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Edição de 31-03-2024
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    Arquivo: Edição de 10-10-2010

    SECÇÃO: Crónicas


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    Uma questão de carácter

    Não há dúvida que somos um povo de excepção. É verdade que realizámos façanhas para lá do que “prometia a força humana”, mas não é a isso que me refiro. A nossa excepcionalidade tem a ver com a maneira peculiar de estarmos na vida: em Portugal somos maledicentes, preconceituosos, lamurientos, pequeninos egoístas a ponto de fazermos tábua rasa de todas as regras com a maior indiferença pelos direitos dos outros desde que daí nos advenha algum proveito; lá fora somos, por regra, cumpridores, zelosos, trabalhadores, de fácil integração, estimados pelos naturais dos países de acolhimento.

    Adoramos exibir-nos perante os nossos amigos à custa de alguém cuja boa-fé, conscientemente, ludibriámos. Gargalhamos, babados de prazer, e incitamos os ouvintes a imitarem-nos sem pensarmos que, algures, um ser humano como nós pode estar sofrendo as consequências da nossa invejável argúcia. Os amigos têm essa inestimável função: aplaudir quando estamos presentes e tecer intrigas malévolas quando nos ausentamos, mas por outros motivos ou sem motivo nenhum. Somos extremamente eficazes a intrigar, mas tardos a reconhecer o mérito alheio. Como se explica que os grandes vultos da nossa literatura tenham sido reconhecidos e valorizados antes no estrangeiro e só mais tarde em Portugal? Assim aconteceu com Eça de Queirós, Fernando Pessoa, Cesário Verde, José Saramago e tantos outros. Espanta que até pessoas com instrução e, supostamente, capazes de distinguir o trigo do joio se tenham deixado influenciar por aspectos por elas considerados menos favoráveis tais como o anticlericalismo de um, o alcoolismo de outro, a estranheza do estilo de um terceiro, o comunismo e o ateísmo de um quarto. O ensino religioso foi, em grande parte, responsável pelo ostracismo a que foram votados esses grandes cultores da língua pátria ao proibirem aos seus educandos a leitura das suas obras, embora outros factores também tenham contribuído para que tal acontecesse: a iliteracia da nossa gente, o engrandecimento de tudo o que vem de fora em detrimento do que entre nós se produz em termos materiais e/ou culturais. É que não tem sido apenas no domínio da Literatura que esquecemos homens de extraordinária envergadura como Manuel Damásio, João Magueijo, que contrariaram teorias científicas dadas como adquiridas para todo o sempre, médicos de renome – um deles foi braço direito do Dr. Christian Barnard que fez o 1º transplante de coração na África do Sul – e inúmeros outros que leccionam nas mais prestigiadas universidades dos EE.UU. e da Europa.

    PORTUGAL

    COMO PAÍS

    FOI UM MILAGRE

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    Esse descaso ou negligência é próprio dos pequenos que olham para o estrangeiro com desmesurada admiração como as crianças fazem em relação aos adultos, que medem tudo segundo a óptica da inveja, da ignorância do que sejam valores que enobrecem o carácter, permitem-se julgar os demais pelos seus estreitos critérios morais. A nossa gente tem grandes aspirações mas espera que sejam outros a proporcionar-lhas: os políticos em geral e os governos em particular, as grandes instituições, as empresas, até Deus que pode fazer milagres. A romancista Lídia Jorge reconhece-o explicitamente quando diz: «Temos uma grande força no sonhar mas uma debilidade no agir». E ainda acrescenta: «Nesta terra, os sonhos passam a lamento sem darmos por isso». Talvez seja uma característica da alma portuguesa.

    Será que o factor geográfico condiciona esta forma de estar na vida? Portugal como país foi um milagre, a sua permanência como tal, pelos séculos afora, foi outro milagre. Este recanto meio esquecido no extremo da Europa e antes de outros mundos que fomos obrigados a descobrir para nos realizarmos terá uma relação directa com o facto de sermos assim miudinhos na forma como encaramos a vida? Não creio, afinal, há países tão pequenos ou até menores do que o nosso e cujos cidadãos têm comportamentos bem diferentes dos nossos! É verdade que alguns estudiosos das Ciências Sociais explicam o facto de os países do Sul da Europa terem sido grandes no passado e hoje terem um desenvolvimento económico mas também humano inferior ao de outros situados a Norte. De facto, Grécia, Itália (Roma), Espanha e Portugal desenvolveram grandes civilizações e cometeram feitos enormes, encontrando-se, actualmente, num patamar inferior aos de países como os escandinavos, por exemplo. Fomos desmesuradamente grandes no passado e não parece haver explicação lógica para a «apagada e vil tristeza» do presente. Terá isto influência decisiva em nossa maneira de ser?

    Estranhamente ou não, os portugueses que procuraram vida melhor noutras paragens distinguiram-se quer pelo espírito empreendedor, quer pela honradez e perseverança. No Brasil, de que posso falar com conhecimento de causa, os portugueses foram os maiores obreiros do desenvolvimento do país desde os fins do século dezanove. Saíram das suas terras sem outros meios além da sua inteligência e da sua força de trabalho e ergueram grandes empresas em nos mais díspares sectores de actividade, foram responsáveis por grandes obras como a Beneficência Portuguesa para acudir aos enfermos e o Real Gabinete Português de Leitura para divulgar e estimular a cultura, integraram-se esplendidamente na sociedade brasileira, ali se fixaram e multiplicaram. Foram sempre considerados cidadãos respeitadores das leis do país, estimados e valorizados, não obstante o “preconceito histórico” que se expressava em anedotas aparentemente depreciativas. Nos Estados Unidos, no Canadá, na França, na Venezuela, no Luxemburgo, países que receberam grandes levas dos nossos compatriotas, os portugueses mostraram bem as qualidades que os distinguem, encontrando-se em lugares de destaque nas respectivas comunidades.

    Se existem estudos sociológicos importantes acerca da nossa gente, não têm sido muito divulgados. Era estimulantes que a História, a Antropologia e a Sociologia e outras ciências mostrassem a todos os portugueses de que têmpera são formados para que tivessem orgulho das suas qualidades intrínsecas e corrigissem as manifestações comportamentais que apresentam nos seus dia-a-dia.

    Por: Nuno Afonso

     

     

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