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    Arquivo: Edição de 17-01-2013

    SECÇÃO: Destaque


    Católicos recordam o massacre de Guiúa e falam da situação da Igreja em Moçambique

    Fotos URSULA ZANGGER
    Fotos URSULA ZANGGER
    Decorreu no passado sábado, dia 12 de janeiro, no Fórum Cultural de Ermesinde, uma conferência subordinada ao tema “Outro Olhar sobre Moçambique”, conferência esta que faz parte de um ciclo que está a ser organizado pelos Missionários da Consolata. Nesta, em particular abordou-se a situação atual da Igreja em Moçambique, fez-se o ponto da situação do desenvolvimento do próprio país, e recordou-se o massacre de Guiúa, facto objeto de um livro em destaque na sessão – “Véu de morte numa noite de luar” (história dos 24 catequistas mártires de Guiúa), e cujo autor, o missionário católico Diamantino Antunes, era uma das personalidades em destaque nesta conferência. A outra era o respeitado académico Mazula Brazão, ex-reitor da Universidade Eduardo Mondlane, no Maputo, e individualidade destacada dos meios católicos em Moçambique.

    Foi precisamente o professor Mazula Brazão, quem primeiro tomou a palavra para traçar um quadro da atualidade em Moçambique.

    Mestre em Ciências da Comunicação, doutorado em História e Filosofia da Educação pela Universidade de São Paulo, Mazula Brazão presidiu à Comissão Nacional de Eleições nas primeiras eleições multipartidárias em Moçambique, que se seguiram aos pesados anos da guerra civil. Estava por isso em muito boa posição para apreciar o ambiente da vida democrática moçambicana.

    Segundo o conferencista Moçambique depara-se hoje com três desafios: o desafio do desenvolvimento, o desafio da sociedade democrática e o desafio de acreditar em Deus.

    A guerra, longa de 16 anos, desestruturou o país, apontou Mazula Brazão, que foi apresentando então os grandes esforços do país para voltar à normalidade e ao desenvolvimento, apontando vários índices, na saúde e na educação sobretudo, que provavam este esforço.

    Existem hoje já 48 estabelecimentos de ensino superior no país, o que está ainda, contudo, muito abaixo da média africana.

    A mortalidade infantil baixou imenso e os padrões de vida avaliados pelas Nações Unidas melhoraram significativamente, embora o rendimento per capita seja ainda muito baixo, de cerca de 1 dólar por dia.

    Na economia, Moçambique tem vindo a exportar alumínio, energia elétrica, hidrocarbonetos, e ganha cada vez mais importância o setor agrícola.

    Mas na vida democrática – «o creme facial do povo moçambicano», a situação não é isenta de problemas, apontando Mazula Brazão que o povo moçambicano fez a reconciliação nacional, mas os partidos beligerantes – Frelimo e Renamo – mantêm grandes desconfianças e um tenso braço de ferro, sendo muitas vezes incapazes de cooperar uns com os outros nas instituições democráticas.

    Assumindo depois a sua postura de crente católico, Mazula Brazão, ele próprio um antigo aluno da Consolata, referindo-se ao período dos primeiros anos após a independência, comentou que tinha sido «uma ilusão enfrentar Deus» e ainda que «o marxismo-leninismo tinha tentado matar Deus», mas a única coisa que conseguiu foi fortalecer o espírito dos cristãos. E terminou a sua intervenção apontando as obrigações dos cristãos para com a comunidade, citando Bento XVI: «Nunca se é cristão sozinho».

    O MASSACRE

    DE GUIÚA

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    Foi então a vez de intervir do padre Diamantino Antunes. Doutorado em História e Teologia Dogmática pela Universidade Gregoriana, é pároco de Guiúa, na diocese de Inhambane, desde 2007, e tem vindo desde então a desenvolver o projeto de uma igreja laical e enraizada na comunidade, como se tem caracterizado a Igreja moçambicana nas últimas décadas, e de que o Centro Catequético de Guiúa é um exemplo.

    A evangelização sistemática de Moçambique só começou muito recentemente, apontou Diamantino Antunes, que recordou que, depois da independência houve vários entraves à evangelização e mesmo expulsão de missionários. Por exemplo, o Governo proibiu então o batismo de crianças, só permitindo a partir dos 18 anos. A Igreja perdeu em meios económicos, mas ganhou em termos humanos.

    O Centro Catequético de Guiúa, inaugurado em 1972, deixou de ser a “missão” para passar a ser a comunidade, explicou.

    Aí se acolhem as famílias, vindas de todo o Moçambique, não só para doutrinação espiritual e estudo da Bíblia, mas também para a cidadania e formação profissional.

    Devido à guerra e às ameaças que pairavam sobre este centro catequético foi o mesmo fechado em 1987, mas por pressão dos leigos que insistiam em reabrir o Centro apesar dos perigos, foi o mesmo de novo aberto a 22 de março de 1992. Na própria noite da reabertura, já com as famílias que vinham de vários lados instaladas, foi aquele alvo de um ataque violento no qual foram mortos 24 catequistas. Estes não foram poupados, ao contrário de padres e religiosas, esclareceu Diamantino Antunes. Os massacres de Guiúa foram também os últimos massacres da guerra, que se encontrava já numa fase terminal.

    Houve dúvidas, na altura sobre os autores desta chacina, tendo-se mais tarde apurado com certeza que teria sido obra dos guerrilheiros da Renamo. E que a própria decisão da matança não teria sido unânime. Não há ainda certezas quanto a uma intenção prévia da matança, supondo-se mais que algo terá na altura desagradado aos executores.

    Diamantino Antunes aponta ainda a convivência de vários credos religiosos (só os muçulmanos representam cerca de 17% da população, e estão também em crescimento, apesar da sua fragmentação por várias tendências do Islão) e avisa que o secularismo começa a chegar, sendo já evidente no contexto citadino.

    PERGUNTAS E RESPOSTAS

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    Aberto um período de perguntas e respostas, foi com dificuldade que começaram a surgir as primeiras questões.

    Respondendo a uma destas, Mazula Brazão explicou a importante intervenção da Igreja Católica na reconciliação nacional, sendo em Roma que as partes assinaram os acordos de paz. A Igreja começou então a ser vista não como uma força obscurantista, mas antes como uma entidade interveniente a favor da paz. Mesmo os ateus e agnósticos veem a Igreja com outros olhos, apontou. E hoje existem cristãos em vários níveis importantes do Estado. Mesmo aqueles que antes combatiam a Igreja hoje querem batizar os seus filhos, acrescentou.

    Respondendo a outra pergunta Diamantino Antunes apontou também o perigo de padres recém-chegados a Moçambique tentarem transpor para ali um modelo de igreja mais clerical e alheia à experiência concreta da Igreja no país, em que se implantou um modelo laical que tem tido muito êxito.

    Falando sobre a diversidade étnica, ainda em resposta a uma pergunta, Diamantino Antunes frisou que em Moçambique o sentimento nacional prevalece largamente sobre o tribalismo. Referiu, por exemplo, que mesmo na diocese de Inhambane se falam quatro línguas, mas que isso não é impeditivo da comunicação entre as pessoas. Ao Centro Catequético de Guiúa chegam muitas vezes pessoas, sobretudo mulheres, com muitos poucos conhecimentos de Português, mas que a integração sempre foi facilmente conseguida. E vêm pessoas de várias etnias, línguas e culturas, sem que isso represente um obstáculo significativo.

    Mazula Brazão terminaria a palestra com uma referência ao Observatório Eleitoral que dirige, e no qual confraternizam católicos, protestantes, muçulmanos e defensores dos Direitos Humanos, entre outros, numa diversidade enriquecedora e que inspira o respeito da comunidade.

    E deu até o exemplo de uma missão de paz conjunta, em que participaram o arcebispo de Maputo, D. Francisco Chimoio e o sheik Abdul Karimo, líder religioso muçulmano, que viajaram juntos na mesma viatura, dando assim testemunho vivo dessa convivialidade, e constituindo assim uma inspiração para os políticos

    Por: LC

     

     

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