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    Arquivo: Edição de 31-03-2008

    SECÇÃO: Arte Nona


    O quotidiano é assim...

    Ainda uma vez mais a propósito da iniciativa conjunta das Edições Asa e do jornal “Público”, chamamos a atenção dos leitores para “A Vida É Um Delírio”, uma colecção de pequenas histórias sobre o quotidiano, em geral críticas e mordazes, da autoria do galego Miguelanxo Prado.

    Prado, autor consagradíssimo, mostra aqui bem, embora apenas se exiba uma das facetas da sua obra, a razão pela qual é tão apreciado e porque conquistou – e muito justemente – os louros da fama internacional.

    Quadrinista exímio quer enquanto artista plástico quer enquanto argumentista, não é fácil escolher entre um lado e outro do seu multifacetado talento.

    Enquanto desenhador, preferimos nitidamente quando ele se afasta decididamente da linha clara e as texturas de cor, sombreados, tons, se valorizam em harmonias saturadas.

    Em termos do texto, é brilhante e vivo de cima a baixo. Vejam-se os abundantes exemplos neste álbum “A Vida É um Delíriio”, quer Miquelanxo aborde a sociedade de consumo e a publicidade – dois dos seus alvos predilectos –, a burocracia, a autoridade ou a justiça.

    Numa palavra: implacável!

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    Nascido na Corunha, Miquelanxo Prado é hoje uma referência mundial da Banda Desenhada, tendo aberto caminho sobretudo com as suas histórias curtas, como aquelas que hoje abordámos, e mais tarde reunidas em álbum (como em “Quotidiania Delirante” e “Crónicas Incongruentes”. Aborda também a comédia policial em “Manuel Montano – O Manancial da Noite” (com Fernando Luna), o drama psicológico – “Traço de Giz” e o erotismo – “Carta de Lisboa”.

    Mais recentemente (em 2006) realiza a sua primeira longa-metragem de Animação, “De Profundis”. Continuará, contudo, sempre ligado à Banda Desenhada, nomeadamente, enquanto director, desde 1998, do Salão de BD Viñetas del Atlantico, na Corunha.

    Neste álbum editado pelo “Público” e as Edições Asa, reúnem-se 26 pequenas histórias que, de uma forma ou doutra, são um exercício crítico da contemporaneidade sujeita a valores de sucesso na verdade irrecomendáveis.

    A primeira história, “Um Dino na tua Vida” aborda a moda jurassiqueparquiana. “Carta ao Pai Natal” e “Presentes de Natal” abordam no fundamental, a mesma temática, a do marketing na sociedade de consumo, com o seu cortejo de falsos valores e êxitos assentes na propriedade de objecto a que há que aceder a qualquer preço.

    Diferente é “Nem Tudo o que Parece é”, uma curiosa história sobre o relacionamento dos sexos e os papéis que lhe são atribuídos.

    “Administração Pública”, “Reforma” e “Tudo por Três Peixinhos” são uma feroz crítica da imbecilidade manifestada em vários serviços do Estado, com a sua burocracia paralisante, a sua arbitrariedade cega e esmagadora e o seu autoritarismo desproporcionado. A este propósito, a última das histórias referidas parece profética, como se Prado tivesse acabado de assistir a uma das últimas punições desenfreadas da omnipresente e portuguesa ASAE.

    A Justiça, a Economia, o Sexo, os Costumes – e todo o seu acompanhamento burlesco e fraudulento – tudo Miquelanxo Prado trata com a mesma desapiedada atenção e humor, implacavelmente arguto a perceber o ridículo, o excesso, a brutalidade ou a barbárie.

    Muito curiosamente há um alvo que se encontra omnipresente neste “A Vida é um Delírio” – os média. É este Poder, tantas vezes, manipulador e formatador de modas, opiniões e decisões, que Prado toma, no fundo, como o seu alvo preferencial – a peça que tem por tema directo a Justiça – “Tribunais” – é um belo exemplo disso.

    Sendo constituído por uma colecção de obras de humor, obviamente que o registo gráfico, em termos de fixação de personagens, assenta mais na caricatura, no excesso, na paródia, do que num mais contido, realista e anatomicamente correcto.

    Em termos do grafismo, ainda, e reunidas aqui peças com várias soluções estilísticas, a linha clara será uma parte claramente menor no conjunto. Fora essas peças sobressaem as tonalidades quentes, os castanhos, bordeaux e azeitonas.

    Não há grandes planos panorâmicos, close ups, picados ou contrapicados, como se o autor escolhesse invariavelmente uma distância neutra, como que a dizer que está ali apenas a observar, a tirar umas notas, simplesmente como se não estivesse lá.

    Obviamente tudo, mas tudo o contrário disso.

    Por: LC

     

     

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