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Edição de 29-02-2024
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    Arquivo: Edição de 15-02-2006

    SECÇÃO: Crónicas


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    A idade da pedra novamente

    Já escrevi sobre poluição das águas, sobre os incêndios nas matas, abandono dos campos e entupimento das cidades, total dependência dos seus habitantes ao dinheiro e até, armado em profeta, já preguei aos peixinhos (“Irracionalidades”). Agora, numa altura de depressão profunda perante o processo de regressão civilizacional em que nos encontramos, vou escrever sobre o nosso regresso preocupante à Idade da Pedra, por onde já vagueámos há centenas de milhar de anos, talvez inspirado na desolação que provocam os fogos estivais que nos levam a vegetação, transformando este jardim à beira mar plantado, numa paisagem lunar ou de outro planeta longínquo por onde passou o fogo dum enorme cometa em chamas, deixando apenas um autêntico deserto de pedras e cinza.

    COMPETITIVIDADE

    SADIA

    OU MERA

    DISFUNÇÃO

    IMAGINATIVA

    OU IMOBILIDADE

    MENTAL?

    De facto, pelos exemplos de expressão artística ou estética com que deparo por esses concelhos do Portugal profundo, chego à conclusão de que mais uma regressão evolutiva (desculpem o paradoxo) é uma realidade que nos está a levar à pré-história, mais propriamente à Idade da Pedra, pois é tal a profusão de monumentos neolíticos que os nosso neoescultores espalham por tudo quanto é rotunda, placa ou jardim, numa competitividade agressiva em que os nossos edis se empenham para ver qual é o que denota mais deficiência ou disfunção imaginativa ou até uma maior imobilidade mental já petrificada.

    Parece que entramos numa nova Idade da Pedra ou do Calhau Polido, em Bruto ou em Lasca e já ninguém ousa contrariar o destino fatal que nos está reservado. E isto, não só no campo artístico, escultural mas também pela boçalidade, agressividade e estultícia obsessiva que se manifesta por todo o lado onde reinam multidões ululantes de trogloditas “descerebrados” que apenas obedecem aos instintos mais mórbidos que dimanam dos pontos mais recônditos da carapaça que transportam ao longo duma vivência corpórea. .

    Cada vez há mais pedra por todo o nosso curto horizonte até parece que vai substituir o cimento com que betonaram as nossas cidades, vilas e aldeias. Não é que o calhau não seja belo no seu cinzentismo granítico, na sua negritude basáltica, na sua brancura calcária ou no seu multicolorismo marmóreo mas, sem forma, amontoado, de bico para baixo ou de bico para o ar a ameaçar algum pára-quedista mergulhante em queda livre, só pode significar ou demonstrar uma conturbação de espírito ou mental grave ou uma expressão estética duma Humanidade que está novamente de regresso à brutalidade animalesca dos tempos hominídeos, do tempo da pedra lascada, quando a espinal medula substituía o cérebro.

    E esta de chegar ao cúmulo de representar as freguesias dum concelho por outros tantos gigantescos pedregulhos amontoadas de forma ameaçadora, é exemplo que me amedronta. Confesso que, ao circular na rotunda de Senradelas, em Penafiel, faço-o angustiado, com medo que uma daquelas pesadas “freguesias” do concelho, me caia em cima e me esmague a carcaça já que a alma passa esmagada e oprimida pela visão daquela titânica e ameaçadora obra de arte que nos dá a visão dum pétreo concelho com suas freguesias petrificadas, qual magia druídica dos fantásticos contos da gesta céltica ou bretã.

    Eu, sujeito normal, não sei o que se passa no granítico imaginário dos autores e promotores de tais monumentos espalhados por todo o país mas que estamos perante um caso sério de regressão fatídica e irreversível à Idade da Pedra Polida ou Lascada que a Humanidade parece estar a encetar e que já está a transformar o nosso antigo jardim florido, à beira-mar plantado, numa paisagem lunar dantesca, dum deserto deprimente, sombrio e cinzento de pedras e terra despida e queimada, não tenho qualquer dúvida.

    Ilustração RUI LAIGINHA
    Ilustração RUI LAIGINHA

    ITINERÁRIOS

    PRINCIPAIS

    OU FÁBRICAS

    DE ACIDENTES

    MORTAIS?

    E para angustiar ainda mais, temos os acidentes nas estradas que, por sinal, se manifestam mais nas melhores vias, naquelas que dão para voar, largas, com bom piso e com curvas bem traçadas que se podem fazer em grande velocidade o que não é difícil nos carros actuais cada vez mais potentes, velozes e de tal forma confortáveis que nem se sente a velocidade. Aquele que quiser cumprir com o limite de velocidade, tem de estar sempre a travar, acabando por usar mais o travão do que o acelerador.

    E depois esta estúpida e criminosa mania dos portugueses ou dos seus governantes construírem autênticas auto-estradas de via única, sem divisória, a que chamam Itinerários Principais (IP) e a que eu chamaria antes Itinerários Mortais (IM), um autêntico convite ao acidente, principalmente para os menos experientes! Qualquer bicho-careta com um mínimo de massa cinzenta na coca, veria que uma via de alta velocidade como qualquer auto-estrada mas sem divisória a meio, com grande tráfego de camiões a circular, muitas vezes, com os condutores cansados de longas viagens sem descanso, para conservarem o emprego, é uma autêntica fábrica de acidentes mortais, porque acontecem geralmente a alta velocidade. E o Governo conhece bem o problema, porque, quando se inaugurou a primeira estrada deste tipo, suponho que a IP5 ou IM5, lembro-me dos avisos que foram feitos a respeito da sua perigosidade. E isto só acontece cá na Entranha ou seja no nosso país, pois a Espanha praticamente já as eliminou, transformando-as em autovias com divisória, como as nossas IC1 e IC24.

    Viajo frequentemente por alguns países da Europa Ocidental e verifico que por lá só existem dois tipos de estrada: ou auto-estrada ou estrada normal, estreita e com curvas apertadas. Nestas últimas é impossível a alta velocidade, porque, sendo estreita e com curvas, a velocidade obviamente que se nota mais, convidando à prudência. Registam-se menos acidentes nas estradas secundárias e estreitas do que nas estradas largas e bem traçadas como as IP, só porque obrigam a menos velocidade e a mais cuidado.

    O Estado, grande responsável por esta situação, elabora novos códigos, com coimas mais pesadas que lhe vão aumentando as rendas. Mas porque não actuar também pela positiva, premiando aqueles que conduzem há longos anos sem provocarem qualquer dano corporal a ninguém? Por exemplo, durante um período de 25 anos sem acidentes que envolvessem mortes ou ferimentos graves (porque os outros pequenos acidentes de cidade, tipo chapa amolgada, são quase inevitáveis para quem conduz diariamente), a carta seria substituída por outra especial, talvez prateada, que lhe daria uma certa deferência por parte das autoridades, como um condutor exemplar. E, aos cinquenta anos, nas mesmas condições, receberia outro tipo de carta, talvez dourada, que o distinguiria ainda mais, como uma provecta figura de condutor veterano, um exemplo a seguir pelos condutores mais jovens. De certeza que esta medida seria um aliciante eficaz para a prática duma boa condução Só que este procedimento não dá receitas, antes pelo contrário, ainda traz mais despesa e o que é preciso é tirar proveito da situação a que os acidentes levam, para aumentar o rendimento.

    NÃO HÁ ANIMAL

    QUE NASÇA

    COM RODAS

    Mas toda esta discorrência, mais ou menos prosaica, serve apenas para tentar resolver o irremediável, o que não poderá ser evitado, porque já o Pontífice Máximo romano, Júlio César, umas décadas antes de Cristo nascer, dizia que no ocidente peninsular da Ibéria, existia um povo que não governa nem se deixa governar. Isto é concludente.

    Resta-nos irmos mesmo ao âmago da questão, à causa das causas dos acidentes rodoviários, àquela que, pela sua evidência e naturalidade, nunca é referida. A primeira causa a nuclear, a óbvia é que o Homem, tal como os outros animais que vivem sobre o solo da Terra, não foi feito para andar sobre rodas mas sim sobre os pés e com as pernas. Deslocam-se com pernas ou então rastejam simplesmente. Não há animal que nasça com rodas, porque as pernas é que se adaptam perfeitamente à movimentação no solo do nosso planeta, adaptando-se às suas irregularidades e permitindo apenas uma velocidade controlável pelos nossos próprios meios. Nem sequer fomos concebidos para controlar outros artefactos, outras potentes energias que não seja apenas a dimanada do nosso próprio organismo.

    Esta é, de facto, a primeira causa de todas, a inegável e as outras causas que para aí se apontam (cada cabeça a sua sentença), são atribuídas no pressuposto de que o bicho-homem foi feito para andar de pópó o que está provado, pelo que se vê, que não é verdade. Isto também iliba o Criador da responsabilidade de tantos acidentes que se verificam diariamente e que causam milhares de vítimas, pois Ele não nos fez nascer com rodas nem com carapaças de lata, nem com motores potentes suplementares, deu-nos apenas pernas e um organismo perfeitíssimo, cheio de potencialidades que até se reproduz e que, após a morte, regressa à terra donde proveio, onde desaparece sem nada poluir nem conspurcar.

    O HOMEM

    TEM QUE ASSUMIR

    AS CONSEQUÊNCIAS

    POLUENTES

    DOS SEUS ACTOS

    Isto é talvez o mais importante para se compreender o problema que tem ainda, como todos sabemos, outras consequências mais profundas no plano ecológico, a poluição e lixo que os automóveis, os seus combustíveis e as suas carcaças provocam. É que o Homem, como ser responsável (embora muitas vezes pareça irresponsável), tem que assumir e sofrer as consequências dos seus actos, dos seus desvios e das suas próprias iniciativas, isto é, quem age por conta própria, tem que correr os seus riscos.

    Por: Reinaldo Beça

     

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