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    Arquivo: Edição de 15-01-2006

    SECÇÃO: Tecnologias


    Educação e tecnologia

    O presente texto, publicado em http://www.estadao.com.br/tecnologia/coluna/andre/2005/set/28/25.htm, edição online do jornal brasileiro "O Estado de São Paulo", foi extraído e é publicado com autorização expressa do autor, que é aí responsável pela rubrica "Mundo Sem Fios".

    Apesar das óbvias diferenças entre a realidade educativa e tecnológica entre Portugal e o Brasil, o texto revela uma evidente actualidade e pertinência, que justifica plenamente a sua publicação em “A Voz de Ermesinde”.

    Quando se misturam os temas "computadores" e "educação", mexe-se, não sei bem porquê, no vespeiro dos bons. Não é preciso ser radical. Ricardo Kobashi, numa sua coluna, em texto recente, mostra como o tema educação à distância é polémico, provocando enorme resistência entre os educadores. Ricardo diz não entender o motivo de tamanha reserva. Acho que essa é uma coisa mesmo difícil de entender.

    Não sou nenhum especialista no assunto, mas já "raspei" nele algumas vezes. Eu estava no MIT, em Julho de 1997, na ocasião em que Nicholas Negroponte lançou a Fundação 2B1, que tinha como missão levar computadores e internet a todas as crianças do mundo. Lá estavam grandes entusiastas do uso da informática na Educação, como Seymour Papert, Mitch Resnick, Idit Harel e o brasileiro Roberto Baggio. A 2B1 acabou por não descolar, mas é possível que agora, com o professor Negroponte defendendo o notebook de 100 dólares, ela acabe por respirar novamente. Em todo caso, o evento foi memorável, com a apresentação de uma série de casos, no mundo inteiro, do Bangladesh à Costa Rica, em que os computadores tinham um papel essencial no processo de educação de crianças carentes, em áreas remotas e/ou muito pobres. Não se tratava de "inclusão digital" no sentido que se tem dado hoje à expressão, mas de "inclusão com apoio digital". O maior mestre de toda esta turma é Papert, ex-assistente de Jean Piaget, admirador de Paulo Freire e autor de livros já clássicos sobre o assunto, como "The Children's Machine: Rethinking the School in the Age of the Computer" (A Máquina das Crianças: Repensando a Escola na Era dos Computadores) e "The connected family - bridging the digital generation gap" (A Família Conectada - Vencendo a Barreira Digital Geracional). Mais do que os livros, Papert talvez seja conhecido por ter sido o criador da linguagem de programação Logo, especialmente desenvolvida para crianças e usada em muitas escolas, inclusive no Brasil. A ideia de Papert é de que as crianças deveriam apropriar-se da ferramenta digital como um todo, e não tornarem-se apenas utilizadores passivos.

    OS SUPOSTOS

    PERIGOS DA WEB

    Depois do 2B1, acabei ajudando a trazer para o Brasil um projecto do Banco Mundial, chamado "World Links for Development", que aqui ganhou o nome de "Enlaces". A linha geral é a de financiar e facilitar o processo de adopção de computadores por escolas e comunidades carentes. O projecto teve alguns defensores e muitos críticos. No entanto, eu afastei-me logo no início, o que me impede de emitir qualquer opinião objectiva a este respeito.

    Outra é a experiência vivida como de pai de dois alunos, de 10 e 14 anos, na Escola Vera Cruz, em São Paulo. Porque, se em casa eles usam computadores com naturalidade, pesquisando, descarregando músicas, escrevendo trabalhos, conversando com amigos via skype ou MSN, na escola é tudo muito diferente. Os computadores estão no "laboratório", e não onde, na minha opinião (e na de Papert) deveriam estar, na sala de aula; pior, nem mesmo conectados à web eles estão. Numa das últimas reuniões de pais, assisti estarrecido aos alertas de uma mãe, preocupada com os perigos da web. Como se a web apresentasse mais riscos do que a banca de revistas, a padaria, a rua... A escola, que adoro e da qual sou ex-aluno, parece olhar a tecnologia com receio, equilibrando-se entre as demandas das famílias entusiastas e das assustadas.

    É claro que existe um grupo que defende os computadores como a cura de todos os males na educação. Eu não me considero parte dele. Acredito que um bom professor, num bom ambiente escolar, ainda é a melhor coisa para as crianças, assim como os bons e velhos livros impressos em papel ainda são insubstituíveis. Mas negar os benefícios das novas tecnologias parece-me pura e simplesmente loucura. Mais ainda, se uma escola localizada num lugar remoto e/ou carente consegue que seus alunos e professores tenham acesso à web e a toda uma massa de informações disponíveis na rede, não há dúvida que um passo gigantesco foi dado.

    A verdade é que, de uma maneira geral, educadores e pais morrem de medo da informática. A explicação de Seymour Papert para o fenómeno é simples: diante de uma tecnologia que as crianças dominam (muito) melhor, tanto pais quanto professores perdem poder. Nenhum professor tem mais conteúdo que a web. E poucos professores sabem usar um computador melhor do que os seus alunos. O que não quer dizer que o professor não seja importante, muito pelo contrário. Ele deveria ser o facilitador, o guia, o ponto de apoio dos alunos diante de um gigantesco volume de conhecimentos que está tanto disponível quanto desorganizado. O professor não deveria mais pretender ser a maior fonte do conhecimento do aluno, mas sim aquela pessoa que ajudaria o aluno a navegar pela informação e organizar o conhecimento.

    O COMPUTADOR IDEAL

    PARA A EDUCAÇÃO

    Em muitos casos, a informática na educação é entendida como "laboratório para o ensino de Windows, Office" etc.. Isso é uma grande asneira. A função da informática na educação é dar aos alunos e professores uma nova ferramenta, da qual eles se possam apropriar, para que eles multipliquem a capacidade de pesquisar, produzir e interagir. É por isso que os computadores deveriam estar na sala de aula, e não em laboratórios. E juntamente com os professores e os livros, e não ao invés deles.

    E se for para escolher um computador ideal para a educação, ele com certeza não seria o PC, e aqui discordo da abordagem do notebook de 100 dólares do professor Negroponte. O ideal seria uma máquina leve, robusta (que pudesse cair no chão), realmente portátil (de bolso ou quase isso), com longa duração de baterias (dias e não horas), e de uso totalmente pessoal. Para poder ser usada na aula e fora dela, poder ser levada para casa, para a pesquisa de campo; poder acessar a internet a partir de qualquer lugar; poder tirar fotos e gravar vídeos. A consubstanciação desta máquina actualmente é, parece óbvio, um telemóvel convergente. Afinal, não deveria ser necessário estar sentado na sala de aula para aprender, produzir e relacionar-se com professores, colegas, família e amigos.

    Por: ANDRÉ CARAMURU AUBERT

     

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