Subscrever RSS Subscrever RSS
Edição de 31-03-2024
  • Edição Actual
  • Jornal Online

    Arquivo: Edição de 10-09-2008

    SECÇÃO: Tecnologias


    Entrevista de Linus Torvalds ao Simple-Talk (1)

    Linus Torvalds, criador do Linux, concedeu uma entrevista ao Simple-Talk (http://www.simple-talk.com/opinion/geek-of-the-week/linus-torvalds,-geek-of-the-week/), onde fala sobre o kernel (e um pouco sobre o seu desenvolvimento), licenciamento, o motivo de sua preferência pela GPL, patentes, distribuições e muito mais.

    Leonardo Saibot (Terramel, BR-Linux.org) resolveu traduzir a entrevista. Como ela é muito extensa, publica-se hoje apenas a primeira parte. Não houve a preocupação em fazer uma tradução literal. O que se tentou fazer foi «uma tradução que realmente mostrasse o que foi dito e não uma que traduzisse fielmente cada palavrinha». Posteriormente foi feita uma adaptação para o Português local pel'”A Voz de Ermesinde”.

    Nesta primeira parte, Torvalds fala um pouco sobre o kernel e algumas particularidades de seu desenvolvimento e sobre licenças. A entrevista foi feita por Richard Morris.

    Foto ARQUIVO
    Foto ARQUIVO
    Richard Morris: No seu famoso debate com o Tanenbaum (*) sobre microkernel versus monolítico você diz que, de um ponto de vista teórico (e estético) microkernels são melhores. Você é capaz de prever um dia em que o prático se igualará ao teórico e ao estético e o Kernel do Linux se tornará obsoleto?

    Linus Torvalds: Eu posso certamente imaginar o kernel Linux a tornar-se obsoleto - qualquer outra coisa seria triste, realmente. Apesar disso, tendo trabalhado na área de sistemas operativos por mais ou menos 17 anos, eu não acho que serão os microkernels que farão isso acontecer.

    Por outras palavras, tendo feito kernels “tradicionais” por tanto tempo, eu acabei por me convencer que eles são feitos como são, tradicionalmente, pelas mesmas razões pelas quais as rodas são redondas – é simplesmente a forma como devem ser feitos. Da mesma forma que as rodas são redondas porque é prático e giram melhor dessa forma, você não vai querer dividir um kernel monolítico em várias partes pequenas. Num kernel, você basicamente precisa conhecer o que todas as partes estão a fazer para poder tomar decisões globais, e isso torna-se difícil se dividir muito as coisas.

    Mas o que pode fazer uma grande mudança em como as coisas são feitas são simplesmente as mudanças no hardware ou mudanças nos costumes dos utilizadores e na forma como eles interagem com os seus computadores. E enquanto eu não vejo nenhuma grande mudança fundamental em como as coisas são feitas, eu acho que é isso o que pode tornar o Linux obsoleto – apesar de achar que isso não acontecerá num futuro próximo. Software e hardware têm uma inércia impressionante e a forma das coisas serem feitas tendem a permanecer como são por décadas. Por isso não estou exactamente preocupado.

    Richard Morris: Muitos projetos importantes como o Apache, PHP, etc., não usam a licença GPL. Você acha que isso prejudica a comunidade do Software Livre ou você acha que a heterogeneidade das licenças de código aberto permitiu que mais pessoas contribuíssem para o esforço total?

    Linus Torvalds: Eu acho que heterogeniedade é uma coisa boa. As pessoas não têm os mesmos objectivos ou motivações e realmente não devem ter. Não existe nenhuma razão pela qual todos devem concordar com uma única licença – não só é irracional esperar que todas as pessoas concordem com algo, mas também existem áreas diferentes que podem ter razões fundamentais para querer fazer as coisas de outra forma. Por exemplo, eu obviamente acredito que a GPL (a v2 em particular) é um grande modelo para trabalhar em conjunto – permitindo que todos compartilhem o código, mas também assegurando que ninguém possa depois tentar tirar vantagem do trabalho dos outros – você “paga” pelo código fonte ao dar o seu código de volta. Eu chamo esse modelo de “isso por aquilo” e ele funciona muito bem não apenas no mundo do software, mas é também bem conhecido em economia e teoria de jogo.

    Mas o facto de eu gostar dele para o tipo de coisa em que estou envolvido não significa que outras pessoas não possam ter outros objectivos. Por exemplo, se você trabalha com padronização e quer usar o código aberto como uma forma para distribuir um modelo de referência, você talvez não tenha interesse no “isso por aquilo”, talvez apenas queira espalhar o código de referência para o maior número de pessoas que puder, para que elas possam começar com uma certa base, e talvez você também possa querer fazer dessa referência a base para códigos proprietários. Então nessa segunda situação, você pode querer usar uma licença Apache ou BSD.

    Portanto, mesmo de um ponto de vista puramente racional, faz sentido ter licenças diferentes. E não, não estou a dizer que programadores são puramente racionais. Há muito ego envolvido e muitas ideias pessoais, o que pode explicar exactamente porque existem tantas licenças diferentes para experimentar.

    O facto de poder escolher é uma coisa boa! E realmente não existe muita confusão, já que só existe uma pequena porção de licenças muito populares e comuns.

    Richard Morris: Recentemente entrevistamos o Dr. Richard Hipp, do SQLite fame. O que você acha da decisão dele de remover todas as restrições do uso do seu código e colocá-lo em domínio público? Por que você não faz o mesmo com o Linux – isso faria o código ser realmente livre?

    Linus Torvalds: Essa palavra, livre, é na verdade uma palavra que eu tento evitar usar, pois significa muitas coisas diferentes. E não, eu não estou a falar apenas da diferença trivial entre “livre de custos” (grátis) e “liberdade”. Mesmo no significado de “liberdade”, diferentes pessoas têm tantas ideias diferentes do que realmente é e de quem realmente deva ter a “liberdade”. Essa é uma das razões pela qual eu uso o termo “Código Aberto”, e uma razão pela qual sou conhecido por discutir com a FSF [Free Software Foundation]. Eles fazem muita questão do termo “liberdade” e definem esse termo de uma forma muito particular.

    O que é “liberdade” para você? É anarquia? – a liberdade de fazer qualquer merda que você quiser? Se for, a licença BSD é obviamente muito mais livre que a GPL. Ou é qualquer outra das inúmeras formas de descrever o que “liberdade” pode significar? Eu realmente não estou interessado neste tipo de discussão. É o que eu chamo de “masturbação mental”, quando você acaba por entrar nalgum tipo de exercício intelectual sem sentido e sem nenhum significado possível. Por isso uso o termo “Código Aberto” quando tento explicar a razão de ter escolhido a licença que uso, e tento explicar a minha escolha da GPLv2, não em termos de liberdade, mas em termos de como eu quero que as pessoas possam melhorar o código fonte – ao desencorajar o fechamento e o controlo do código com uma licença, todos podem trabalhar no trabalho de cada um e isso basicamente encoraja um modelo onde as pessoas acabam trabalhando juntas.

    Não me entenda mal, eu não estou dizendo como se fosse uma coisa de escuteiros cantando ao redor de uma fogueira no acampamento. É mais um modelo de cada um por si, onde as pessoas são encorajadas a trabalhar nas coisas que acham mais importantes para suas necessidades. Mas a GPLv2 está lá para evitar a anarquia: ela não acaba com a competição e não evita que algumas pessoas trabalhem em coisas diferentes, mas evita que alguém seja anti-social ou prejudique os outros.

    As pessoas precisam de regras sociais. A mesma coisa vale para os projectos. É necessário algumas regras que sejam cumpridas para que as pessoas já saibam desde o começo no que estão a entrar. Note que não estou dizendo que a licença BSD é ruim ou que colocar algo no domínio público (que é uma coisa mais do tipo livre-para-todos) é ruim. Se era isso o que Hipp queria para seu código, então foi a escolha certa. Eu acho que a anarquia é “mais livre” do que ter regras, mas também é certamente menos produtiva, e eu acho que ao menos um certo tipo de programadores ficarão menos interessados no projecto justamente porque eles não verão as regras para proteger os seus trabalhos.

    Nem todos gostam da GPL, mas várias pessoas gostam justamente porque dá uma certa protecção. É essa a protecção que você quer? Essa deve ser a sua escolha pessoal antes de você se unir a um projecto que usa essa licença, mas nós podemos olhar pra trás e dizer que ela parece conduzir à produtividade e ao sucesso do projecto.

    (*) Criador do Minix, na base do qual Torvalds concebeu o Linux.

     

    Outras Notícias

    · A memória do rato

     

    este espaço pode ser seu Este espaço pode ser seu Este espaço pode ser seu
    © 2005 A Voz de Ermesinde - Produzido por ardina.com, um produto da Dom Digital.
    Comentários sobre o site: [email protected].