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    Arquivo: Edição de 28-02-2013

    SECÇÃO: Destaque


    GRANDE ENTREVISTA

    Maria José Azevedo – Pela necessidade da renovação política

    Candidata a presidente da Câmara de Valongo pelo Partido Socialista em 2005 e líder do movimento independente Coragem de Mudar após a sua saída do PS quatro anos depois, Maria José Azevedo – uma figura incontornável de mulher marcante no concelho – vê hoje, com indignação, valores defendidos na sua candidatura independente a serem esquecidos por alguns dos que foram seus apoiantes. Não se revê nos processos de negociação de lugares nas listas de candidatos, mas não se sente ainda com condições físicas e outras, devida à longa batalha que vem travando contra um cancro, para liderar uma nova candidatura independente. Defende uma renovação geracional e aponta mesmo o nome a jovens quadros nos quais reconhece uma grande capacidade e preparação política.

    Foi ela a figura que simbolicamente escolhemos nesta aproximação ao Dia Mundial da Mulher.

    Fotos URSULA ZANGGER
    Fotos URSULA ZANGGER
    Chega a Portugal em 1975, refugiada de Angola, mas este não foi o seu primeiro contacto com o Continente. Tinha já aqui estado a estudar durante dois anos, tendo chegado então com 17 anos de idade, para encontrar, mesmo em Lisboa, onde se radicou durante esse tempo, uma sociedade muito conservadora e preconceituosa, que “obrigava” os estudantes vindos das colónias a juntarem-se entre si para continuarem a viver numa maior sociabilidade, a que estavam habituados.

    Oriunda de Silva Porto (Bié), não se adaptou muito bem e regressou a Angola. O pai fora, entretanto, transferido para Malanje e o prosseguimento dos seus estudos universitários, em História, é feito em Sá da Bandeira (Lubango).

    A segunda vinda é ainda mais traumática, feita em pleno PREC, e defrontando a animosidade da época contra as pessoas vindas das colónias. Não se sentiu bem vinda.

    A sociedade portuguesa, tirando a agitação social e política efervescente não era então muito diferente da que encontrara alguns anos antes.

    Um acolhimento diferente veio a encontrá-lo nos Açores, em Ponta Delgada (S. Miguel), pois embora sociedade mais conservadora que a metrópole, não se sentia ali aquela animosidade contra as pessoas que chegavam de África, refugiadas. Ali viveu durante nove anos.

    “A Voz de Ermesinde” (AVE) – Como aconteceu a sua primeira atividade político-partidária? Já tinha tido experiências de envolvimento político?

    Maria José Azevedo – Não, não tive qualquer experiência anterior. Cheguei à política pela mão de Fernando Gomes, presidente da Câmara do Porto, um homem que sabia liderar e motivar fortemente as pessoas. Isto aconteceu no seu segundo mandato, era eu jornalista da RTP, e o seu convite honrou-me muito. Fiz ali, na Câmara do Porto, a minha aprendizagem política, através de um trabalho muito intenso, durante oito anos, pois tinha as competências pesadas relativas à Habitação e à Ação Social. Foi um trabalho, nos dois mandatos, no qual me revejo inteiramente.

    AVE – O que a fez aderir ao PS?

    MJA – A minha passagem de independente a militante do PS resultou de um convite de Fernando Gomes, no final do seu segundo mandato (na liderança socialista de António Guterres), convite que foi apadrinhado por Mário Soares – pessoa por quem tenho um especial carinho que julgo correspondido –, e que aceitei logo. Os dois assinaram a minha proposta de adesão.

    AVE – Não foi, por isso, uma adesão motivada por um impulso de arrebatamento partidário?

    MJA – Não, fez-se mais por insistência em relação a mim. Tenho da vida partidária uma perceção de que é limitada, os partidos funcionam muitas vezes com práticas em que não me revejo. Mas nunca deixei de dizer aquilo em que pensava.

    Nos partidos, de negativo, há uma lógica de compadrio, de disputa de lugares só por si e de sindicatos de voto. Em que se sucedem sempre as mesmas caras.

    Hoje há um grande desgaste da política partidária, e é tempo dos partidos mudarem as suas práticas, por dentro, antes que os obriguem a mudar, por fora.

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    AVE – Equaciona um eventual regresso à política partidária?

    MJA – De forma alguma! Já não estou disponível para isso.

    AVE – Como ocorreu a sua primeira candidatura à Câmara Municipal de Valongo?

    MJA – Fui contactada por um dirigente nacional que me abordou no sentido de saber se eu estaria disponível para uma candidatura autárquica na Área Metropolitana do Porto. Respondi que, como militante, ajudaria o partido, se tal fosse preciso. Mas que não seria candidata só para cumprir o mandato.

    AVE – Como foi recebida pelo aparelho socialista local?

    MJA – Fui muito bem recebida pela Comissão Política Concelhia, então liderada por Jorge Videira, de quem recebi todo o apoio. E realizámos então uma campanha extraordinária.

    AVE – Que se passou entretanto, com o aparelho socialista a não lhe renovar a sua confiança?

    MJA – No partido havia várias sensibilidades e muitas tensões. E nestas situações pré-eleitorais as sensibilidades emergem rapidamente e criam-se situações de algum melindre. Por vezes é preciso escolher quem, numa dada circunstância, é a melhor pessoa para desempenhar um certo papel, o que não quer dizer que o seja sempre, ou que seja melhor que outros.

    Se nas eleições autárquicas anteriores se conseguiu o melhor resultado de sempre do PS na oposição – talvez até com surpresa de alguns –, se continuava a ser gratificante conhecer cada vez melhor o concelho, fazia todo o sentido que a mesma equipa continuasse a desenvolver aquele projeto. Mas não..., porque era necessário que o aparelho aplacasse as ameaças de dissensão internas.

    Eu já não era precisa. Mas o meu trabalho ia aproveitar a outros.

    Enfim, do que conheço do PS local, ele dificilmente se renovará. Pode haver caras novas, mas mantêm-se as velhas práticas e as velhas políticas. Aqui e noutros lados.

    Hoje o JN dá a notícia da saída de mais de 100 militantes em Valongo. Em vez de se apaziguarem há uma cada vez maior exacerbamento das tensões.

    AVE – Há hoje um espaço maior para os movimentos cívicos de cidadãos?

    MJA – Certamente! Sobretudo no Poder Local. Quanto à Assembleia da República acho isso mais difícil, pela necessidade de uma gestão política de grupo. Mas não tenho dúvidas de que, a nível local, vão surgir muitas candidaturas de cidadãos.

    AVE – O facto de ser mulher pode ter sido um entrave?

    MJA – Nunca me senti prejudicada por isso, nem na minha vida profissional, nem na minha vida política.

    AVE – A saída do PS foi difícil?

    MJA – Confesso que não custou nada. Apresentar uma candidatura foi uma escolha natural e um desafio interessante do ponto de vista cívico. E embora tivesse a expetativa de vitória, tive um muito bom resultado, embora não pudesse aplicar o meu projeto. Penso que houve mesmo quem votasse na lista do PS a pensar que estava a votar em mim.

    AVE – E que balanço faz do desempenho dos eleitos, quer na vereação, quer no grupo municipal?

    MJA – Na vereação estudamos sempre muito bem os assuntos e tentamos apresentar alternativas, não numa oposição sistemática, mas sempre que o entendemos necessário. Não tenho acompanhado a Assembleia Municipal, que tem gente muita qualificada. Mas reconheço que não foi bem conseguida a articulação entre a vereação e o grupo municipal, até porque as pessoas aqui terão menos tempo e também menos experiência política. Mas talvez isto não fosse uma inevitabilidade.

    O facto de haver dois órgãos prejudica a coesão, havendo um divórcio entre Câmara e Assembleia Municipal, que não será tão notório nos partidos. Tudo seria diferente se houvesse, como defendo, um Executivo homogéneo, em que o presidente da Câmara convidasse todo o Executivo e à Assembleia Municipal coubesse fiscalizar os atos da Câmara.

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    AVE – O que é hoje o movimento Coragem de Mudar?

    MJA – Não sei bem. À exceção do Núcleo de Ermesinde, que manteve a sua atividade, e que fez um trabalho considerável, realizou feiras, distribuiu livros escolares, etc., a atividade no concelho quase não existiu. A Coragem de Mudar impôs-se como marca e teve uma voz na Câmara. Na Assembleia Municipal, nalgumas freguesias. Teria sido desejável haver uma maior sintonia.

    AVE – E a Associação Coragem de Mudar?

    MJA – Já não me revejo nem estou nela. Não concebo outro trabalho senão o de uma associação cívica interveniente mas, ao contrário, parece que se aceita – é público –, dar apoio a um partido em troca de lugares, sem se discutir sequer uma ideia. A Direção do José Bandeira, que tem 14 membros, foi eleita com 14 votos! Isto já diz tudo!

    Não posso estar de acordo com práticas de negociação política de lugares como é comum nos partidos, é o que há de pior na política. Nenhum dos sete fundadores da Associação se revê neste percurso que agora é feito pela Associação Coragem de Mudar. Se, da parte do PS, se pretendeu algum acordo pensando que iria incluída no pacote foi puro engano. Não estou disponível para essas negociatas.

    Aliás não consigo ver expressas ideias políticas claras da parte do Dr. José Manuel Ribeiro. E digo mais: o que fizeram comigo no PS parece-me que é o que estão a fazer agora ao Dr. Afonso Lobão. O partido assim nunca mais se endireita.

    AVE – E há espaço para uma nova candidatura independente liderada por si?

    MJA – Há espaço para uma candidatura independente, mas de momento não há disponibilidade física da minha parte, devido à doença, e as eleições são já muito próximo. E vejo com bons olhos uma renovação geracional. Dou-lhe um exemplo, a Eugénia Adão, eleita pela Coragem de Mudar para a Assembleia de Freguesia de Valongo. Seria um excelente quadro e uma excelente candidata, muito bem preparada. Eu não reúno ainda as condições físicas e outras. E tê-las é indispensável. É um trabalho muito exigente e ainda não estou a 100%. Lembro-me como, há quatro anos, em Sobrado, bati porta a porta e acabei por bater o Dr. Fernando Melo na eleição para a Câmara, quando todos diziam que esse era um assunto resolvido de antemão a favor dele.

    AVE – Faria sentido apresentar hoje o mesmo programa que a Coragem de Mudar apresentou há quatro anos?

    MJA – Nós apresentámos então uma candidatura detalhada, com registo notarial das nossas propostas e grande parte delas ainda se mantém, mas naturalmente o programa teria de ser reajustado, até porque a liderança da Câmara e as atuais circunstâncias já são outras...

    Mas fazem todo o sentido as candidaturas de cidadãos. Estou em crer que as próximas autárquicas, a não aparecerem candidaturas independentes, se saldarão por níveis de abstenção muito muito elevados.

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    AVE – Teria o apoio do Dr. Pedro Panzina, creio, caso houvesse condições para se candidatar?

    MJA – Certamente, e ele já me deixou isso claro.

    AVE – A doença apanhou--a completamente de surpresa? Foi uma situação difícil?

    MJA – Sim, quando aparentemente não contribuímos em nada para isso, a doença é sempre uma muito desagradável surpresa. Este segundo cancro trouxe-me um processo de luta muito pesado, de grande violência física e psicológica e o meu processo de cura ainda não está terminado. Tive uma operação muito demorada, foi uma batalha muito intensa, mas procurei nunca faltar às reuniões da Câmara, só mesmo àquelas a que era obrigada a faltar por causa dos tratamentos.

    AVE – Qual é então a sua disponibilidade para a luta política hoje em dia?

    MJA – Eu liguei-me muito a Valongo, embora não seja de cá nem viva cá. Mas aprendi aqui muito e fiquei a conhecer muito melhor e a gostar do concelho. Por isso eu estarei sempre disponível para ajudar. O concelho de Valongo tem muitas potencialidades e merece ter um papel difertente e muito maior, no seio da Área Metropolitana do Porto.

    Por: LC

     

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