos os dias num refeitório comunitário (sem termos a veleidade de excluir os que a sociedade se vai encarregando de o fazer), leva-nos a pensar que o Natal das pessoas numa situação de fragilidade subjacente e que comem lado a lado connosco, o Natal de quem tem que os apoiar, o Natal de quem tem que conseguir fazer de tudo para que as refeições sejam colocadas na suas/nossas mesas e o Natal de quem lhes assegura o mínimo de dignidade e respeito que todo o ser humano merece, tem efetivamente 365 dias num ano, sempre mais difícil que o anterior.

    Cada vez mais fico com a noção de que a crise, cruel e devastadora, no mínimo, está a despertar consciências. Em número substancialmente crescente vemos eventos culturais, desportivos e lúdicos terem os seus acessos “taxados” com a contribuição de um alimento não perecível para causas solidárias que, cada vez mais, são abraçadas a nível nacional. Vê-se isso através das partilhas nas redes sociais onde tantos se desmultiplicam para socorrer pessoas de que não conheceremos os rostos mas também o faremos porque sabemos ser ténue a fronteira no limbo onde a maioria de nós se sentirá desconfortavelmente instalado.

    Alguém devia ter tido em conta esta catástrofe social que a enxurrada está a empurrar para lado nenhum. Ouvindo “todos os lados”, ainda não se chega a conclusão alguma, daí que, como não temos tempo a perder, penso que os que puderem não devem deixar a consciência de lado perante o mundo que se vai desfragmentando, enquanto “eles” não se conseguem entender. Por causa disso, infelizmente, fiquei com a ideia de que o Natal de cada vez mais voluntários, vai ter 365 dias, num ano duro em que terão como “missão nobre” servir cada vez mais “à mesa de reis”, a quem somente terá sobrado a coragem de assumir a sua nova condição e, olhos nos olhos, conseguirem encarar as pessoas que lhes trazem como partilha a generosidade cedida por “reis”, ainda de alguma coisa – a nobreza de sentimentos e de atitude.

    Por: Glória Leitão

     

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