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    Arquivo: Edição de 20-10-2010

    SECÇÃO: Destaque


    JORNADAS PARA A INCLUSÃO – FEIRA QUEM É QUEM

    Políticas Sociais e Relações de Género: o processo de inclusão social das mulheres beneficiárias de RSI de Campo e Sobrado

    No dia 2 de Outubro de 2010, no âmbito do seminário “Jornadas para a Inclusão” organizado pela Câmara Municipal de Valongo, no Fórum Cultural de Ermesinde, foi apresentado por Andreia Pereira de Melo, técnica superior de Serviço Social no Protocolo de Rendimento Social de Inserção do Centro Paroquial e Social de São Martinho do Campo, a sua dissertação de Mestrado em Serviço Social e Politica Social intitulada “Políticas Sociais e Relações de Género - O processo de inclusão social das mulheres beneficiárias de Rendimento Social de Inserção de Campo e Sobrado” (Valongo), defendida e aprovada no Instituto Superior de Serviço Social do Porto (ISSSP) em Dezembro de 2009.

    A comunicação começou por justificar a escolha das temáticas subjacentes ao referido trabalho, bem como uma breve contextualização e explicação do instrumento de política social, Rendimento Social de Inserção (RSI).

    Segundo a autora, o trabalho apresentado é o resultado da conjugação de vários factores que vão desde a inquietação pessoal sobre as problemáticas apresentadas, à experiência profissional com o R.S.I. e ainda com o interesse pelo aperfeiçoamento dos modelos de intervenção social com a referida política social. AVE

    Fotos URSULA ZANGGER
    Fotos URSULA ZANGGER
    O Rendimento Mínimo Garantido (RMG) foi instituído em Portugal no ano de 1996 e surge como um instrumento de política social destinado a indivíduos e famílias em situação de grave carência económica e que inclui duas componentes: a atribuição de uma prestação pecuniária e um programa de inserção. Esta medida de política social tem como objectivo a satisfação das necessidades essenciais, bem como inserção laboral, social e comunitária dos seus beneficiários. O RMG, actualmente denominado RSI, promoveu uma nova concepção do modelo de protecção social em Portugal e revelou ser um passo inovador e marcante no quadro das políticas sociais portuguesas.

    O modelo de política social do RSI, tal como foi desenhado, apresenta-se aparentemente neutro em termos de género. No entanto, podemos verificar que esta medida tem um impacto diferente nas mulheres e nos homens, mesmo que esse impacto não tenha sido desejado ou previsto, como, por exemplo, no RSI, tal como nos Serviços de Acção Social do Instituto de Segurança Social existir a sobre-representação da população feminina, apesar do acesso ser igual para ambos os géneros.

    Assim, a referida dissertação analisa a forma como o modelo de política social e os mecanismos institucionais disponíveis nesta medida interagem com os grupos mais desfavorecidos, especialmente se forem mulheres e se desta interacção pode resultar a inclusão social destes grupos, sendo este o problema de partida central para o trabalho. Esta análise, segundo uma perspectiva de género, é o resultado do pressuposto de que existe uma relação específica entre mulheres, a pobreza e a exclusão social, uma vez que, para além dos mecanismos mais gerais que afectam igualmente homens e mulheres, existem mecanismos específicos que levam ao empobrecimento e exclusão social das mulheres.

    Tal como a autora apresentou, a presente dissertação foi estruturada em quatro capítulos, mais as conclusões. No Capítulo I realizou uma análise da protecção social na Europa e, particularmente, em Portugal, dando-se um especial enfoque às políticas do “rendimento mínimo”. Como a pergunta de partida, orientadora do estudo, seguiu uma perspectiva de género, continuou a sua análise incidindo sobre as várias dimensões da vida das mulheres, que influenciam a sua inclusão ou exclusão social. Sendo estas dimensões a família, a escola e o trabalho. Mas, como o objecto de estudo são mulheres que vivenciam uma situação de precariedade sócio-económica, considerou essencial analisar os conceitos de género, pobreza e exclusão social, analisando de que forma estas problemáticas afectam particularmente as mulheres. Já nos III e IV Capítulos incidiram sobre o estudo empírico subjacente a esta dissertação. Aquele teve como intuito o aprofundamento dos conhecimentos acerca das beneficiárias desta medida de protecção social.

    ISOLAMENTO SOCIAL

    E RELACIONAL

    Mais especificamente do estudo e cruzamento da informação recolhida na investigação empírica desenvolvida com 26 beneficiárias de RSI, residentes nas freguesias de Campo e Sobrado do Concelho de Valongo, constou uma maior prevalência de beneficiárias, sobretudo nas categorias dos 31 aos 50 anos de idade. Apesar de, na sua maioria, estas beneficiárias terem companheiro ou marido, quase todas têm filhos menores a cargo, independentemente do estado civil. De uma forma geral, a escolaridade da maior parte das beneficiárias não ultrapassa o 1º Ciclo do Ensino Básico e em termos de ocupação a maior parte das beneficiárias não se encontra a estudar, nem a trabalhar, não sendo assim de estranhar que a maioria das beneficiárias seja, sobretudo, desempregada e doméstica, tendo, por isso, como principal meio de vida, o RSI.

    A falta de rendimentos provenientes do trabalho ou o facto de estes rendimentos serem bastante reduzidos reflecte-se nos seus baixos hábitos de consumo. Sendo o RSI utilizado para o pagamento das suas dívidas mensais e aquisição dos bens de 1ª necessidade, é encarado, mesmo assim, como sendo insuficiente para a satisfação das necessidades básicas da família.

    Estas mulheres apresentam vulnerabilização social que se traduz num forte isolamento social e relacional, pelo que as beneficiárias passam o respectivo tempo em casa, e raramente têm reuniões com familiares e amigos. Simultaneamente, a autora constatou uma não-participação em práticas associativas, cívicas, políticas ou religiosas. A maioria das beneficiárias também atribui uma reduzida importância à política, havendo a tendência para a assunção de uma certa incompetência cognitiva face a esta matéria.

    Constatou que a maioria das beneficiárias já recebe a prestação há mais de cinco anos e que já tinha assinado o Programa de Inserção, ainda que a maioria afirme que não lhes foram muito bem explicadas as acções/obrigações que aquele Programa abarcava. Assim, constata-se que um precário envolvimento no Programa de Inserção acaba por explicar o facto das beneficiárias referirem que a principal alteração positiva do RSI na respectiva vida é apenas dinheiro certo todos os meses.

    Face aos escassos rendimentos do agregado, as beneficiárias consideram viver com dificuldades, devido essencialmente ao desemprego e ao elevado nível de vida. As representações que as beneficiárias têm da pobreza reflectem o seu próprio percurso de vida: estas consideram que os pobres existem por falta de sorte na vida. Como factores explicativos dos fenómenos de pobreza, encontrámos a crise económica e o desemprego. Para além disso, a autora percepcionou a existência de pessimismo quando as beneficiárias afirmam não ver muitas possibilidades de se poder ultrapassar as situações de pobreza, não perspectivando um futuro promissor nem para si próprias, nem tão pouco para os outros que estão em situação similar.

    Por último, as beneficiárias consideraram que os principais promotores da resolução das dificuldades que os agregados domésticos manifestam não são os sujeitos beneficiários, mas o Governo. No entanto, a intervenção do Estado face aos problemas sociais foi avaliada de “algo frágil” e os seus efeitos reais de “médios”. Assim, a noção de pobreza resulta mais de mecanismos sociais do que de características individuais.

    DEFICIÊNCIAS

    ESCOLARES

    E OUTROS FACTORES

    DE VULNERABILIZAÇÃO

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    Posteriormente realizou uma análise mais aprofundada dos dados e concluiu que as variáveis como a idade, nível de escolaridade e alguns factores familiares de vulnerabilidade (estado civil, se têm filhos) influenciam negativamente e constituem-se verdadeiros handicaps para a integração destas mulheres no mercado de trabalho. Mais especificamente, à medida que a idade das beneficiárias aumenta em termos cronológicos, aumenta também o tempo de permanência na medida e diminuem as probabilidades de encontrarem emprego. Como os níveis de escolaridade das beneficiárias são bastante baixos, a escolarização assume-se também como um factor central no processo de vulnerabilização, desta população e como mais um limitador para o processo emancipatório e, consequentemente, um impedimento para a descolagem da medida. Cumulativamente, a incidência destas mulheres na manutenção duradoura da sua relação com a medida é resultado também de algumas das dinâmicas familiares reprodutoras da vulnerabilização. Neste sentido, estamos perante um grupo que se encontra fora do mercado de trabalho devido, na maioria das vezes, às obrigações familiares (tomar conta de crianças, deficientes ou de idosos), resultantes da ausência de equipamentos e de serviços sociais passíveis de facilitar a inserção laboral, mas também pela quebra das redes de entreajuda (redes familiares e de vizinhança). Concluiu também no seu estudo que as beneficiárias apresentam representações e interesses assentes no vector do emprego, mais do que no vector da dependência estatal, e a maioria delas atribui uma importância muito grande ao emprego, enquanto factor de construção e de reconstrução dos laços sociais e das identidades individuais. Não se trata, portanto, de um conjunto de indivíduos que vive e que quer continuar a viver da subsídio-dependência, mas antes de um grupo de indivíduos que, por um lado, sente não poder trabalhar por razões que ultrapassam a sua própria vontade e que, por outro, aposta no emprego como instrumento de efectiva mobilidade social. Por fim, com este estudo, a autora verificou que, o tempo de permanência na medida tende a aumentar as representações negativas sobre as possibilidades de saída da pobreza, esta longa permanência tem repercussões ao nível da auto-estima individual e ao nível das representações sobre o futuro (do agregado e da sociedade em geral), dificultando assim a mobilização de estratégias de inserção e a participação dos beneficiários. As beneficiárias demonstram, assim, um elevado grau de desmotivação e de descrença sobre o futuro quando, por exemplo, afirmam que os pobres têm poucas probabilidades de saírem da pobreza (sendo elas também parte integrante deste grupo), o que lhes dificulta a edificação de projectos de vida consistentes e ascendentes socialmente.

    A IMPORTÂNCIA

    DE POLÍTICAS SOCIAIS

    DE DISCRIMINAÇÃO

    POSITIVA

    Perante esta vulnerabilidade estrutural feminina, a autora afirmou que seria importante equacionar determinadas políticas sociais, com formas de tratamento diferenciado para minimizar a discriminação (negativa) e beneficiando grupos sociais específicos. Assim, o desafio passaria por conseguir equacionar a intervenção no R.S.I. integrando uma dimensão de igualdade de género, nomeadamente com critérios assentes na denominada discriminação positiva para mulheres, especialmente quando estas se encontram em estruturas familiares específicas, como, por exemplo, famílias monoparentais e maternocêntricas.

    Assim, no plano operacional, podiam desenvolver-se Programas de Inserção centrados na mulher, construídos numa base local e de grande proximidade, e adaptados à situação concreta de cada pessoa e família.

    Como o grande objectivo da intervenção é a inclusão social destas mulheres e o principal vector desta inclusão é a integração profissional daquelas que reunissem as condições físicas para exercer uma actividade profissional, esta intervenção deverá ter como principais eixos, por um lado, a sensibilização e a integração destas mulheres em acções de formação e requalificação profissional e, por outro lado, uma forte articulação com a rede de equipamentos sociais nas áreas da infância, deficiência e terceira idade, de forma a preparar estas mulheres para exercer uma actividade profissional e, ao mesmo tempo, libertá-las de alguns impedimentos familiares.

    No entanto, a prática mostra-nos que muitas destas mulheres não reúnem condições para trabalhar, devido, nomeadamente, a problemas incapacitantes de saúde ou casos de insuficiente resposta a nível dos equipamentos sociais. Por isso, em vez de equacionar a intervenção por via da inserção profissional, aquela deverá ser equacionada, tal como o investigador Prof. Dr. Eduardo Rodrigues nos mostra na sua Tese de Doutoramento 1, no sentido de dar um enfoque privilegiado ao conceito de “actividade social”. Este conceito distingue competências profissionais ligadas ao exercício de um trabalho no mercado competitivo, de competências sociais ligadas às habilitações ou “capacidades” dos indivíduos.

    Assim, no que respeita aos efeitos destes eixos de inclusão, importa sublinhar que o sucesso não pode ser medido pelo carácter imediato e automático dos programas de inserção e dos seus resultados em termos de cessação de prestações. Pelo contrário, os efeitos positivos devem ser medidos pela capacidade de correcção dos factores que, ao longo do tempo, têm vindo a contribuir para a vulnerabilização estrutural das mulheres. Intervindo nestes factores, estamos, ao mesmo tempo, a corrigir os aspectos que continuam a vulnerabilizar outros elementos dos agregados familiares, principalmente as crianças, prevenindo, assim, que estes factores de vulnerabilização se perpetuem pela geração seguinte.

    Por: Andreia Pereira (*)

    (*) Dissertação de Mestrado em Serviço Social e Política Social.

    Andreia Sofia Alves Pereira de Melo é Mestre em Serviço Social e Política Social pelo ISSSP (2009), licenciada em Serviço Social pelo ISSSP (2005) e licenciada em Psicologia Social pela Universidade Aberta (2010) .

    1 Rodrigues, E. (2006). Escassos Caminhos. Os processos de imobilização social dos beneficiários do R.M.G. em Vila Nova de Gaia. Tese de Doutoramento. Faculdade de Letras - Universidade do Porto, Porto.

     

     

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