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    Arquivo: Edição de 31-01-2013

    SECÇÃO: Literatura


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    A VOZ DAS PALAVRAS

    Os livros

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    mbora este seja assumidamente um artigo de opinião sobre livros – ou, melhor ainda, sobre leituras –, creio ser necessário que imagine diante de si um vinho do porto, colheita de 1974.

    Antes de servir deverá ser decantado para retirar o depósito natural formado pelo vinho, assim como para permitir que os aromas que se desenvolveram ao longo do envelhecimento em garrafa se possam expressar abertamente. De seguida oiça o borbulhar a fluir dentro do copo, aprecie este néctar, a cor – encorpado e frutado, cor rubi intensa. No nariz sobressaem os aromas de frutos vermelhos e frutos pretos. No palato é um vinho equilibrado, intensamente frutado, onde reinam os frutos silvestres e notas de especiarias, nomeadamente pimenta.

    Desengane-se o/a leitor/a se pensa que irei continuar com este registo! Esta secção não pretende alargar os seus horizontes nem e a sua apreciação deste imaginário vinho. Proponho agora que troque o vinho do porto por um livro e o ato de beber pela leitura.

    Sim, leu bem, porque ler um livro pode ser tão ou mais deslumbrante do que um bom vinho – «Ler é sonhar pela mão de outrem».(1) E porque dar à luz um romance, poesia ou outro género literário dá tanto ou mais trabalho do que a vinicultura – «Trabalhar um livro até à minúcia de uma palavra. E depois um leitor engolir tudo à pressa para saber 'de que se trata'. Vale a pena requintar um vinho para se beber como o carrascão?» (2)

    A leitura, tal como a escrita, é «uma infinita demanda. Perscruta o inaudito. (…) Cruza, descobre, inventa universos». (3) Especialmente quando um texto proporciona uma leitura ativa e nos deixe a pensar muito para lá de terminado o livro. Claro que, tal como os vinhos, há livros que «não são grande coisa», mas não será por isso que deixaremos de “beber” e experimentar outros “rótulos”.

    Não conheço nenhuma fórmula exata para criar um leitor, embora suspeite de que há “acontecimentos” que ajudam muito. Por exemplo, o haver livros em casa pode suscitar interesse e tornar a leitura uma atividade natural. Presumo ser inevitável que uma espécie de clique causado por um livro particular (comigo foi “Loucura” de Mário de Sá-Carneiro) seja decisivo para haver “paixão” – e é essa paixão que determinará o hábito de ler, a repetição do gesto e a capacidade de encarar o fracasso que se pode tornar a leitura de um determinado livro e, ainda assim, não desistir de procurar outro. Por vezes dou por mim a pensar que haverá qualquer coisa de inato no gosto pela leitura, algo não comunicável pelo outro nem capaz de ser aprendido. Enfim, um rol de hipóteses…

    Espero que os meus artigos de opinião, se é que poderemos chamar assim, tragam expressão às páginas do jornal “A Voz de Ermesinde”. Não agirei como um jornalista que, distanciadamente, relata ou divulga um acontecimento, mas como um narrador-observador que, dando a conhecer os Livros, exprime o seu ponto de vista e pretende, junto do leitor, despertar interesse, raciocínio e o seu juízo crítico. Tendo sempre como base a análise no estudo crítico, na transmissão e no exercício das técnicas utilizadas pelos escritores, na elaboração dos seus textos. Oferecer reflexão e solicitar reflexão. Abstenho-me de “certezas absolutas” e será gratificante ver as minhas afirmações gerarem debate – até porque um texto que não provoca comentários parece-me uma casa vazia na qual ecoa apenas a nossa própria voz.

    Não há um único livro da nossa vida – porque os livros mudam ao longo da vida, e um título que, noutros tempos, foi extraordinariamente marcante e enriquecedor pode perder relevância noutro momento em que já se acrescentaram leituras mais significativas. Um livro exige um leitor que o saiba ler e o escritor que o ensine a ler. Sobre eles disse Eugénio de Andrade:

    Num exemplar das Geórgicas (4)

    Os livros. A sua cálida,

    terna, serena pele. Amorosa

    companhia. Dispostos sempre

    a partilhar o sol

    das suas águas. Tão dóceis,

    tão calados, tão leais.

    Tão luminosos na sua

    branca e vegetal e cerrada

    melancolia. Amados

    como nenhuns outros companheiros

    da alma. Tão musicais

    no fluvial e transbordante

    ardor de cada dia.

    1 Bernardo Soares, in “Livro do Desassossego”

    2 Vergílio Ferreira, in “Pensar”

    3 Ana Hatherly, in “Tisanas”

    4 Eugénio de Andrade, in “Ofício de Paciência”

    Por: Ricardo Soares (*)

    (*) [email protected]

     

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