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    Arquivo: Edição de 30-06-2008

    SECÇÃO: Cultura


    Mia

    Fotos URSULA ZANGGER
    Fotos URSULA ZANGGER
    Talvez muitos dos que rumassem à Biblioteca Municipal de Valongo no passado dia 14 de Junho esperassem ir ali encontrar um grande nome da escrita, uma estrela. Afinal, e após uma breve actuação inicial do grupo Duo de Roer (muito jovens, mas soberbos e surpreendentes, na interpretação, na voz...), quem viram apresentar-se foi... um homem.

    Mia Couto, homem, moçambicano, biólogo, escritor, poeta, assim se apresentou. Ex-professor também, como referiu. E génio, dizemos nós, seguramente, como modestamente escondeu, mas se torna patente ao lê-lo, ouvi-lo conhecê-lo.

    Mia esteve no nosso concelho, para num périplo português, acompanhado pelo seu editor (Zeferino Coelho, da Caminho), apresentar o seu último romance, “Venenos de Deus, Remédios do Diabo”.

    Mia, que na mesa foi acompanhado pelo jornalista Tito Couto, para desta forma dissipar qualquer tom de conferência do evento, e a quem respondeu a diversas questões, fez questão de revelar o seu sentimento de estar praticamente em casa já que o seu pai seria de Rio Tinto, ali ao pé da porta.

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    Sobre a obra apresentada, revelou algumas das motivações que ajudaram a criá-la, algumas das quais envolvendo aspectos dolorosos.

    Depois, o também ex-jornalista Mia Couto, com a generosidade de quem não precisa de pôr-se em bicos de pés para ser grande, elogiou a música do Duo de Roer considerando que foram uma coisa primeira no evento e não apenas «uma coisa para abrilhantar outra».

    Falou a seguir do seu sentimento de ser humano, universal, mas com a sua especificidade própria, de ser falante de Português, de ser moçambicano, de ser muitas outras coisas. Gostosamente, em entrevista recente, tinha falado da sua especificidade enquanto escritor da lusofonia – uma espécie de miofonia.

    Falou com encantamento da diversidade das várias culturas moçambicanas e da África múltipla, muito diferente daquilo a que a reduz o arrogante etnocentrismo europeu.

    E explicitou, em histórias deliciosas, como a Língua pode determinar percepções diferentes da vida, como o ministro [moçambicano] do Interior – que recebido numa determinada cerimónia –, foi apresentado pela palavra que, na língua macua, melhor descreveria a sua actividade: ministro das Brincadeiras.

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    E falou da sua escrita, da sua literatura, como um exercício permanente e obstinado da Poesia, a quem permanece substancialmente fiel.

    Respondendo a algumas das perguntas revelou a sua posição «não crispada» quanto à questão do Acordo Ortográfico, recordando José Carlos Drummond de Andrade, explicando que escrever bem é uma coisa muito diferente da correcção ortográfica.

    Preocupado sim, que as crianças não sejam espevitadas para serem produtoras da Língua – «errar bonito é o princípio da Poesia», provocou Mia Couto. E explicitou com um maravilhoso exemplo de uma frase amável do seu próprio filho: «Pai, és um sereio!».

    Mia é assim. «Se fosse só escritor (e não biólogo ou professor), se calhar escrevia até menos, veria a escrita como uma coisa demasiado séria».

    Por: LC

     

     

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