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    Arquivo: Edição de 10-12-2005

    SECÇÃO: Editorial


    foto

    O retrato

    Nunca foi tão fácil como hoje obter um retrato. Através do processo fotográfico tudo está predefinido, é apenas carregar num botão e pronto!..., qualquer pessoa pode utilizar essa magia e ser senhor de um retrato, o mais fiel possível, do seu amigo, dos seus familiares, dum momento único da sua vivência, dum acto social especial, de bons e maus momentos, enfim, do mundo que nos envolve.

    Na verdade o retrato funciona como a presença de alguém ausente, é respeitado, idolatrado, diria que nos dá uma certa sensação de pertença, guardamo-lo religiosamente, levamo-lo quando nos ausentámos.

    Gostamos de nos ver, de ver as imagens dos que partiram, dos que amamos, como somos capazes, em momentos de ira, de os rasgar, como que simbolizando a morte ou o corte afectivo com as pessoas que a fotografia representa.

    Tirar o retrato era um acto simbólico com que as classes sociais em ascendência marcavam a sua posição, quer para si, quer para os outros.

    Até ao século XIX o retrato estava associado a quem tinha poder, em especial a monarquia, a aristocracia, a igreja, que «usavam os maiores artistas do seu tempo para propagar a sua própria imagem».

    Durante muito tempo a semelhança física foi secundária, eram sobretudo retratos sobre o estatuto social e profissional (reis, rainhas, princesas, artistas e políticos).

    O pintor Velázquez fez muitos retratos com fins bem curiosos, «mostrar ao noivo como era a noiva, em alguns casos célebres de decepção profunda quando o retrato era demasiado favorecido…».

    O processo fotográfico veio transformar a produção do retrato numa forma cada vez mais mecanizada, de modo a facilitar a sua reprodução.

    O retrato que era privilégio de alguns tornou-se acessível a todos, trata-se de uma verdadeira revolução democrática, do retrato claro!...

    E tão democrático, que foi logo aproveitado pelo poder para identificar as pessoas, todos têm presentes as fotografias dos presos, tiradas de frente e de perfil, dos soldados, de todo o tipo de cartões de identificação pessoal.

    Quanto ao nosso retrato, a nossa imagem no espelho, gostamos que ela nos comunique uma imagem de que gostamos, que nos encha de orgulho e de vaidade.

    E quem não se lembra das fotografias retocadas, tiradas nos fotógrafos, com posições e cenários escolhidos de acordo com o seu destinatário?

    Achamos graça a esses retratos, parecem-nos muito longínquos, mas não, as tecnologias, as modas, as relações sociais é que são diferentes. Mas o vulgar retrato que todos gostam de exibir é essa imagem correcta, de acordo com os cânones de cada época, de cada extracto social, de cada cultura.

    Fascinam-me as fotografias que retratam as sociedades, as culturas, as vivências dos diferentes quotidianos.

    A fotografia está indissoluvelmente ligada à nossa vida e tão incorporada está já nos nossos hábitos que quase não a vemos; no entanto sentimos a sua falta.

    Presente em todos os acontecimentos privados e públicos como imprescindível elemento documental, a fotografia surge-nos hoje como o mais fiel e imparcial processo de reprodução da vida social.

    Sempre que olho para uma fotografia, colocada no NorteShopping, dos trabalhadores da Empresa Fabril do Norte, recuo no tempo e imagino as fábricas daquela época, o nível de vida daqueles operários, funcionários superiores e patrões. A hierarquia da empresa, o espírito de corpo dos operários, o paternalismo do patrão, mas patrão real, de carne e osso, que se deixou retratar com os seus operários. Verdadeiro retrato social de uma época.

    A história da fotografia está muito longe de ser a história de uma técnica, ela é muito mais, ela conta-nos, de uma forma muito directa e objectiva, a verdadeira história da vida social, dos movimentos culturais e da moda.

    Por: Fernanda Lage

     

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