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    Arquivo: Edição de 15-12-2012

    SECÇÃO: Crónicas


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    O conhecimento como instrumento de progresso

    O trajeto da humanidade tem sido deveras impressionante nos últimos sete decénios. Para os menos refletidos, a rapidez desse desenvolvimento verificou-se uma vez tombado o pano sobre as atrocidades da 2ª Guerra Mundial como se, do sangrento episódio, tivessem jorrado as energias até então represadas ou fosse ela própria geradora dessas energias. Dizem muitos que “se queres a paz, faz a guerra”. A história humana seria, então, uma obra em capítulos ligados entre si por episódios cruentos fautores de enormes avanços como se um empurrão coletivo fizesse o carro andar uns quilómetros em boa velocidade, entrando em pane a seguir, para, com novo impulso, alcançar ainda maior rapidez, vencer distância mais significativa e tudo se repetisse outra e outra vez. As guerras não seriam outra coisa que males necessários para o desenvolvimento humano e as vítimas por elas ceifadas não passariam de animais imolados em sacrifício a um deus cruel. Quem as provocou seria apenas o intermediário, o sacerdote, afinal um verdadeiro herói que, desse modo, invocaria para o seu povo e para o mundo as bênçãos divinas. A essa luz, Hitler mereceria uma estátua em cada aglomerado populacional não só da Alemanha e da Áustria, seu país berço, como de todas as nações do orbe, a mais imponente das quais em Jerusalém no interior do templo de Salomão. O tal deus é que seria o responsável pela destruição, as mortes e os crimes causados pelas guerras e nunca homens movidos pela ganância, por ódios ancestrais injustificados, pelo vil desejo de sobrepujar os seus semelhantes acumulando riquezas, indiferentes à miséria e ao sofrimento dos menos favorecidos. Não, a guerra nunca será motivo justificador do progresso.

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    Como é evidente, nem a História é constituída por trechos estanques nem os conflitos armados são panaceia para o surgimento de épocas florescentes. A História é um continuum, não só de gerações mas igualmente de conhecimentos herdados e de contributos que cada uma vai acrescentando ao tesouro que as anteriores lhe legaram. Houve, é certo, períodos em que esse incremento e respetivas consequências foram mais notórios. Verificaram-se, geralmente, em clima bonançoso sob impulsos positivos e em resultado de circunstâncias novas e motivadoras, períodos áureos como o Renascimento nos séculos XV e XVI quando o homem, não rejeitando a importância de Deus na sua vida, se ergueu como centro dela e se reconheceu como agente decisor nos acontecimentos em que estava envolvido, razão por que esse período é também designado por Humanismo. Para os homens cultos desse tempo nada parecia estranho, o conhecimento não era parcelado em determinada disciplina mas aspirava à realização plena. Os estudiosos dedicavam-se à Matemática, à Astronomia, à Música, à História, à Literatura, à Pintura, à Escultura e à Arquitetura, à Medicina nas suas diversas vertentes sob a proteção de dirigentes políticos também eles ilustrados e detentores de enormes fortunas. A Itália foi um alfobre de grandes génios que se tornaram do conhecimento geral e que, ainda hoje são lembrados e admirados por todos os que amam a cultura, imprescindível para a realização plena do homem. A revisitação dos clássicos gregos e latinos contribuiu, de forma decisiva, para o surto de desenvolvimento então verificado a que novos contributos da ciência e da técnica deram solidez. Não podemos esquecer que Portugal desempenhou papel importantíssimo nesta fase com a gesta dos Descobrimentos, demonstrando que outros mundos existiam para além da Europa e trazendo informações científicas novas nos domínios da Geografia, da Cartografia, da Matemática, da Astrologia, das Ciências Naturais e outras. Pedro Nunes inventou o nónio, importante instrumento na aplicação do astrolábio à navegação tornando mais rigoroso o cálculo da altura astral. Além de Pedro Nunes, Garcia de Orta distinguiu-se nas Ciências Naturais trazendo ao conhecimento a existência de inúmeras plantas, que conheceu e cultivou na Índia, na sua obra Colóquios dos Simples e Drogas e Cousas Medicinais da Índia onde dá conta da sintomatologia de algumas doenças exóticas e métodos terapêuticos até então desconhecidos na Europa, e muitos outros. Outras épocas houve em que o circunstancialismo permitiu um salto cultural importante. Tal aconteceu ainda durante a Pax Romana que durou aproximadamente dois séculos e em que surgiram grandes vultos como Virgílio, Horácio, Ovídio, Tito Lívio, Séneca e vários outros que serviram de inspiração aos Humanistas a par dos gregos Aristóteles, Platão, Sócrates, etc. Não podemos esquecer os séculos XVIII e XIX europeus em que se destacaram os filósofos Voltaire, Rousseau, Montesquieu, Diderot, D’Alembert (enciclopedistas), os românticos como Alexandre Dumas, Victor Hugo, os realistas como Balzac, Stendhal, Zola. Foi neste século que Auguste Comte escreveu obras notáveis e fundou a Sociologia (1820). Na Inglaterra, distinguiram-se Burns, Blake, Wordsworth, Coleridge, Byron, Shelley, Keats; na Alemanha, os irmãos Grimm, Herder, Goethe (na sua 1ª fase), Shiller, Heine, Novalis e tantos mais, em Portugal, sobretudo Almeida Garrett e Alexandre Herculano. Na escola dita realista pontificaram vultos como Joyce na Irlanda, Dostoievski na Rússia, Eça de Queirós, Antero de Quental e Oliveira Martins em Portugal.

    Quanto às guerras, os seus benefícios são, incomparavelmente, menores do que as suas nefastas consequências e não há relação de causa e efeito entre elas e os surtos de descobertas e progresso cultural sequente, apenas a oportunidade de mostrar a solidariedade de outros povos na reparação dos graves prejuízos ocorridos e na injeção de ânimo com vista à recuperação das estruturas sócioeconómicas destruídas. Assim aconteceu na Europa após a Segunda Grande Guerra com o chamado Plano Marshall que, por iniciativa e ação dos Estados Unidos, permitiu reconstruir o Velho Continente e estimular as forças criativas europeias num curto lapso de tempo. Contudo, na maior parte dos casos, as soluções adotadas acabam por redundar em problemas ainda mais graves do que os existentes antes das contendas tal como os que resultaram dos Tratados de Versalhes, no seguimento do Armistício que pôs fim à Grande Guerra de 1914/1918, cujas decisões contribuíram fortemente para as disfunções económicas registadas numa Europa enfraquecida, a euforia económica que caracterizou os chamados “loucos anos vinte” americanos seguida pela quebra da Bolsa de Nova Iorque e, pouco tempo depois, a ascensão de Hitler ao poder na Alemanha e o segundo conflito mundial ainda mais terrível do que o anterior.

    Os extraordinários progressos a que temos assistido devem ser imputados à ausência de turbulências generalizadas, ainda que muitos focos bélicos tenham surgido em diferentes partes do mundo, da Europa (desmembramento da antiga Europa de Leste e fragmentação dolorosa da antiga Jugoslávia), as convulsões na África e na Ásia no seguimento da descolonização e da luta pelo poder. Todavia, outros fatores terão influído de maneira mais determinante como a valorização crescente do estudo e da investigação, a permuta de conhecimentos através de revistas científicas e técnicas, de livros, de simpósios, congressos, conferências, a criação de novas universidades e instituições de formação técnica, a consciencialização generalizada de que o estudo é a verdadeira fonte de progresso, o empenho decisivo e o investimento aturado dos governos na preparação dos jovens como forma de responder aos desafios de uma competitividade cada vez mais acérrima.

    Por: Nuno Afonso

     

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