FEIRA DO LIVRO
Narrativa da Foz do Douro
LC
O jornal “A Voz de Ermesinde” patrocinou nesta XX Feira do Livro do Concelho de Valongo a apresentação do livro “Narrativa da Foz do Douro”, uma obra com poemas de Jorge Velhote ilustrados com a fotografia de Tiago Reis.
Para além do livro propriamente dito, o público ermesindense pôde também apreciar as fotografias de Tiago Reis, que estiveram expostas no dia da apresentação do livro.
Convém fazer, antes de qualquer outra consideração, uma breve apresentação do projeto Ideias à Volta do Espaço, comissariado por António E. Teixeira Lopes, que esteve igualmente presente na tertúlia ermesindense à volta do livro.
O projeto «abraça um conjunto de interesses que contempla aspectos societários abrangentes à cultura hodierna [séc. XXI] tais como a Poesia, a Música, a Escultura, a Fotografia, a Crise e Sociologia, a Arquitectura e o Património, a Utopia e a Sociedade, Leitura Encenada, Pintura – Escultura – Desenho, Teatro Amador, Conservação e Restauro, Coro e Orquestra, que se realizou entre 26 de Outubro de 2012 e 12 de Julho de 2013, na Casa Museu Abel Salazar, em S. Mamede de Infesta».
Trata-se assim de uma reflexão pouco inocente, através do olhar inquisitivo e curioso da cultura e da arte sobre o nosso viver e o nosso bem/mal-estar.
E tendo Abel Salazar como seu anjo tutelar quase se podia dizer que está tudo dito.
Mas a questão é precisamente essa, que nunca está tudo dito. E é isso que Jorge Velhote com a sua pena e Tiago Reis, com o seu olhar, nos mostram neste livro.
As citações que abrem a obra já ajudam a discernir o seu programa, e são nada menos de três, de Lawrence Durrel, Henry Miller e Miguel Serras Pereira.
Diz o primeiro: «Uma cidade torna-se num universo quando estamos apaixonados por um dos seus habitantes».
Miller é provocante e taxativo, claro: «O que não se passa em plena rua é falso, inferido, isto é, literatura».
E finalmente, Miguel Serras Pereira, tecendo o fio que leva a obra ao mundo: «A carne de que somos feitos e em cuja espessura para sempre indecisa se apoia a tecelagem de quanto fazemos, essa carne por certo que é uma metamorfose deste mundo».
Jorge Velhote aborda então este micromundo tornado universo e revelador de todas as coisas. Lugar de infância e de memória, ele é «espuma» e «luz invisível», ele é «melodia» com que invetivamos razão e paixão, tranquilidade e inquietação.
Passam lugares: Jardim da Cordoaria, Jardim do Palácio de Cristal, Casa do Roseiral, Jardim do Marquês, Cemitério da Lapa, Miradouro de Santa Catarina, o rio, a Cantareira, a Praia do Leme, a Pria dos Ingleses, Campo Alegre, Foz do Douro, Jardim do Passeio Alegre, todo um roteiro dos sentidos, levando--nos para o mais íntimo de nós, pela mão da cidade.
O que é a cidade senão metáfora das nossas vidas, de amores e desencontros, de emulações, até horrores, desafios, sensações por experimentar, viagens feitas e por fazer?
Como o explica Jorge Velhote:
«DISCURSO E TESTAMENTO POLÍTICO DO SENHOR DUQUE DA RIBEIRA, SALVADOR DE ALMAS, À CIDADE DO PORTO E ÀS ÁGUAS DO DOURO
Há uma cidade que habita em cada um de nós.
Uma cidade de muralhas e jardins, de luz e ternura –
uma cidade que nos traz à infância, às coisas simples e
duradouras – uma cidade com pombas e estátuas,
pedras adoçadas pelas mãos de pedreiros e canteiros,
cidade com rio e mar ao fundo, pontes e um cais
à janela da ribeira, torres e zimbórios, campanários
e claraboias, uma cidade azul e rosa, ocre e carmim,
com odores a terra húmida e hortaliça, com ruas
e vielas e crianças pela mão, peixeiras, putas e padres,
tarefeiros de ofícios menores e apressados negociantes,
uma cidade incandescente e nocturna, suspensa de
neblinas, lumes e lamas, pela poalha das estrelas
polvilhada, máscara de surpreendentes sorrisos, cidade
de navalha e decote, cartola e romaria, por pintores
emoldurada, deitada sobre o silêncio e suspiro, feliz
e embriagada,
(...)»
Por:
LC
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