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    Arquivo: Edição de 30-05-2008

    SECÇÃO: Opinião


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    Falácias, avisos e sugestões

    Há no funcionamento das sociedades expressões e comportamentos que, embora correspondam a realidades socialmente censuráveis, acabam por entrar no vocabulário quotidiano como representando o seu contrário. Na actualidade é de “bom-tom” os políticos afirmarem vezes sem fim, que determinados serviços públicos devem ser facturados de harmonia com o seu real valor de custo e pagos pelos utilizadores (utilizador//pagador). Iniciou-se a prática pelas auto-estradas, portajando a maioria dos seus troços, passou-se para o cálculo de taxas cobradas pelos serviços públicos, com ênfase nas câmaras municipais e, na agenda política, está o propósito de sujeitarem os utentes das unidades de saúde a pagarem a totalidade dos serviços disponibilizados, com o argumento de que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) não deve ser gratuito para todos. É aqui que a falácia política melhor evidencia a sua exuberância.

    A Dra. Manuela Ferreira Leite, a quem é atribuída a declaração, não pode ignorar que o SNS não é gratuito para a maioria dos portugueses: todos quantos os que suportam a carga fiscal, que para alguns corresponde à exigida a outros cidadãos europeus, com a importante diferença que a estes é assegurada educação gratuita (praticamente do berço até à entrada nos estabelecimentos de ensino superior), formação gratuita (durante os anos de curso para obtenção de título académico), apoio na velhice através de pensões que lhes permite uma jubilação profissional de elevada qualidade, e um serviço de saúde universalmente assegurado, apenas tendo como contrapartida uma taxa de igual expressão para todos os utentes, independentemente da capacidade financeira de cada um.

    SERVIÇOS

    DE SAÚDE

    INTITULADOS

    GRATUITOS

    Assim sendo, o que levará os políticos a procurarem enganar os cidadãos “embriagando-os” com a inverdade de que os serviços de saúde são gratuitos? Seriam gratuitos se não existem impostos, cuja contrapartida da cobrança é o Estado assegurar a prestação de serviços fundamentais a todos os cidadãos e não apenas a alguns. Na circunstância, se os políticos (de meia tigela ou de terrina prateada) fossem capazes de falar verdade, o que deveriam dizer é que se preparam para cobrar em duplicado a prestação dos serviços de saúde, deixando de fora apenas os indigentes, pouco se importando que estejam a empurrar os portugueses para os tempos, bem anteriores a 1974, em que os cidadãos tinham de vender o humilde casebre onde viviam para que, não constando que possuíssem alguma coisa de seu de que pagavam “décima”, fossem considerados pobres com direito a obter da Junta de Freguesia atestado de pobreza, para assim poderem ser internados e operados nos hospitais públicos. Se fosse possível aos protagonistas da “generosa Revolução dos Cravos” rebobinarem o filme, certamente que não se atreveriam a repetir a proeza e, se o fizessem, ou eram tolos ou teriam tomado as devidas cautelas para evitar o “capitalismo do desastre” de que fala o Dr. Mário Soares em artigo recente.

    Artigo em que novamente chama a atenção para os perigos de convulsões sociais se não for travada “a pobreza crescente na sociedade portuguesa”, avisando do sentimento de revolta quanto às escandalosas desigualdades sociais que igualmente crescem, fazendo de Portugal…o país da União Europeia socialmente mais desigual e injusto, ombreando, à sua escala, naturalmente, com a América de Bush”. Este proeminente socialista que pautou a sua actividade com preocupações de índole social, aproveita para sugerir ao PS e aos seus responsáveis, que têm de fazer uma reflexão profunda sobre as questões que hoje nos afligem mais: a pobreza, as desigualdades sociais, o descontentamento das classes médias, as questões com elas relacionadas como: a saúde, a educação, o desemprego, a previdência social e o trabalho. Acreditamos serem verdadeiras as preocupações do “Pai” do PS, mas duvidamos que seja escutado pelos “camaradas” que actualmente exercem o poder. Do que se conhece serem as propostas de alteração ao Código do Trabalho, da cedência aos empregadores sempre que estão em causa direitos dos trabalhadores, parece avisado esperar que das propostas finalmente aceites pelo Governo nada de bom venha a ser legislado que vá ao encontro das preocupações do ex-Presidente da República. Bastará, para tal, atentar no que se passou com as medidas para a sustentabilidade da Segurança Social: os trabalhadores perderam no montante das pensões e viram alargados os períodos de contribuição, enquanto o contributo dos empregadores se ficou pelo elucidativo “ZERO”.

    NEGÓCIOS

    RENTÁVEIS

    A ENTREGAR

    AOS PRIVADOS

    Mas se a prática do PS é preocupante para as classes médias e para as que fazem autênticos milagres para mensalmente equilibrarem os orçamentos domésticos com os baixos salários que lhes são pagos, a eventual alternativa que resulte em ser primeiro-ministro um dos candidatos a presidente do PSD não deve tranquilizar ninguém: uns porque defendem acabar com o SNS para todos, outros porque subscrevem uma protecção mínima da Segurança Social, havendo ainda quem prometa entregar aos privados tudo quanto seja rentável, nomeadamente a Caixa Geral de Depósitos. Curiosamente, nenhum deles acena com propostas que atenuem o custo de funcionamento dos serviços administrativos do Estado, que bem poderia passar por diminuir o número de deputados, de reduzir ministérios, secretarias de Estado, assessores e consultores externos, de reforço dos meios para uma Justiça mais célere, de recursos para uma melhor e mais rápida investigação e segurança de pessoas e bens. Mas, quanto a despesas do universo que acolhe os políticos e as clientelas partidárias, nenhuma reforma é protagonizada que conduza a orçamentos menores.

    Compreendendo o aviso do autor de “Portugal Amordaçado” aos actuais dirigentes do partido que fundara, somos, porém, mais pragmáticos. Desiludidos com as promessas não cumpridas dos partidos que nos têm governado, a nossa sugestão vai no sentido dos portugueses, nas próximas eleições legislativas, orientarem o seu voto na direcção do vencedor precisar, para formar maioria, de partido que possa dar alguma garantia de que as políticas do próximo Governo orientar-se-ão: na defesa dos direitos sociais dos portugueses; numa distribuição da riqueza mais equitativa entre o capital e o trabalho; na elaboração de um código do trabalho que claramente defina os deveres, mas também os direitos dos trabalhadores, acabando, ou reduzindo drasticamente, a precariedade laboral; início de um calendário em que dentro de poucos anos (cinco ou seis) os salários dos portugueses igualem a média dos europeus, e nunca inferiores aos dos espanhóis; e eliminação do espectro dos doentes se confrontarem com a impossibilidade de serem tratados por não terem recursos financeiros para pagarem as contas hospitalares (públicos ou privados).

    Se a tradição prevalecer nos próximos actos eleitorais, deixando que a razão ceda ao discurso político, será então ocasião para que os que se preocupam com as dificuldades sociais dos portugueses se calarem e, aqueles que hoje experimentam sérias dificuldades económicas, deixarem de ter razões para se queixarem da qualidade de vida a que os sujeitam. Terão o que “compraram” com o voto que usaram.

    Por: A. Alvaro de Sousa

     

     

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