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Edição de 31-03-2024
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    Arquivo: Edição de 31-01-2013

    SECÇÃO: Crónicas


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    Porto de Honra

    O Porto não é uma nação mas também não sobram dúvidas de que foi, é e será uma grande instituição que abrange muitas outras de características semelhantes às da sua matriz como se formassem uma matrioska. Bem merece todas as designações elogiosas que lhe foram outorgadas ao longo dos séculos. Os reis consideraram-na “mui nobre, sempre leal e invicta” cidade do Porto, e, em tempos republicanos, a sua distinção maior foi a de cidade do trabalho, do comércio e da livre iniciativa mas também da fraternidade e da autenticidade que sempre mereceu por inteiro. Povoada desde épocas remotas, ganhou importância devido à sua privilegiada localização sobre a foz do rio Douro. Teve origem numa localidade conhecida por Cale, cujos moradores viviam do mar, daí o nome pelo qual ficou conhecida e fundamentou a designação do país que daqui se veio a formar: Portucale. Para muitos, o núcleo original foi o morro de Pena Ventosa, lá no alto donde os moradores desciam, por caminhos e atalhos, à procura do sustento que o rio lhes proporcionava; segundo outros, a povoação ter-se-á formado mais perto do rio e há mesmo quem afiance que houve duas povoações uma na margem direita e outra na margem esquerda. Como toda a Península, esteve sob domínio árabe porém cedo retomou a sua antiga condição sob o comando de Vímara Peres que, por presúria, passou a governá-la, em 868, como capital de um território a que foi dado o nome de Portucale e que transmitiu aos seus descendentes até ao ano de 1071, quando D. Mendo II foi derrotado na batalha de Pedroso sendo, então, integrado no Reino de Lião. Em 1095, tornou-se condado oferecido pelo Rei de Lião ao nobre borgonhês D. Henrique, que viera ajudá-lo na luta contra os árabes, juntamente com a mão da sua filha natural D. Teresa. Passou, então, a ser denominado Condado Portucalense que o filho de D. Henrique, D. Afonso Henriques, ampliou, reconquistando terras ao domínio árabe e lutando contra seu primo D. Afonso VII de Lião que veio a reconhecer-lhe o título de Rei em 1143 pelo Tratado de Zamora. O novo Reino só foi reconhecido pelo Papa em 1179.

    Enquanto instituição política, a administração da cidade foi entregue por D. Teresa ao poder religioso, na pessoa do bispo da diocese, D. Hugo que lhe concederia foral em 1123. Esse estatuto permitiu-lhe uma larga autonomia, inclusive judicial, que fortaleceu a sua identidade em relação ao poder régio com o qual entrou em frequentes desentendimentos. Ponto significativo dessa autonomia determinava que nenhum nobre era autorizado a erguer as suas residências dentro dos limites da cidade proibição que durou até ao século XVI. Tal regime de exceção, revela bem os méritos do Porto e justificam que tenha sido determinante nos grandes momentos da nossa história. Além da forte contribuição dada no prosseguimento da Reconquista, foi graças à ação do bispo D. Pedro II Pitões que os cruzados, vindos do centro da Europa no âmbito da II Cruzada, com destino à Terra Santa, aceitaram ajudar D. Afonso Henriques na conquista de Lisboa em 1147 e, posteriormente, noutras ações contra os mouros. Embora de carácter económico mas de forte componente política, foi a embaixada de mercadores portuenses chefiados por Afonso Martins Alho que negociaram e assinaram o primeiro acordo com a Inglaterra abrindo caminho à celebração do Tratado de Windsor, “a mais velha aliança do mundo”, e ao casamento de D. João, o primeiro de Portugal, com D. Filipa de Lencastre. D. João I dedicou sempre grande afeição a esta cidade: aqui se realizou o casamento real em 1387 e aqui nasceu o Infante D. Henrique (1394), responsável mor pela epopeia dos Descobrimentos. Daqui partiu a armada que foi conquistar Ceuta, em 1415, etapa inicial da saga africana empreendida pelos primeiros reis da dinastia de Avis. Para o aprovisionamento da esquadra, o povo portuense forneceu todos os víveres com sacrifício da própria alimentação. Diz-se que ficaram apenas com as vísceras dos animais oferecidos o que motivou a alcunha de tripeiros que, na época, lhes foi atribuído e que ainda subsiste. Foi no Porto que rebentou a Revolução Liberal chefiada pelo magistrado Manuel Fernandes Tomás e a que se associaram outras figuras gradas da cidade. Foi ao Porto que D. Pedro se dirigiu após o desembarque na praia do Mindelo (?) e aqui enfrentou os absolutistas liderados pelo seu irmão D. Miguel. Agradecido às gentes do Porto, legou-lhes o seu coração que ainda se mantém conservado na Igreja da Lapa. Igualmente o processo que conduziu à implantação da República teve participação ativa de portuenses, refletindo a sua declarada opção. O 1º deputado eleito pelo Partido Republicano (PRP) em 1878, ainda na vigência da Monarquia, foi José Joaquim Ribeiro Teles em representação do Porto e o primeiro grande movimento tendente à proclamação da República verificou-se em 1891 nesta cidade.

    A instituição mercantil deve-se à estreita relação entre os habitantes e o seu rio. É sabido que, no século XIV, já existia, no Porto, uma ativa e próspera burguesia razão pela qual foram os negociantes portuenses enviados a Londres para, em nome do país, estabelecerem um acordo comercial com a Inglaterra. Tão bem se saíram que, além do objetivo imediato plenamente conseguido para as nossas exportações, sobretudo do vinho, abriram caminho à celebração do Tratado de Windsor e às diligências para o enlace entre o novo rei de Portugal e D. Filipa de Lencastre, filha de João de Gant e neta do rei Eduardo III de Inglaterra. O chefe da missão, Afonso Martins Alho, foi tão hábil nos seus propósitos que ficou eternizado na expressão popular “fino como o Alho”. Na Inglaterra e na Flandres (Bruges), entrepostos do comércio externo português, foram os mercadores portuenses os que mais se distinguiram. A partir do século XVIII, a Região Demarcada do Douro, ordenada pelo Marquês de Pombal, deu extraordinário impulso ao comércio marítimo do Porto. O precioso néctar ficou mundialmente conhecido pelo nome da cidade donde era exportado e não por referência à região onde era produzido. Já nesse tempo, muitos cidadãos estrangeiros, sobretudo ingleses, se tinham estabelecido nesta cidade e aqui permaneceram e criaram raízes. Os séculos XIX e XX foram de extraordinário desenvolvimento da cidade e da área metropolitana em atividades comerciais e industriais, o espaço da urbe foi ampliado, abriram-se novas e grandes artérias, estabeleceram-se muitas e importantes empresas, ainda que, desde a 2ª metade do último século, se tenha assistido a um progressivo recuo económico do tecido urbano.

    Culturalmente falando, o centro histórico da cidade foi declarado Património Cultural da Humanidade pela Unesco em 1996, precedendo outros desta área como o Douro Vinhateiro, O Centro Histórico de Guimarães, o Centro Histórico de Braga e com eles formando um notável conjunto que poderá tornar-se êxito no domínio do turismo. Aqui nasceram e/ou viveram grandes vultos da literatura pátria: Almeida Garrett, Camilo Castelo Branco, Eça de Queirós (não propriamente no Porto mas na área metropolitana, Póvoa de Varzim,) José Régio (Vila do Conde) António Nobre, Soares de Passos, Júlio Dinis, Ramalho Ortigão, Sophia de Mello Breyner Andresen, Eugénio de Andrade e Manuel António Pina entre outros. O movimento cultural da cidade foi muito intenso nos dois últimos séculos. Foi particularmente importante o aparecimento da revista Águia, contemporânea da República (1 de Dezembro de 1910), que deu origem à sociedade cultural Renascença Portuguesa e que muito dinamizou a vida cultural do país no século XX. Teve uma existência ponteada de dificuldades não obstante haveria de manter-se até 1932. A Universidade do Porto é, hoje, uma das mais prestigiadas instituições portuguesas além fronteiras. Como a cultura não se pode cercear em espaços limitados, os cafés tradicionais, clubes literários e algumas livrarias desempenharam papel importantíssimo na afirmação humanística, científica, artística e filosófica da cidade do Porto. Os mais emblemáticos cafés foram, sem dúvida, o Magestic e A Brasileira mas outros, alguns dos quais já desaparecidos, tiveram papel importante no evoluir das novas ideias que iam surgindo; das livrarias sobreviventes aos solavancos económicos que sacudiram a sociedade portuguesa, em especial a portuense, destaca-se a Lello e Irmão, considerada uma das mais bonitas da Europa e que recebe, além do público nacional e estrangeiro interessado em livros, inúmeros turistas dos mais variados países.

    No entanto, existem no país e no Porto em destaque, alfarrabistas que têm desenvolvido ação cultural de grande notoriedade e de enormíssima importância como a Livraria Académica de Nuno Canavez. Este homem, condecorado pelo antigo Presidente da República Mário Soares, que tem por ele enorme consideração, bem merecida por sinal, tem desenvolvido, ao longo de muitas décadas, um trabalho de divulgação de obras literárias, de autores nacionais e estrangeiros que, assim, vai promovendo enquanto contribui, maioritariamente, para o enriquecimento da biblioteca de Mirandela, seu concelho de origem. Homem conhecedor do seu ofício tem um percurso notabilíssimo que lhe foi granjeando um sem número de amigos. Nasceu em Vale de Juncal a poucos quilómetros de Mirandela e veio para o Porto, aos 13 anos, trabalhar como marçano naquela que haveria de tornar-se “a sua muito querida Livraria Académica”. Frequentou a Escola Comercial Oliveira Martins mas a carreira de livreiro e as atividades afins ocuparam todo o seu afeto só vencido pelo amor à família. Transmontano autêntico, inteligente e culto mas sincero, faz jus ao carácter da sua gente. Quem o procura sabe que terá uma resposta pronta e honesta. Certa ocasião, dei-lhe conta duma precisão urgente. “Faça o favor de esperar um minuto!” – disse-me. Nem um minuto tinha decorrido e já ele vinha com o livro pedido na mão. “Quanto é, senhor Nuno?” – indaguei. “Ora, não é nada. O amigo está servido, é o que importa.” Várias vezes tenho contado com a sua generosidade e conhecimento. Sou amigo de pouca monta em termos económicos mas isso não conta para ele. Acima de tudo, está o seu profissionalismo e a sua dedicação. Obrigado, senhor Nuno. Em 2008, um conjunto de pessoas, dedicadas às letras decidiu editar um livro em forma de mensagem de amizade ao senhor Nuno Canavez. Em jeito de brinde, escolhi um poemazinho (sem rastos de depreciação) que passo a transcrever:

    O Guardador

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    A infância e os rebanhos

    suspende nos montes

    e caminha na porfia de um ofício.

    Na cidade grande, tão longe do rumor

    das giestas, aprende a arte de amar

    os livros, perseverante ofício.

    Faz-se guardador

    da palavra rara, a mais ténue

    memória dos livros: tudo o que resta

    afinal do remoto maravilhoso.

    Francisco Duarte Mangas

    Por: Nuno Afonso

     

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