Subscrever RSS Subscrever RSS
Edição de 31-03-2024
  • Edição Actual
  • Jornal Online

    Arquivo: Edição de 20-12-2006

    SECÇÃO: Cultura


    As Lutas Liberais no Concelho de Valongo (III)

    Damos continuidade à publicação da “Comunicação” sobre as lutas liberais que ocorreram no concelho de Valongo, durante a Guerra Civil (1832-1834), que opôs liberais e absolutistas. Estas terras nos arredores do Porto, onde estavam sitiados os liberais, foram as que mais sofreram os primeiros efeitos do conflito. Hoje, referimo-nos às vítimas humanas destes combates e ao Convento dos Religiosos Eremitas Descalços de Santo Agostinho, na Formiga, que serviu de Hospital das forças de D. Miguel, que o visitou mais de uma vez. Ainda hoje, ao lado esquerdo da escadaria da Igreja de Santa Rita, existe um túmulo que guarda os restos mortais de alguns dos soldados que morreram nos confrontos do “Cerco do Porto”.

    Fotos ARQUIVO MAD
    Fotos ARQUIVO MAD
    3.3. AS VÍTIMAS

    HUMANAS

    DESTAS LUTAS

    Foram muitas as vítimas humanas dos primeiros dias desta guerra a sério!

    Mas os dados oficiais mudam, conforme a origem das fontes.

    A Chronica Constitucional do Porto (de 28 de Julho de 1832, p. 50), afecta aos liberais, acerca deste assunto refere:

    «A nossa perda entre mortos, feridos e extraviados, nas duas acções dos dias 22 e 23, pouco pode exceder de tresentos homens; a do inimigo, segundo todas as informações, excede a mil e duzentos; encontrando-se sobre a estrada de Penafiel, só feridos, cento e sessenta carros, não contando com a dispersão dos Corpos de Milícias, cujos individuos todos os dias se apresentão, pretendendo gozar, á sombra de um Governo Restaurador, do benefício que os restitue ás suas casas e ás suas famílias».

    Já a Gazeta de Lisboa (de 31 de Julho de 1832, p. 883), simpatizante dos absolutistas, apresenta números substancialmente diferentes:

    «Segundo Visconde de Santa Martha, Marechal de Campo, Comandante da 4ª Divizão. / Mortos e feridos nas acções de 22 e 23 de Julho:

    Mortos 55 – Entre estes o Tenente de Cavallaria de Chaves, António José Paranhos, e o Alferes do Regimentos de Infantaria de Cascaes, Romão José Baptista.

    Feridos 212/217 – Entre estes o Coronel de Voluntarios Realistas do Porto, José de Mello Peixoto, os capitães de cavallaria de Chaves Salvador de Carvalho Assis, e de Voluntários Realistas de Braga Manoel Alves Teixeira Torres, o Tenente de Infantaria de Vallença José Manoel Machado; o Ajudante do Batalhão de Voluntarios Realistas de Villa Real, António Xavier da Costa, e os Alferes Lopo António Saraiva, do Batalhão de Voluntarios Realistas de Braga; Bento José de Miranda, dos Voluntarios Realistas de Chaves, e Antonio Fillipe Pinto, das Milicias de Guimarães».

    Independentemente da grande diferença dos números de uma e de outra fonte, o certo é que, só nestes dois dias (22 e 23 de Julho de 1832), nas batalhas travadas no actual concelho de Valongo, largas centenas de homens perderam a vida, ou ficaram gravemente feridos, naqueles que têm sido considerados os combates mais violentos das guerras do Cerco do Porto.

    Ainda hoje existe, no lado direito da escadaria que leva à entrada principal da Igreja de Santa Rita (outrora integrada no Convento da Mão Poderosa), uma lápide que assinala o sarcófago onde repousam os restos mortais desses soldados que tiveram a desdita de cair na luta fratricida que cobriu de luto muitas famílias portuguesas.

    Durante o mês de Agosto de 1832, entre Alfena (vale do rio Leça) e a Formiga (nascente do Rio Tinto), estabeleceu-se a linha de fogo entre os exércitos inimigos, o que, na prática, representou um avanço dos absolutistas. Dois meses mais tarde, o General Conde de Santa Marta, avançou ainda mais em direcção ao Porto, instalando a 2.ª Brigada da 2.ª Divisão (constituída por cerca de 7 mil homens) em Águas Santas.

    Terá sido nessa ocasião que o actual Colégio de Ermesinde, ao tempo Convento dos Religiosos Eremitas Descalços de Santo Agostinho, serviu de Hospital das forças de D. Miguel, que aqui terá estado mais de uma vez.

    3.4. O CONVENTO DA MÃO PODEROSA SERVIU DE HOSPITAL

    ÀS FORÇAS MIGUELISTAS

    O Director do Hospital era o Dr. António Paulo Anjo Viegas de Oliveira Freire. A esse Hospital Militar, em pleno teatro de operações, começaram a chegar, de todos os lados, os meios indispensáveis ao socorro dos feridos, que resultavam de dádivas, que a Gazeta de Lisboa, ia publicitando. Lençóis, cobertores, mantas, enxergões, roupas, material de enfermagem eram os donativos que apareciam em maior número, e os ofertantes eram quase sempre, mosteiros, conventos e outras instituições religiosas.

    Não nos é fácil imaginar o desespero e sofrimento dos combatentes feridos! Mas era, por certo, cenário horrendo, aquele em que os carros de bois, vagarosos e indiferentes, transportavam os feridos, entre estridentes gritos de dor e de morte, desde a linha avançada de combate até ao Hospital, às vezes em percursos de mais de 5 quilómetros.

    Os feridos mais graves, dos recontros mais violentos, como foram os de 22 e 23 de Julho, e, sobretudo, os que aconteceram nos dias 8 e 29 de Setembro, 11 e 12 de Novembro de 1832, e 5 e 25 de Julho de 1833, mesmo que ainda manifestassem ténues sinais de vida, eram desprezados (ou atirados à vala comum), para socorrer, prioritariamente, aqueles em que se notava alguma possibilidade de sobrevivência.

    3.4.1. VISITA

    DE D. MIGUEL

    AO HOSPITAL

    DA FORMIGA NO DIA

    20 DE DEZEMBRO DE 1832

    foto
    D. Miguel visitou o Convento dos Religiosos Eremitas Descalços de Santo Agostinho, na Formiga, onde estava instalado o Hospital das suas tropas, no dia 20 de Dezembro de 1832.

    No fim desse primeiro ano em que a Guerra Civil se declarou, D. Miguel, com o objectivo de dar alento e apoio às suas tropas, deslocou-se aos vários centros de operações para que a sua presença fosse capaz de dar novo fôlego aos seus soldados e anular o efeito da propaganda liberal.

    Um dos locais que visitou foi o Hospital Militar da Formiga. A Gazeta de Lisboa, n.º 304, trouxe a notícia, donde transcrevemos alguns excertos.

    No dia 16 de Dezembro, D. Miguel esteve em Valongo; no dia seguinte, passou revista “as tropas, que estávão ao Norte do Douro, e dellas recebeo novos testemunhos de lealdade de amor”; a 19, foi visitar “a Fabrica de Ferro a Crestuma” e na manhã do dia 20, passou revista “a tres Corpos da Columna movel, que ainda não tinha recebido esta honra”, para, no mesmo dia e imediatamente a seguir, passar a última revista, desta vez “ao Hospital de Sangue da Formiga” (Gazeta de Lisboa, n.º 304, p. 1477): «... Depois da última revista Dirigio-se ElRei Nosso Senhor ao Hospital de Sangue da Formiga, percorrendo todas as suas enfermarias, demorando-se particularmente naquella em que estão os bravos militares, que forão feridos no campo da honra na justa defeza do Rei e da Patria. He impossivel explicar as demonstrações de benignidade, e de affecto, que ElRei Nosso Senhor Prodigalizou áquelles seus leaes Vassalos, como tambem se não póde pintar a emoção, que nelles, e em todos os circunstantes causou aquella scena verdadeiramente interessante, e pathetica. Depois de haver Sua Magestade assim penhorado dos mais vivos sentimentos de gratidão, e contentamento aquelles fieis guerreiros Seus defensores, Passou à Enfermaria onde se curão os prizioneiros rebeldes, que se achão feridos, e Patenteando toda a Grandeza de Seu animo verdadeiramente Real, e da Sua Piedade e Clemencia verdadeiramente Christã, Tratou com a mesma bondade e carinho aquelles seus inimigos, que tinhão vindo armados a este Reino com o sacrilego fim de atacar os direitos da sua incontrastavel Legitimidade. He escusado referir a sensação, que em todos produzio espectaculo tão tocante. Concluido este acto, tomou ELRei Nosso Senhor em direitura o caminho de Braga».

    Mas, nas imediações da cidade do Porto, a Guerra continuava. Durante longos meses, os liberais e os portuenses vivem uma situação verdadeiramente desesperada, onde ocorrem epidemias, fome, indisciplina, revolta, deserções e até atrasos no pagamento dos soldados. A reviravolta tarda em surgir, mas, quando surge, no final da Primavera e início do Verão de 1833, corre a favor dos liberais, que podem, finalmente, sonhar com a vitória.

    Pode parecer-nos estranho, mesmo a esta distância de quase dois séculos, como é que as forças liberais, em manifesta minoria, e restringidas ao espaço físico de uma cidade apenas (ainda que se trate da 2.ª mais importante do País), conseguiram triunfar? Parece-nos que a chave da vitória esteve no querer dos ideais liberais, e, sobretudo, na determinação de alguns dos seus mais destacados protagonistas.

    Neste particular, subscrevemos por inteiro, Eugénio dos Santos quando, a este propósito, escreve: Os liberais triunfaram «por serem conduzidos por grandes chefes. Foram estes que minguaram aos miguelistas. Soldados nunca lhes faltaram, em número. Do que nunca dispuseram foi de cabos-de-guerra determinados, de um comando eficaz e catalisador, de solidariedade de chefias» (Eugénio dos Santos, D. Pedro IV, p. 230).

    (continua no próximo n.º)

    Por: Manuel Augusto Dias

     

     

    este espaço pode ser seu Este espaço pode ser seu Este espaço pode ser seu
    © 2005 A Voz de Ermesinde - Produzido por ardina.com, um produto da Dom Digital.
    Comentários sobre o site: [email protected].