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    Arquivo: Edição de 30-12-2007

    SECÇÃO: Arte Nona


    ... E ela é Rei...

    Novela gráfica surpreendente e fascinante, “Rei”, de António Jorge Gonçalves (grafismo) e Rui Zink (cenário), foi publicada sob chancela da Asa, com data de Outubro deste ano. Sucede a “A Arte Suprema”, que a mesma dupla já tinha publicado em 1997.

    O formato adoptado, não tivesse o livro como principal local de cena as paragens japonesas, é o de manga, embora António Jorge Gonçalves divirja aqui numa questão fundamental. Enquanto o género prima pela sua fluidez vertiginosa e simplificada, “Rei”, pelo contrário, é ponto de várias experimentações, técnicas, manipulações gráficas e formatos de imagem, tornando o livro muito rico na sua diversidade, embora à custa da perda de algum ritmo. Mas o efeito é plenamente justificado pelo argumento de Rui Zink.

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    À procura de si próprio, Nuno parte para o Japão, a terra do seu professor de karaté, onde desaparece num torvelinho de emoções, depois de encontrar Yukuo e Rei. Rei – nada a ver com o sinónimo português de monarca – é o nome (japonês) de uma personagem andrógina que, vem a saber-se no fim do livro, foi objecto de uma terapêutica muito agressiva para responder às suas disfuncionalidades psicológicas.

    Por sua vez, a inadaptação de Nuno parece ter muito a ver com a “ausência” da mãe, uma mulher de sucesso na área política, que se prepara para ganhar (mais uma vez?) as eleições enquanto passa ao lado da vida do filho.

    O enredo do livro acaba por repartir-se como se fossem duas histórias, uma a de Nuno, que procura encontrar-se consigo no Japão do seu professor, a outra a da busca da mãe para o encontrar, um ano após ele se ter sumido nesse Japão distante. As duas histórias são contadas graficamente de maneiras diversas, escolhendo, e muito bem, António Jorge Gonçalves um registo realista para a história de Teresa, a mãe de Nuno, e um grafismo muito mais solto e experimental para a história de Nuno, Rei e Yukio.

    António Jorge Gonçalves vai experimentando isto e aquilo – deve-lhe ter dado muito gozo fazer “Rei”, e isso é fundamental! –, sucedendo-se as milhentas técnicas com que desenvolveu a parte gráfica desta obra, de 328 páginas e colorida a três cores – em preto, branco e rosa.

    A paisagem urbana do Japão moderno, as múltiplas referências gráficas que povoam a obra (Pintura e BD), embora também as haja doutro carácter (“Hiroshima Meu Amor”, de Marguerite Duras, passado ao Cinema por Resnais) as sequências das vinhetas quer na página inteira, quer nas tiras, uma mestria na disposição das formas, na gestão dos espaços, no uso da cor e no preenchimento das superfícies, ainda que seja com o nada aqui e ali, faz desta uma obra-prima enquanto belo objecto gráfico, servido por um argumento à sua altura ou, se quisermos, vice-versa.

    Uso de superfícies tramadas a vários tons de negro, efeitos de papel molhado, traço puro e fino ou mancha a uma só cor, disposição caótica ao estilo punk, carimbos, composições do tipo xilogravura, tudo isto se sucede numa vertigem.

    Também os enquadramentos parecem dançar ao ritmo desconchavado do cérebro destas personagens atormentadas (Rei ou Nuno) ou, ao contrário, das mais sabidas e controladas (como Teresa).

    Alternam-se os picados, os planos de conjunto, os close ups.

    Nunca nos cansamos, embora isto tenha o seu custo na leitura rectilínea da história, que tem que ser abandonada por outra, mais construída e conquistada pelo leitor.

    “Nem sempre o desespero conduz a maus encontros” – pode ler-se na contracapa da edição. Este encontro com “Rei” não é certamente mau.

    Os diálogos de Zink são igualmente muito bem metidos, tais como aqueles que quase se sobrepõem entre o que dizem e o que pensam as personagens em diálogo (para o que se experimentou grafá-los a cor diferente.

    Como exemplo desta tensão, veja-se o diálogo entre Teresa e Nuno, quase no princípio do livro:

    « (...) – Veja lá, não me meta em sarilhos!

    – Deve querer dizer não se meta em sarilhos filho querido.

    – Foi o que eu disse. Não foi o que eu disse? O menino sabe muito bem o que eu quero dizer.

    Sim, mãe. Sei (...)».

    Por: LC

     

     

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