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    Arquivo: Edição de 15-04-2007

    SECÇÃO: Editorial


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    Os meus sítios são de Abril

    Gosto de casas, detesto luxos, adoro conforto, sou especialmente sensível à luz e à paisagem.

    Gosto do silêncio e, para mim, a casa é sempre um refúgio, com os meus “sítios”, os meus cantinhos, onde o meu “eu” está diluído no espaço e nos objectos que me rodeiam, onde os meus amigos me identificam, onde estão os meus livros, desenhos, pinturas, objectos de arte dos amigos e de autores que admiro, os meus papéis, as minhas flores, as minhas compotas, os meus frutos, os meus licores, onde se lê a forma como vivo, onde se encontra o meu “eu” mais profundo.

    Aqui na cidade eu tenho os amigos, as árvores, as flores, os pássaros, os animais, e o meu silêncio…

    No meio de papéis o meu computador, verdadeiro confidente do meu trabalho, das minhas angústias, da alegria e da profunda tristeza que por vezes me invade.

    Na parede um velho cravo vermelho, de papel…

    No meu escritório, eu e os meus livros técnicos e papéis e mais papéis e Abril mesmo em frente da minha secretária, um velho cartaz de Vieira da Silva…

    Gosto de ser professora e a sala de aula é outro sítio de Abril…

    Aí é o meu lugar de eleição, é o local das dádivas de Abril, das trocas e da fraternidade. Os alunos são a minha Primavera…

    Na Serra, a minha casa é junto a um rio, com uma vegetação a mudar todos os dias, onde se ouve a água a correr de pedra em pedra e o vento a soprar no vale.

    Aí os pássaros fazem voos rasantes junto às árvores de fruto, e as garças mergulham nas águas à procura de alguma truta. O cheiro a raposa é por vezes intenso e a terra é mexida pelos javalis na busca de alimento.

    Ao longe os rebanhos marcam a sua passagem pelo toque das campainhas, chocalhos e o ladrar dos cães.

    Quer chova, quer faça sol, com neve, com gelo, com nuvens, com fumos que dançam no ar ao sabor das correntes e dos ventos, é sempre um encanto.

    Hoje é Abril e cheira a alecrim…

    Por todo o lado flores, os cravos vermelhos, as árvores de fruta, o alecrim, as peónias, as páscoas, as glicínias, o rosmaninho, as margaridas, os amores-perfeitos, os espinheiros, os lírios, os jarros, os morangueiros, o pão-e-queijo, o azevinho, e mais uma infinidade de flores do campo, pequenas, delicadas, atapetam os relvados dos lameiros.

    É Primavera, e foi na Primavera de 74 que conquistámos a liberdade…

    As árvores estão ainda a rebentar, cobertas de pequenas folhas, de um verde muito suave e transparente, fazendo um grande contraste com as árvores de folhas persistentes como as carumas dos pinheiros, os cedros, os azinheiros.

    Os buracos dos castanheiros centenários estão cheios de uma infinidade de plantas aconchegadas por musgos verdes de diferentes tonalidades.

    Também aqui o computador me acompanha, colocado junto a uma janela e ao meu lado um calendário em tecido de 1974 onde assinalei o 25 de Abril com um marcador vermelho …

    Os meus sítios, a minha vida é profundamente marcada pelo 25 de Abril, pertenço a essa geração que viveu com uma grande intensidade esses momentos, que acreditam profundamente na liberdade e que não esqueceram o que era este país antes de 74.

    Continuo a acreditar que é possível um mundo melhor e que temos obrigação de continuar a lutar por “sítios de Abril”.

    Por: Fernanda Lage

     

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