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    Arquivo: Edição de 26-03-2013

    SECÇÃO: Crónicas


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    CRÓNICAS DE LISBOA

    O barulho das carroças vazias

    Uma certa manhã, o meu pai, homem muito sensato, convidou-me a darmos um passeio pelo pinhal, o que, com alegria, aceitei. Ele deteve-se numa clareira e depois de um pequeno silêncio, perguntou-me: filho, além do cantar dos pássaros, ouves mais alguma coisa? Apurei os ouvidos e respondi-lhe: oiço o barulho duma carroça. Isso mesmo, disse-me ele, mas é uma carroça vazia. Surpreendido, perguntei-lhe, como sabia ele que a carroça vinha vazia, se ainda não a tínhamos avistado!? Respondeu-me que é muito fácil saber que uma carroça circula vazia por causa do seu barulho. Quanto mais vazia a carroça vier, maior é o barulho que ela faz.

    Tornei-me adulto, e sempre que vejo uma pessoa a falar demais, gritando para intimidar os outros, com prepotência e querendo demonstrar que é a dona da razão e da verdade absoluta, lembro-me logo do que o meu pai me disse: «Quanto mais vazia a carroça anda, mais barulho ela faz». Aquela lição de vida leva-me a fazer a analogia com os “barulhos ensurdecedores” emitidos por muitos dos nossos políticos, ex-governantes, empresários, sindicalistas, comentadores, etc., e agora também o povo que, com razão ou sem ela, também recorre a esta forma de protesto, gritando e verbalizando ofensas graves e ameaças ao direito dos outros, sejam eles governantes eleitos ou simples cidadãos, que a democracia tolera mas que a fere nos seus princípios e valores.

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    Os meios de comunicação social, todos eles com papéis imprescindíveis nas sociedades modernas e democráticas, exercem um enorme poder, ou não fossem considerados o 4º Poder sobre os agentes políticos, cidadãos, etc.. A concorrência entre eles, especialmente as televisões, na luta pelas audiências que lhes permitem melhores contratos na obtenção das receitas financeiras, necessárias à sua sobrevivência, leva-os a adotar diversas estratégias, visando o domínio sobre os seus concorrentes. Se aos privados se compreende estas guerras, já à RTP (televisão e rádio), que tem vivido com as receitas provindas das contribuições, forçadas, dos consumidores de eletricidade e das subvenções do OE (dos nossos impostos), bem como das receitas da publicidade, se exige que se norteie por outras práticas e objetivos, isto é, pela “prestação do serviço público” de rádio e televisão, duma forma isenta, informativa e também formativa. Numa palavra, que seja diferente dos outros dois operadores de televisão, estes tendo como objetivos finais a rentabilidade dos capitais investidos pelos seus acionistas. Obviamente que nem oito nem oitenta, isto é, nem como defendia Salazar («um Estado nacional deve vigiar a sua imprensa e conduzi-la na direção dos interesses comuns»), nem com uma certa irresponsabilidade e manipulação das massas.

    A produção televisiva necessita também de “vedetas” e no que aos comentadores de política diz respeito, tentam contratar os melhores “papagaios”, de modo a abafarem os seus concorrentes, com o “barulho” emitido pelos mesmos. Têm sido muitas as doutas personalidades que, aos longo dos anos “botam palavra” nas televisões e por ali têm passado homens e mulheres de vários quadrantes políticos e partidários, com elevado nível e isenção nesse importante papel de debate, de informação e formação mas, também, com muito joio à mistura, isto é, alguns que ali exibem a sua incompetência, mas acima de tudo, a sua falta de ética e de isenção. Mais preocupante é ainda o facto de muitos desses comentadores terem exercido o poder e, alguns, serem também responsáveis pelo estado a que o nosso país chegou. Querem fazer crer de que são os donos da razão e do saber e em vez de (in)formarem os espetadores, convertem-se em verdadeiros intoxicadores das mentes menos preparadas, provocando-lhes estados de revolta e sofrimento, enquanto eles, pagos a peso de ouro, observam da sua cátedra dourada. É revoltante e o cúmulo está agora a acontecer, o anúncio de que a RTP, contratou José Sócrates para voltar ali, como comentador político. Será convertido em vedeta para combater os craques da SIC e da TVI na mesma área televisiva, isto é, “botar palavra”, sem qualquer responsabilidade dos seus atos políticos passados e dos efeitos, no presente e no futuro, tal como outros o fazem nos canais privados. Mas não vem só e, pasme-se, parece que Ferreira Leite irá para a TVI! De acordo com a imprensa, Dias Loureiro terá sido convidado, mas recusou, atitude que Sócrates entendeu não fazer, porque, tal como está a situação no nosso país, não há ainda espaço para os seus comentários políticos. O que irá comentar, ele que teria mais a que responder, em vez de comentar? Fará como os outros, vindo aumentar “o barulho das carroças vazias” e provocar mais fraturas no espetro político português, tão carecido de consensos e duma conjugação de esforços, que a própria UE exige. Contudo, custa mais a aceitar e a entender a atitude da RTP que, ou não avaliou bem os efeitos, já em efervescência, ou tem objetivos escondidos. Será para fragilizar José Seguro, ele o agitador-mor do Estado social, laboral e político-partidário? Mas há também responsáveis no PS que estão contra este regresso e consideram “uma má ideia” ou “uma decisão pouco prudente”. Isto é mais um mau exemplo da política à portuguesa e que o povo não merece, ou será um castigo por causa da qualidade dos políticos que gera?

    Por: Serafim Marques(*)

    (*) Economista

     

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