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    Arquivo: Edição de 15-04-2009

    SECÇÃO: Arte Nona


    “O rio Shinano”

    Alguma vez teríamos que falar de manga. Pois é agora. Com origens perdidas numa tradição gráfica secular do Japão que remonta ao período nara (no nosso século VIII), os manga são a expressão de massas da Banda Desenhada japonesa, extremamente popular, com muitos autores, editoras, e uma torrente de obras a brotar continuamente. Assumindo sobretudo uma perspectiva de entretenimento, espraiam-se, contudo, por vários géneros, desde os mais infantilizados até aos voltados para públicos mais adultos. A mancha mais alargada dos manga sofreu uma clara influência dos comics infantis norte-americanos, sendo um traço muito comum o desenho dos olhos em tamanho desmesurado para acentuar a expressividade e ganhar a identificação do público mais jovem ou adolescente.

    Pois bem, não é de nada disso que vamos falar agora.

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    Ao contrário da mainstream, “O Rio Shinano” (“Shinanogawa”) é uma obra que assenta num grafismo de carácter mais realista, imbuído de uma atmosfera muito poética, com um argumento geográfica e historicamente situado, muito rico do ponto de vista psicológico e documental, além naturalmente, da proposta formal.

    Da autoria de Kazuo Kamimura (desenho) e Hideo Okazaki (argumento extraído de um seu romance; não confundir este autor, cuidamos nós, com o fotógrafo do mesmo nome, referência do cinema de animação japonês, anime), “Shinanogawa” é uma fulgurante obra-prima da Banda Desenhada, não apenas japonesa, trazendo-nos a história de uma bela rapariga, sensual e apaixonada, Yukié Takano, e dos seus amores impetuosos e desafiadores da moral nipónica da era Shôwa, cerca dos anos 30.

    A obra, que começa agora a estar à venda em Portugal, estende-se por vários grossos volumes – por exemplo, o primeiro, o único que já conhecemos, estende-se por mais de duzentas páginas – e foi publicada em Francês, em 2005 pela Asuka Éditions, uma editora especializada nos manga, com o título, tirado do original “Le Fleuve Shinano” (“O Rio Shinano”). Rio Shinano este que, note-se, existe mesmo, sendo o mais longo curso de água japonês e banhando Niigata, capital da província do mesmo nome, na ilha de Honshu (a maior ilha do Japão, na qual também se situa Tóquio), aonde vai desaguar.

    Reconhecendo a imortalidade desta ambiciosa obra, a editora Asuka Éditions vai assim buscar uma obra produzida nos anos 80, tendo o seu prolífico desenhador (no seu período áureo chegou a desenhar mais de 400 páginas por mês!), nascido a 7 de Março de 1940 em Yokosuka, morrido a 2 de Janeiro de 1986, vitimado por um tumor na faringe. Na sua meteórica e luminosa carreira, Kamimura produziu numerosas obras repletas de lirismo e poesia, de que são exemplo (títulos em Francês) “Amon, nouvelles étranges, ukiyoé d’Edo”, “Fleurs de l’enfer de la haine”, “Cendrillon sanglante” (a partir do original de Kazuo Koiké) , “Le Temps d’amour libre [concubinage] e, evidentemente, o aqui referido “Le Fleuve Shinano” (a partir do original de Hideo Okazaki).

    Quanto a Okasaki, nascido em 11 de Agosto de 1943 em Yamagata, trabalhou para a casa editora Shônengahôsha, de 1967 a 1971, participando depois na crição da publicação mensal “Gekhan Touch”. Desaparecida esta, torna-se argumentista e trabalha como free-lance, assinando várias obras. Entre elas “Le Fleuve Shinano” e “Aris, faiseur de rêves”, ambas com Kazuo Kamimura, “Fleurs Sensuels”, com desenhos de Masaru Sakaki. “L’âge d’or du gekiga”, um ensaio publicado em 2002, é considerado um tributo aos anos em que os manga realistas floresceram, e baseado em 20 anos de publicação da revista emblemática do género, “Young Comic”.

    Mas voltando a “O Rio Shinano”, da primeira à útima página (ou se quiserem, dado o nosso habitual sentido de leitura, que é o inverso, desde a última à primeira página), a perspectiva expressionista de Kamimura leva-nos a conhecer o sentimento, paisagem, e atitude do Japão, partindo dos mais ancestrais costumes, como o do abandono nos montes dos recém-nascidos filhos dos aldeões mais pobres até à afronta feita às boas famílias, que são os amores flagrantes e ousados de Yukié, primeiro, enquanto jovem, com o socialmente considerado inferior Tatsukichi, e depois, no colégio para onde é levada, com o professor Yûsuke Okishima, para escândalo de todos.

    A vida política do Japão perpassa em pano de fundo, com quando, a 14 de Novembro de 1929, se leva a cabo o assasinato do primeiro-ministro japonês Osachi Hamaguchi.

    As aldeias das margens, a paisagem do Shisano, as neves e as chuvas, a mentalidade das pessoas e as suas reacções, tudo isso está presente nesta obra notável.

    Por: LC

     

     

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