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    Arquivo: Edição de 30-04-2011

    SECÇÃO: Destaque


    Nova zona industrial em Alfena: ética e interesse público em discussão

    No mês de setembro de 2010, em reunião, não pública, da Câmara Municipal de Valongo, a maioria do Executivo apresentou uma proposta no sentido de permitir uma reclassificação de solos da Reserva Ecológica Nacional (REN) em zona industrial, ultrapassando assim as limitações impostas pelo actual PDM e permitindo então a instalação de um projeto empresarial que, supostamente, deveria implicar a criação de muitos postos de trabalho. Mal fundamentada a proposta, acabaria chumbada por toda a oposição.

    Posteriormente a Junta de Freguesia de Alfena veio em defesa da mesma proposta, disponibilizando-se a fornecer toda a informação necessária. A própria Câmara viria a reconhecer a utilidade de prestar uma melhor informação a todos sobre este processo, em respeito da sua importância.

    Fotos URSULA ZANGGER
    Fotos URSULA ZANGGER
    Entalada entre a A41 e a Estrada Municipal n.º 606, que liga Alfena a Sobrado, a área de implantação da nova zona industrial ficaria distante, em linha reta, pouco mais de dois quilómetros, se tanto, de uma outra zona industrial no concelho, também sobranceira à A42 mas já inserida na freguesia de Sobrado, e ainda com muita área livre para construção, para já não falar da localização ainda na freguesia de Alfena, da Zona Industrial do Barreiro, próxima do nó sul da A41, a qual se encontra também com muito terreno disponível para a implantação de empreendimentos industriais, o que a própria vereadora Maria José Azevedo fez notar em reunião da Câmara, realizada no dia 8 de outubro. Ainda assim, a Coragem de Mudar mostrou-se então disponível, de acordo com novos dados e uma melhor fundamentação da proposta, a rever a sua posição.

    Apresentado como “Plano Estratégico de Desenvolvimento Sustentável de Alfena”, o projeto das novas zonas industriais é justificado pelos promotores como desafio no sentido de, aproveitando a sua inserção «no seio dos corredores litorais da Região Norte, bem como no grande eixo litoral Porto/Galiza, que representa mais de 6 milhões de habitantes», beneficiar da estrutura de transportes definida pela proximidade do porto de Leixões e do aeroporto Sá Carneiro, da rede de acessibilidades na região, ainda da proximidade da Universidade do Porto (já que se invoca a promoção do trabalho qualificado) e, finalmente, de níveis razoáveis de qualidade de vida como fator de atração de recursos humanos qualificados.

    Segundo o plano estratégico, tratar-se-ia de criar, numa primeira fase, 200 a 500 postos de trabalho, e numa segunda («num prazo temporal de 10 anos», novos 2 a 4 mil postos de trabalho»). E é com base nestes pressupostos que os promotores entendem sensibilizar a autarquia para a alteração do Plano Diretor Municipal (PDM), «tendo sempre como objectivos a sua integração regional e metropolitana, que assentará nas redes estruturantes e no regime do uso do solo».

    Ainda segundo o projeto apresentado pelos promotores, a plataforma logística de iniciativa empresarial/zona industrial que se pretenderia implantar em Alfena, «num terreno a urbanizar», compreenderia «um conjunto de valências de actividades industriais/logísticas, admitindo--se ainda equipamentos, comércio, serviços e estabelecimentos hoteleiros, privilegiando-se a instalação de espaços de investigação e tecnologia científica».

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    Toda esta área, numa dimensão de mais de 100 ha para os dois projetos deveria ser estruturada, de forma a articular-se com as vias existentes (já atrás referidas), subentendendo-se ainda como parte dessa estruturação o alargamento/requalificação da Estrada Municipal 606 (Alfena-Sobrado) e Via dos 5 Caminhos.

    Mas o rigor do estudo torna-se duvidoso quando, num outro documento, intitulado “O futuro constrói-se hoje”, e apresentado pelas imobiliárias JAAP e Adriparte, e ainda pela Gintegral II Triagem – se apontam coisa como: «(...) O Concelho é hoje atravessado pelo Rio Leça e o Rios Ferreira, rios que desaguam junto ao Porto de Leixões, em Matosinhos (...)».

    Segundo este documento, na primeira fase (deste projeto) previa-se a «construção/instalação de um equipamento do tipo plataforma logística, com uma área de construção de cerca de 7 640 m2. Numa segunda fase a «construção/implementação de uma nova zona industrial/plataforma logística//micro empresas/serviços complementares e ainda uma zona de lazer comportando uma unidade hoteleira com equipamento desportivo preparado para a a realização de competições e um percurso radical que, embora não seja especificado no presente estudo, pretende-se que seja adequado à realização de percursos pedestres, “trekking”, percurso de manutenção, zona de BTT e outras actividades associadas».

    Mais à frente o mesmo documento refere: «O local de intervenção apresenta alguns constrangimentos devido à morfologia do terreno e ao desnível altimétrico. No entanto a proposta (...) adequa-se às cotas existentes, evitando-se movimentos de terras desproporcionados, para o que contribui alguma dispersão na proposta de ocupação do território».

    E este é outro dos mistérios da proposta, já que, realmente, no terreno, encostado à ribeira de Junceda, é necessário um razoável deslocamento de terras necessários à consolidação do terreno, implicando a criação de dois taludes, à quota superior e à quota inferior, cada um deles com muitos metros de altura, o que necessariamente se traduz em custos económicos acrescidos para os potenciais investidores.

    Mas além deste facto, um outro merece aqui alguma relevância, é que foi necessário proceder ao desvio do leito, entubamento e aterro do ribeiro de Junceda, paralelo à Estrada Municipal 606, situação essa que precedeu qualquer aprovação em sede de reunião da Câmara e ratificação posterior pela Assembleia Municipal.

    Isto é, na prática vem-se procedendo como se o PDM estivesse de facto já alterado.

    Junto à entrada para a obra, na EM 606, não se encontra nenhuma placa identificativa, que foi recuada, ficando fora do alcance público.

    Relativamente a potenciais empresas interessadas nas duas novas zonas industriais (ou uma, já que são contíguas), a Chronopost seria uma das primeiras a instalar-se, mas a concretizar-se essa implantação, ou reimplantação, porque a empresa já estava no concelho, ficam dúvidas sobre o grande impacto na criação de emprego, de acordo com a planificação de fases que foi apresentada nos dois documentos referentes ao projeto da zona industrial atrás citados.

    UMA OPORTUNIDADE

    A NÃO PERDER

    OU UM NEGÓCIO

    ETICAMENTE

    DISCUTÍVEL?

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    As dúvidas sobre o real interesse público dos empreendimentos da nova zona industrial de Alfena adensam-se ainda mais quando se aprecia como foi transacionada a posse de parte dos tais terrenos agora a ela destinados, e que então se situavam (como de resto, ainda hoje, aliás) em terrenos da Reserva Ecológica Nacional (REN) e de outros, anexos, em idênticas circunstâncias, mas situados já na freguesia de Água Longa e, por isso, concelho de Santo Tirso (cuja Câmara é presidida por maioria de cor distinta da de Valongo), o que pode ajudar a explicar decisões tácitas, de interesse mútuo.

    No dia 27 de setembro de 2007, num Cartório Notarial do Porto, apresentou-se a comprar a vários proprietários de terrenos situados na REN, nas zonas indicadas de Água Longa e Alfena, e declarando que o fazia para revenda, o senhor Jaime Paulo Resende.

    O comprador adquiriu então, por cerca de 4 019 203,30 euros um conjunto de prédios rústicos que, no mesmo dia, e apenas uma ou duas horas depois, vendeu ao Santander Asset Management – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Mobiliário, gestora legal e representante do Novimovest – Fundo de Investimento Imobiliário, por 17 125 827 euros, isto é por um valor superior a quatro vezes mais!

    Uma mais-valia fabulosa que só pode explicar-se atendendo a que os anteriores proprietários dos terrenos, em área de REN, vislumbraram ali um excelente negócio, já que vendiam por um preço muito aceitável terrenos à partida sem capacidade construtiva, enquanto que, para o intermediário, tais terrenos, tal como o declara a respetiva certidão de compra e venda a favor do Santander, tinham «capacidade construtiva, conforme consta do Plano Director Municipal de Valongo e da Comunicação da Câmara Municipal de Valongo de doze de Setembro de dois mil e sete, com a referência zero zero zero dois zero quatro cinco».

    De facto desconhecemos a que Plano Diretor Municipal tal se refere, pois não consta que até agora ele tenha sido alterado nesse sentido.

    Mas não deixa de se notar a referência precisa de Jaime Paulo a um documento da Câmara, cujo número é até referido, e que curiosamente, terá sido emanado apenas quinze dias antes do ato da compra dos terrenos aos seus anteriores proprietários.

    Jaime Paulo, da venda ao Santander, que incluiu mais alguns prédios cujo valor pago foi de 2 874 173 euros, perfazendo um total de 20 milhões de euros, recebeu logo ali seis milhões de euros, ficando os restantes 14 milhões de serem pagos com a «verificação simultânea e cumulativa» das seguintes condições:

    • Aprovação, de forma incondicional, pela Câmara Municipal de Valongo, no prazo máximo de 270 dias a contar da data de 27 de setembro de 2007 «de um índice de ocupação do solo de 0,5»;

    • «Constituição, pelo ora Primeiro Outorgante» [Jaime Paulo] (...) no prazo máximo de 270 dias a contar» da mesma data, «de um Fundo de Investimento Mobiliário Fechado de Subscrição Particular», que deveria associar-se ao Novimovest;

    • Aquisição à Novimovest, «no prazo máximo de duzentos e setenta dias contar» da mesma data, pelo fundo de investimento imobiliário atrás descrito, pelo preço de seis milhões de euros, de 30% «da totalidade das parcelas de terreno objecto deste contrato, em regime de compropriedade;

    • Celebração, no prazo de 270 dias, a contar da mesma data, de um contrato-promessa de arrendamento com a Chronopost, «que terá por objecto uma unidade de armazenagem e logística com a área de construção de 8 160 m2, à qual será afecta uma parcela de terreno com a área estimada de 33 mil m2, e pelo qual deverá ser contratada uma renda mensal inicial nunca inferior a 32 155 euros, «ao abrigo de um contrato com uma duração mínima não inferior» a 15 anos;

    • Celebração com a sociedade por quotas Plus Super Discount Supermercados Lda, de um contrato-promessa de arrendamento que terá por objeto uma unidade de armazenagem e logística com a área de construção de 33 mil m2, à qual será afeta uma parcela de terreno com a área estimada de 125 mil m2, e pelo qual deverá ser contratada uma renda mensal inicial nunca inferior a 105 mil euros, ao abrigo de um contrato com uma duração mínima não inferior a dez anos.

    O presente contrato seria resolúvel pela não verificação cumulativa das condições mencionadas, com a consequente devolução ao referido fundo da quantia de seis milhões de euros, acrescida de penalização de acordo com a taxa Euribor, acrescida de spread de 1%, bem como, de todas as despesas realizadas pelo fundo, devidas ao registo da escritura pública de compra e venda. Mas curiosamente, caso os vendedores não procedessem à devolução das quantias referidas num prazo de dez dias, a contar da interpelação para o efeito, considerar-se-ia o presente contrato «válido e eficaz, reduzindo-se o preço da compra e venda para a quantia de seis milhões de euros já paga (...)».

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    Isto é, na pior de todas as hipóteses, Jaime Paulo obteria «apenas» uma mais-valia no negócio de 1 980 796,70 euros.

    Resumindo: desconhecendo a possibilidade de passar a construtivos, pela suspensão do PDM ou eventualmente em futura aprovação (o documento encontra-se em fase final de revisão), um grupo de proprietários de terras situados em zona da REN dos municípios de Valongo e Santo Tirso, aceitou vender os seus terrenos a um preço irrisório, se comparado com o que o comprador intermediário obteve no mesmo dia, certamente por possuir informação privilegiada, que lhes deveria ter sido disponibilizada.

    Transformada a natureza da propriedade em «industrial», logo com capacidade produtiva, o seu valor aumentou, de imediato, exponencialmente.

    Não queremos crer que a pressa da Câmara de Valongo em aprovar a nova zona industrial tivesse que ver com interesses neste negócio. Do mesmo modo não queremos crer que um processo semelhante se passasse do lado de Santo Tirso. Nem que aqui (ou lá) se verifique um dos casos comuns apontados pelo programa televisivo Biosfera, de que os beneficiários de desanexações de áreas protegidas do PDM (como a REN, no caso) possam eventualmente ser às vezes, entre outros, os próprios autarcas ou as forças políticas em que se enquadram.

    Isto ajudaria a explicar muita da disponibilidade para rever as posições contrárias à revisão ou suspensão do PDM, mas não acreditamos que seja este o caso e tudo terá uma explicação.

    Se assim fosse, é evidente que o verdadeiro negócio não seriam os empreendimentos que estão para vir ou em andamento – até pela dificuldade de os rentabilizar, tendo em conta a necessidade de construir ainda tanta infraestrutura, a começar pelo aplanamento do terreno –, e deixavam de ter importância as contradições do projeto, o verdadeiro negócio seria sobretudo, isso sim, o derivado da alteração do uso do solo, com vantagem para todos, exceto para o interesse público. É verdade que os prazos aparentemente ultrapassados parecem apontar nesse sentido, mas calma... colocamos isto quase apenas como uma hipótese académica, e tudo o que entretanto aconteceu tem de certeza uma difícil, mas boa explicação que não deixará de ser dada, estamos certos.

    Por: LC

     

     

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