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    Arquivo: Edição de 15-11-2011

    SECÇÃO: Crónicas


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    Construir em cima da paz!

    «Quando morre um homem, morremos todos, pois somos parte da humanidade» (Hemingway)

    Quando, em 1940, Hemingway escreveu a obra literária que lhe daria o prémio Nobel, “Por Quem os Sinos Dobram”, pretendia despertar as pessoas para a fragilidade da condição humana, expondo a nu a hipocrisia, cinismo, frieza e calculismo dos “Senhores da Guerra” e da manipulação que fazia com que fossem ceifadas famílias inteiras que juntavam lado a lado, na mesma trincheira pais e filhos, lutando por causas que não eram as deles.

    A estes “Senhores da Guerra” que não se eliminaram com o tempo, muito pelo contrário proliferaram e são agora incontáveis e incontroláveis acrescentamos-lhes nós próprios, os “senhores das nossas guerras”, aquelas que iniciamos dentro de nós e que não as conseguindo apaziguar deixamos que nos corrompam o pensamento e os sentimentos.

    As trincheiras onde nos enfaixamos são cada vez mais individualistas e a nossa luta passa a ser dentro de nós mesmos, dentro da nossa família, dentro do nosso emprego, dentro da nossa amizade.

    Mais perigosa do que a outra, em que não conhecemos quem abatemos, nesta guerra sabemos a quem queremos desferir o golpe de misericórdia, em prol de causas tão simples como: não termos ninguém que pensamos que nos tapa com a sua sombra, ou porque sentimos que é bem sucedido, ou porque tem uma casa mais bonita, ou porque é bonito, ou porque é inteligente ou porque está fragilizado e não se pode defender ou, até por nada, mas simplesmente por nos apetecer fazer “tiro ao alvo”.

    Depois vêm os tais reveses da vida, que nos obrigam a repensar os nossos valores, vem a fase de balanço, vem a doença que nos assusta, vem a transformação da sociedade e, com sorte, hasteamos dentro de nós a bandeira de tréguas e procuramos a nossa paz que quase nunca é igual à paz dos outros.

    Ao encontrá-la, encontrando-nos a nós mesmos, nós somos como as cidades que se erguem depois das catástrofes: mais fortes, mais resistentes e fundamentalmente mais sábias na engenharia da sua reconstrução, porque lhe juntamos os pedacinhos de uma vida que foi e outra que há-de ser a nossa e pela qual estamos a lutar para conseguir.

    Associando o toque de sinos a motivos importantes que devem ser lembrados e usando a analogia de Hemingway, eu acho que os sinos dos tempos de hoje dobram também pela fome, pelo isolamento, pela ganância, pela deslealdade, pelo desalento, pela ausência de causas justas pelas quais lutar, pela falta de acreditarmos num amanhã melhor e tantos outros motivos que estão para lá de uma simples folha de papel.

    Os sinos irão sempre dobrar pelo que morre e nasce dentro de nós e deve ser por isso que eu prefiro indiscutivelmente construir e reconstruir em cima da paz, e foi aqui que encontrei Deus, aquele a quem pedi para me mostrar o meu próprio caminho, ajustado à minha maneira de ser, aquele que faria sentido eu seguir porque confesso que até final de 2009 eu já estava muito cansada de andar à procura dentro de mim mesma e sentia-me perdida, terrivelmente perdida.

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    Nas minhas partilhas e reflexões eu não conseguiria escrever sobre o que não sinto, a forma como vou desatando os meus nós ou ainda falar de vivências que não testemunhei e, se já abordei e enalteci as mãos invisíveis da amizade, as pessoas que a conta gotas apareceram e reapareceram na minha vida e a que eu chamo “anjos sem asas”, os meus Amigos, faltava-me efetivamente homenagear Deus.

    Polémico tema para muitos, contudo, para mim, é importante este ato de coragem ao abordá-lo porque eu em pequenita associava Deus a uma figura temerosa, um ser severo que castigava quem não cumprisse os preceitos da Igreja, e esta imagem foi-me acompanhando ao longo da várias fases do meu crescimento e baralhava-me o facto de cada pessoa ter uma forma diferente de encarar o Deus em que acredito, interpretando-o de formas diferentes, pelas atitudes diferentes que adotamos todos nós.

    Mais complexo ainda era, e continua a ser, ver que há pessoas que estabelecem uma maratona pessoal para conseguir chegar até Ele, quer seja contribuindo com donativos, quer medindo a quantidade das suas “rezas” mais ou menos menores, quer embandeirando-se numa fé em que se acotovelam uns aos outros para serem os primeiros a lá chegar – todos querem ficar no pódio do primeiro lugar, aquele que nos coloca à portinha do céu, onde queremos ser os primeiros a entrar e que nos esquecemos que o bilhete de acesso não é comprado com dinheiro mas sim com ações, segundo os ensinamentos que nos são passados.

    Por mim não acredito que haja filhos de um Deus menor que dependam da qualidade da fé, vista aos olhos dos outros, da quantidade de donativos, de um extrato social diferente, de raças diferentes ou opções de vida também diferentes.

    Quando usamos a nossa doutrina para julgar os outros utilizamos os nossos próprios padrões e às vezes condenamos os “prevaricadores” de forma dura e violenta, sem direito a defesa. Em nome de uma fé que é a nossa, assistimos a destruições quer seja por execuções, apedrejamentos, atentados, opinião pública e tantas outras atitudes que nos matam como seres humanos e num extremo matam também a nossa fé – tudo feito pela mão do Homem.

    Aprendi a perceber que as contrariedades da vida também são sinais de Deus: a oportunidade de aprendermos com elas e através delas. Ele não nos resolve os problemas e quando dizemos que falamos com Deus que nos ouve, e aceita as nossas imperfeições nós só estamos é a falar connosco próprios, também e de novo uma oportunidade que nos é dada de nos ouvirmos na procura de soluções que às vezes nos indicam um novo caminho, só que às vezes não nos agrada muito porque vai para além da nossa conveniência.

    Deus é fé e sempre se diz que a fé move montanhas. Acreditar faz falta a todos e mesmo aqueles que dizem que não acreditam em Deus no mínimo acreditam… que não acreditam, o que não é o mesmo que acreditar em “coisa nenhuma”.

    A melhor definição que um dia ouvi sobre Deus e uma forma de O conhecer foi olharmos para um desfavorecido, para um excluído socialmente, para um sem abrigo, para um doente ou incapacitado e até para aqueles que não sabem olhar para si mesmos e aí sim, temos o rosto de Deus que não é mais do que tolerância, compreensão, entreajuda, solidariedade e tantas outras coisas que todos temos interiorizado se assim o quisermos.

    No lugar que Deus ocupa, transversal a qualquer religião, eu preciso acreditar muito, há lá um lugar para todos os que caminham na sua direção e, às vezes nós, pensando que as estradas dos outros são mais fáceis de seguir, enganamo-nos porque os caminhos que trilham, dourados para nós, têm pedras pontiagudas que causam um tipo de dor, intensa e penosa para quem o percorre.

    A não ter sentido e não ter acreditado desta forma, teria que questionar-me: Que Deus é este, meu Deus?!

    Preferi mesmo contentar-me com esta minha descoberta e encontrar Deus foi mais uma ajuda preciosa para encontrar paz, a minha paz e a coragem para hastear a bandeira branca com que ando a percorrer o meu caminho, aquele que passei a vida a procurar.

    Por: Glória Leitão

     

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