Subscrever RSS Subscrever RSS
Edição de 31-03-2024
  • Edição Actual
  • Jornal Online

    Arquivo: Edição de 10-10-2010

    SECÇÃO: Destaque


    CONFERÊNCIA LONGUS DIAS TÊM 100 ANOS

    Valongo comemorou Centenário da República com uma memorável viagem no tempo

    Não querendo deixar passar em branco as comemorações do Centenário da República a Câmara Municipal de Valongo – através do seu Arquivo Histórico – levou a cabo, na tarde de 4 de Outubro, uma conferência alusiva ao tema. Evento esse que se viria a revelar como um importante testemunho do impacto que o histórico e célebre acontecimento teve não só para o nosso país como muito em particular para o nosso concelho. Baptizada de “Longus Dias Têm 100 Anos” a conferência foi precedida de uma interessante exposição composta por factos e fotografias que marcaram a história do antes e depois do “5 de Outubro de 1910” em terras valonguenses.

    De sublinhar que o êxito do evento em muito ficou a dever-se à riqueza das intervenções do painel de oradores convidados, os quais legaram à assistência aquilo que podemos chamar de um vasto tesouro histórico-cultural.

    Fotos MANUEL VALDREZ
    Fotos MANUEL VALDREZ
    As previsões do vice-presidente da autarquia de Valongo, João Paulo Baltazar, no arranque para esta conferência sairiam acertadas: graças ao rico naipe de oradores todos aqueles que marcaram presença no auditório do Arquivo Municipal de Valongo de lá saíram com a sua bagagem cultural sobre o país e o concelho bem mais recheada. Disso não há dúvidas.

    Moderada por Raquel Branco a dita conferência teve início com a intervenção de Vítor Sá, arquitecto e actual director do Departamento de Planeamento e Gestão Urbanística da Câmara de Valongo, com a temática “A Arquitectura na Primeira República”. Instado pela moderadora a pronunciar-se sobre se a modernidade na Arquitectura nacional terá começado na manhã daquele histórico dia 5 de Outubro de 1910, Vítor Sá prontamente retorquiu que não. Na verdade, e ao contrário do que aconteceu com a Literatura e a Pintura, por exemplo, a Arquitectura só rompeu definitivamente com o passado (renascentista) já próximo do término da Primeira República (1925), com o aparecimento de um novo estilo intitulado de Art Déco. Até então a Arquitectura nacional viveu numa espécie de dualidade de estilos, por outras palavras – as de Vítor Sá – no início do século XX esta pautava-se «por um debate entre a vontade de modernizar e a manutenção dos valores tradicionais, de sentido nacionalista e de características rurais».

    Era uma arquitectura que mantinha uma visão artística, assente no universo das Belas Artes, com um profundo sentimento ecléctico e revivalista oposto à inovação, novas técnicas e novos materiais que davam eficácia à engenharia. É então por alturas do “5 de Outubro de 1910” que se começa a utilizar o betão armado, material este que consentia uma concepção estrutural de grandes espaços. Os primeiros sinais de mudança começavam então a fazer-se sentir. «Foi o momento em que supostamente a indústria substituía a arte e em que a Engenharia e a Arquitectura, que até então viviam ligadas, se separavam em campos opostos», frisava o arquitecto da edilidade de Valongo. Pouco identificados com a inovação tecnológica, em contraste com os seus “conterrâneos de profissão” de outros países onde a Revolução Industrial teve um enorme impacto, os arquitectos portugueses «recorrem ainda neste princípio do século XX a processos tradicionais de construção usando paredes resistentes em alvenaria e pavimentos de madeira, e em que a inovação das suas propostas se reflectia na propagação espacial, na grandiosidade das fachadas com gosto revivalista e de índolo nacionalista, mas já com uma separação marcante entre a fachada e o programa interior do edifício». Há neste último aspecto uma espécie de paralelismo resultante da implantação da República, ou seja, tal como o povo, também os edifícios começavam a mudar o seu “interior”.

    Há uma clara valorização do espaço interior e um divórcio entre este e o exterior. Em termos práticos é contudo em Lisboa que se visionam as primeiras obras do modernismo arquitectónico, por assim dizer, pela mão de Ventura Terra, um militante do Partido Republicano que teve um papel preponderante na transformação do país no que concerne a obras, sendo de destacar, entre outras, a Maternidade Alfredo da Costa. No Porto coube a Marques da Silva arquitectar as grandes obras de referência do modernismo, exemplos da Estação de S. Bento ou do Teatro de S. João. No concelho de Valongo a ruptura com o antigo não é total na época da Primeira República, havendo somente alguns sinais em relação à utilização de novos materiais. Mesmo assim são de destacar as fábricas de Sá e da Cerâmica, em Ermesinde, e o Teatro Oliveira Zina, em Valongo.

    O orador seguinte, Manuel Augusto Dias, proporcionaria aos presentes um autêntico retrato vivo dos acontecimentos do antes e do depois do “5 de Outubro”, ocorridos quer em Valongo quer no resto do país, com especial destaque para a capital. Uma verdadeira e deveras interessante aula de História ministrada pelo historiador ermesindense, há que dizer.

    Questionado por Raquel Branco sobre o que teria acontecido no dia 5 de Outubro de 1910 no País, Manuel Augusto Dias sublinharia que foram vividos dias complicados antes e depois da histórica data. Lembraria que esta foi uma revolução sangrenta, com muitos mortos, feridos, muita violência e que a Primeira República foi tudo menos pacífica. Acima de tudo recordaria que um pouco por todo o Portugal havia uma grande vontade de mudança, em dar vivas à República. Debaixo do regime monárquico o país apresentava sinais de profunda preocupação, de tal modo que os “adeptos” do republicanismo estavam cientes de que a implantação da República iria “conceber” um homem novo, um homem com uma nova mentalidade, à semelhança da arquitectura com um novo interior. Com a vinda da República acreditava-se sobretudo numa sociedade mais justa e fraterna para... todos.

    Após ter evocado algumas figuras da época e respectivos feitos na base desse 5 de Outubro de 1910, Manuel Augusto Dias passou a recriar inúmeros factos alusivos às consequências desta data no nosso concelho. Factos que vêm sendo publicados quinzenalmente no nosso jornal desde o início do ano pela pena do próprio historiador, e como tal seria supérfluo da nossa parte recordá--los neste texto quando estes são já sobejamente conhecidos dos nossos leitores.

    Na última parte da sua comunicação o orador fez referência a uma Associação de Propagação Republicana num concelho rural do centro do país, mais concretamente Ansião, numa prova de que a República assim que viu a luz do dia na capital logo tratou de espalhar-se ao resto do país.

    O BOLO PRESIDENTE

    INVENTADO PELA

    FÁBRICA PAUPÉRIO

    foto
    Deliciosa é a melhor definição que se poderá aplicar à comunicação que se seguiu, dedicada única e exclusivamente à importância que a famosa fábrica de biscoitos Paupério teve – e tem – no comércio concelhio. Eduardo Sousa foi o alegre contador de histórias que marcam... a nobre história da Paupério. Recordando, antes de mais que, na altura em que a República foi implantada, a Paupério era já uma senhora de 36 anos (foi fundada a 20 de Abril de 1874), o actual sócio--gerente da empresa evocou alguns dos factos que deram à firma a fórmula do sucesso, tanto a nível nacional como internacional. Sucesso, que não é demais referir, foi grangeado no tempo da monarquia. Aliás, e por falar em monarquia, Eduardo Sousa recordou uma célebre história relacionada com o delicioso bolo-rei, uma obra de arte culinária cuja concepção a Paupério foi uma das pioneiras em todo o país. Acontece que com a implantação da República, e temendo represálias do novo regime, a fábrica valonguense teve de proceder a uma pequena alteração na denominação do citado pitéu, o qual passou de bolo- -rei para... bolo-presidente. Um facto curioso e engraçado que durou alguns anos, até a denominação original do bolo ter voltado às origens. Quanto à importância que a Paupério tem para Valongo essa pode dizer--se que se mantém intacta, e que a firma continua a ser um dos grandes símbolos do concelho além-fronteiras. E como biscoitos e bolo-rei foram doces palavras inseridas na comunicação de Eduardo Sousa, a fome começou a apertar entre a assistência, de tal modo que foi feito um pequeno intervalo para comer um biscoitinho de Valongo.

    Intervalo esse que não trouxe apenas doces ao público que se deslocou ao Arquivo Municipal, tendo a poesia entrado em cena para dar aso a dois poemas de índole republicana, por assim dizer. Trajados a rigor com as vestes da época, Duarte Menezes e Maria da Purificação deram então vivas à República com a declamação de “O Triunfador” e “O Cântico da República”, poemas da autoria do poeta valonguense João Elias.

    A REPÚBLICA

    E A IGREJA

    A segunda parte da conferência foi preenchida com a apresentação de mais três comunicações, sendo a primeira delas da autoria de Maria Antonieta Cruz, docente da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, a qual analisou as consequências quantitativas e qualitativas da legislação eleitoral republicana na formação do corpo de eleitores.

    O 5 de Outubro de 1910 trouxe com a República a lei da separação da Igreja e do Estado, e consequentemente a nacionalização dos bens da primeira entidade. E foi precisamente este o tema da comunicação de José Costa, o qual minuciosamente descreveu o inventário e arrolamentos do património sacro das freguesias valonguenses.

    A Igreja teria ainda adornos de papel principal na última comunicação do dia, a qual foi proferida pelo pároco de Valongo José Alfredo da Costa, que relataria que com a «proclamação da Primeira República em Portugal, e ainda que à custa do sangue régio, a Igreja vê-se privada e simultaneamente livre de alguns privilégios que a monarquia lhe concederá durante séculos. A comunidade cristã capacitou-se, nessas circunstâncias adversas, para a urgente missão de evangilizar um século novo no qual os movimentos laicais adquirirão capacidade de reforma e decisão a par do aparecimento de um clero mais humilde e melhor preparado».

    Por: Miguel Barros

     

     

    este espaço pode ser seu Este espaço pode ser seu Este espaço pode ser seu
    © 2005 A Voz de Ermesinde - Produzido por ardina.com, um produto da Dom Digital.
    Comentários sobre o site: [email protected].