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    Arquivo: Edição de 12-07-2013

    SECÇÃO: Crónicas


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    Enriquecimento cultural e cidadania

    No grupo de sociólogos de que passei a fazer parte na FASE, organização dos bispos católicos norte-americanos para o desenvolvimento social e educacional, deparei com uma jovem loira, cabelo cortado curto e pele muito branca, produto típico da Velha Albion. Chamava-se Hillary e encontrava-se entre nós a exercer trabalho voluntário que, nas suas palavras, era comum entre os licenciados britânicos após a conclusão do curso. O destino destes voluntários era, invariavelmente, um país subdesenvolvido, categoria em que o Brasil se encontrava nos derradeiros anos de 60. Falava a nossa língua com desenvoltura e ligeiríssimo sotaque, motivo de admiração para as dezenas de funcionários da organização. A sua maior dificuldade consistia em adaptar o idioma que aprendera com uma senhora portuguesa, na sua Boston natal, à norma brasileira tal como sucedia a qualquer imigrante luso. Fizera uma aprendizagem intensiva e, em três meses, atingira um domínio do Português absolutamente notável. Os seus relatórios escritos nada ficavam a dever aos dos outros componentes da equipa e, nas reuniões do grupo, exprimia-se com clareza e uma capacidade de análise ou de síntese que outros estavam longe de possuir. Gostava de participar em conversas, quer formais e obrigatórias no exercício das atividades que nos eram atribuídas, quer informais, durante as nossas deslocações e sempre que alguém a convidava para almoçar em família ou “pegar uma praia” em fim de semana.

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    Estas limitações causavam-lhe certo desconforto. Porque não visitar um museu? Não havia uma exposição de pintura ou de escultura? A programação cultural, no Rio de Janeiro, não incluía um concerto de música clássica? Os brasileiros não gostavam de teatro? Haveria, certamente conferências de grande interesse fossem ou não específicas da nossa área cultural. Tive ocasião de lhe explicar que a oferta existia, sem dúvida, bastava abrir um diário e procurar nos espetáculos. O que faltava eram hábitos que favorecessem a procura. Só uma reduzida camada da população estava preparada e tinha hábitos de consumo para esse tipo de eventos. Quando muito, “um cineminha” ou um jogo de futebol. Havia uma área povoada de casas de espetáculos de cinema, justamente chamada Cinelândia, onde desaguava grande parte da população carioca mormente em sábados e domingos. E havia o Maracanã, que não seria muito adequado a quem se declarava adepta e praticante de hóquei em campo.

    Lembrei-me da Hilária – era assim que a tratávamos aportuguesando ou abrasileirando o seu nome – durante uma conversa que mantive com a mãe duma colega de colégio e em atividades extra-escolares da minha neta. Como é natural, mostrava-se orgulhosa das prestações da filha em natação e ginástica rítmica, tendo já obtido excelentes classificações em concursos nacionais. Dei-lhe os parabéns e expliquei que a Matilde não frequenta essas atividades para competir, apenas para enriquecer o seu espetro de conhecimentos e de valências sociais e culturais. Referi que a minha geração foi privada de uma educação mais completa, por inexistência de estruturas e de fomento de aspetos importantes, além da escolaridade mais ou menos extensa. Se, no ensino, poucas crianças completavam o ensino primário e muito menos adquiriam um diploma universitário, quase ninguém aprendia coisas tão simples como andar de bicicleta, nadar, desenvolver o gosto pela música, pela sua linguagem e seu exercício; pelas artes, seus signos e códigos, em todos os casos, de molde a sentir e transmitir emoções de tal forma que, gradualmente, fossem adquirindo não apenas o conhecimento mas a necessidade de, pelo seu exercício, alimentar o espírito em concertos, exposições, sessões de teatro e de ópera, visitas a museus e outros certames. E se o que ficou dito valia para os rapazes, o mesmo já não acontecia com as meninas, às quais era limitado o acesso ao ensino e ainda mais coarctada a frequência de outras atividades. A geração seguinte já teve melhores oportunidades embora circunstâncias várias as tivessem limitado no seu alcance.

    O número de meninos e meninas de hoje que alcançam níveis elevados de escolaridade e preparação num leque diversificado de competências extra-escolares aumentou exponencialmente, ainda que em percentagem bem menor do que a alcançada pelos jovens de países mais evoluídos. Pretende-se que, a breve prazo, as pessoas sejam culturalmente ainda mais completas, o que conduzirá a uma cidadania mais vasta e reciprocamente tolerante. A democratização das populações tem ainda um longo caminho a percorrer e às autoridades exige-se a criação de condições para que se ampliem o incentivo e as ofertas que deem a todos a possibilidade de contribuir para uma sociedade mais rica e mais justa.

    Por: Nuno Afonso

     

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