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    Arquivo: Edição de 30-12-2007

    SECÇÃO: Cultura


    Festas dos Rapazes

    Fotos RENATO ROQUE
    Fotos RENATO ROQUE
    Regressei a Rebordelo, concelho de Vinhais, nos dias a seguir ao Natal, para ali assistir e fotografar pela primeira vez as Festas em honra de Santo Estêvão, também conhecidas por Festas dos Rapazes.

    É curioso assistir em Trás-os-Montes, por um lado a um processo acelerado de globalização cultural, com a aquisição, às vezes de uma forma muito artificial, de valores urbanos, que substituem os ancestrais valores rurais, processo de substituição que é acelerado pela desertificação das aldeias e pela extinção rápida das práticas agrícolas e pastorícias, e assistir por outro lado a um ressurgimento com bastante vitalidade de tradições como as Festas dos Rapazes – que tinham deixado de se fazer em muitas aldeias e que hoje juntam gente que deixou a terra natal, vinda de todo o lado – como se as gentes deTrás-os-Montes tivessem necessidade de procurar as suas raízes, ainda que muitas vezes no presente essas festas sejam bastante adulteradas e “adaptadas” aos novos tempos. A falta de rigor desta adaptação pode ser maior ou menor. Existe hoje, por exemplo, em muitas aldeias uma enorme liberalização no tipo de fatos e de máscaras, que muitas vezes já nada têm a ver com os objectos tradicionais – é o caso de Rebordelo, onde já não existem máscaras nem fatos originais e muitos dos que hoje se usam nada têm a ver com os que se utilizavam – e há mesmo aldeias onde as festas dos rapazes permitem já a participação das raparigas, por falta de rapazes solteiros em número suficiente.

    Curiosamente as festas têm diferenças significativas de aldeia para aldeia, mesmo entre aldeias muito próximas, o que poderá espelhar o enorme isolamento que durante séculos existiu. Mas em todas as festas existem alguns elementos comuns: são sempre festas de iniciação masculina. Quando há máscaras, só se mascaram os rapazes e homens solteiros. Muitas vezes comportam exercícios de iniciação militar, alvoradas, acompanhadas de gaitas de foles, caixas e tambores, paradas e vigias, exercícios de resistência física, como corridas e lutas. Existem muitas vezes refeições comunitárias, onde a matança do porco ou do boi desempenham papel central. As rondas à aldeia, casa por casa, para desejar boas festas e onde muitas vezes é obrigatório beber um copo e receber chouriços e salpicões para a festa, sempre ao som dos gaiteiros. Também os mordomos das festas são sempre homens. São responsáveis por organizar cada ano a festa e são escolhidos e investidos com pompa e circunstância – ver coroa e ceptro dos mordomos de Rebordelo. Muitas vezes as festas comportam a sátira e a crítica social; é o caso das chamadas “loas”, declamação pública de versos sobre os acontecimentos na aldeia durante o ano que finda. São festas anteriores à cristianização da península e foram durante séculos combatidas e mesmo proibidas pela igreja, antes desta perceber que seria mais inteligente integrá-las nas festas do Natal.

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    E eu que não gosto de sítios com muita gente, de confusões, de grandes festas, de centros comerciais ou de discotecas, e que os evito sempre que posso, gosto destas festas. Não sei explicar porquê. Por isso, tenho fotografado algumas.

    Em Rebordelo encontrei nestas festas, para além das tradicionais rondas, da missa seguida de procissão com o andor de Santo Estevão, acompanhada sempre por gaiteiros e tambores, dos caretos a fazer todo o tipo de tropelias, a assustar os raparigos, da cerimónia de investidura dos novos mordomos, um elemento bastante estranho e que não tinha visto em mais lado nenhum. Nos dias 25 e 26 à noite fazem no centro da aldeia os encamisados, em tudo idêntico a uma espécie de carnaval de rua, onde todos se mascaram, dançam e brincam. Hoje a festa é animada por um DJ de música pimba. No passado, a festa era iluminada por fachos de palha a arder nos carros de bois e era animada pelas gaitas de foles e pelo rufar dos tambores. Penso que poderá corresponder a um fenómeno de contaminação entre festas distintas, fenómeno que se encontra em muitas festas populares.

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    Não sei dizer qual o futuro destas festas, quando não consigo prever qual o futuro deste Trás-os-Montes, onde as aldeias desertificam rapidamente e onde mesmo os centros maiores – tipicamente sedes de concelho – parecem não ter grande viabilidade num futuro a médio prazo. A agricultura de subsistência tem os dias contados e as actividades agrícolas e industriais associadas, que parecem ter algumas hipóteses de ser viáveis no futuro, são muito poucas. Restam os serviços! Este já é, um pouco, o retrato do presente, em muitos dos concelhos, onde temos no fundo os elementos da população a prestar serviços uns aos outros, sem existir qualquer actividade produtiva de suporte. A política do Governo, quando fecha maternidades e outros serviços no interior, não é mais do que reconhecer, sem o reconhecer, esta situação e o retrato da impotência de quem não tem estratégia para o futuro.

    Qual o futuro portanto?

    Por: Renato Roque*

    *http://www.renatoroque.com/umaespeciedeblog/

     

     

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