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    Arquivo: Edição de 30-11-2005

    SECÇÃO: Crónicas


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    D. ERMESENDA, A DEVOTA (9)

    Almançor, o maldito

    Havia muito trabalho a fazer. O mosteiro dos de Sousa (Ribadouro) em S. Martinho de Velhas, Palaciolo de Sauza (Paço de Sousa) também havia sido destruído, assim como o dos monges beneditinos de Séte1 (Cete), do outro lado do rio Sousa, reduzidos a pouco mais do que edifícios de pedra e colmo sem nenhuma dignidade perante os homens. D. Egas Ermiges de Ribadouro, bisneto do tio-avô Ermígio Aboazares da Maia, e comites em Arouca e na Terra de Penafiel de Sousa, tudo fez para que o velho mosteiro de S. Salvador de Paço de Sousa fosse restaurado mas apenas tinham conseguido o mosteiro e a abside da Igreja De Santa Maria do Corporal que foi sagrada pelo arcebispo de Braga, D. Pedro, em 1088, há cinco anos apenas. Era desolador ver os velhos cenóbios arrasados, destruídos desde o tempo dos ataques do terrível Almançor Nem o de S. Bento, de Santo Tirso, tinha escapado ileso. Em nome da Fé, tanta fúria, tanta sanha contra a Fé. Era inconcebível! Mas o que fazia mover Almançor que até constava ser filho de cristãos convertidos ao Islão, ou seja muladis? E o casamento com uma princesa cristã, Teresa, filha do rei Bermudo II de Leão, pouco adiantou! Parece não ter refreado a sua fúria contra Cristo e seus seguidores o que não era costume entre mouros que queriam dominar mas costumavam respeitar a Fé dos outros se estes se submetessem, embora com pagamento da gizia e kharaj (tributos por não conversão religiosa) e certas condições. Almançor foi um demónio! Queria destruir a fé dos outros, queria humilhá-los, porque atacava os seus símbolos. Queria provar, na sua ânsia de poder, que era um verdadeiro muçulmano se é que alguém tinha dúvidas. Nem o seu sangue cristão algum efeito tinha sobre ele. Era um homem endemoninhado, cheio de inveja, entregue ao poder do Maligno. Mas o castigo divino caiu sobre ele, após destruir e pilhar a catedral de Santiago, com a sua terrível doença incurável que o vitimou, pondo fim ao seu ódio sanguinolento. Deus tenha piedade da sua alma torturada!

    Almançor, de seu nome completo Muhammad Ibn Abi ‘Mir – Al Mansur, nasceu em 940. Uns dizem ser filho de árabes outros de cristãos convertidos ao Islamismo (muladis). Estudou fiqh (jurisprudência) e foi escrivão do qadi (juiz) de Córdoba. Tornou-se hashib (Prefeito) ou Vizir (Ministro) do fraco califa Hisham II. Conseguindo tomar o poder, ficou célebre pela sanha com que combateu os reinos cristãos e seus símbolos religiosos, em cerca de 50 campanhas contra a Cristandade. A mais célebre foi a 48ª, no Verão de 997, contra Santiago de Compostela com a ajuda duma armada que saiu de Al-Qasr Abû Dânis (Alcácer do Sal). Almançor passou pela região do Porto, destruindo igrejas e mosteiros e, em Santiago, saqueou a cidade, destruiu a basílica e levou os sinos para Córdoba, onde foram fundidos. Uma grande afronta à Cristandade, pois Santiago era o símbolo da Fé e da Reconquista. Talvez por respeito ou superstição, não tocou no túmulo do apóstolo. Tinha casado, em 993, com a princesa cristã Teresa, filha do rei Bermudo II de Leão, cujo alferes era o conde de Portugale, Gonçalo Mendes, filho da condessa Mumadona Dias. Morreu em Rioja, em 1002, com 62 anos, duma incurável doença de ossos e sucedeu-lhe o filho Abd Al Malik – Al Muzaffar que foi morto em 1008, no mesmo ano em que caía, às mãos dos vikings, o seu amigo Mendo Gonçalves, novo conde de Portugale, filho do velho Gonçalo Mendes.

    AFRANTA DE SANGUE

    Ilustração RUI LAIGINHA
    Ilustração RUI LAIGINHA
    Durante muito tempo a vida correu calma, não foi contrariada na sua vocação, nos seus intentos, pelo seu pai que tinha mais três filhas além dela. As taifas mouriscas guerreavam-se entre si e não assolavam os territórios cristãos. Chegavam mesmo a fazer alianças com os reinos cristãos para se defenderem dos ataques dos seus irmãos na fé.

    Os parentes de Ribadouro, de Paço de Sousa, tinham--se apoderado das terras de Paiva e Arouca, Ribadouro até Lamego. A sua família, desde que reconquistou Montemor, cada vez tinha mais influência na corte. Primeiro, na de Fernando Magno e depois na de seu filho Afonso VI de Leão que saiu vencedor da luta travada com os irmãos Sancho de Castela, Garcia da Galiza e as irmãs em Zamora, tornando-se o rei Afonso VI de Leão e Castela.

    Eram muitas as lutas entre os fiéis da palavra de Cristo e mesmo entre os fiéis de Mafoma que se guerreavam entre si pelo aumento do território das suas taifas. Eram lutas sacrílegas que condenava e retirava-se para a sua Orada, junto às margens bucólicas do Leça, que invocava o mártir S. Lourenço d’ Asmes, o mártir da sua devoção cujo martírio, em face do que se passava lá fora, parecia ter sido em vão. Irmãos contra irmãos, fiéis contra fiéis e infiéis contra infiéis. Cristo, sim, não foi compreendido e os homens não utilizavam a chave do Paraíso que Ele lhes deu, nem o seu sacrifício, na Cruz, compreenderam. Iria professar e retirar-se para sempre. Seria esse o seu destino.

    Alguns casais de Alfena cultivavam já as veigas do Leça, e alguns casebres de colmo e pequenas abegoarias já estavam lá instaladas, nas terras secas perto da sua Orada. Chamavam o lugar da Orada de D. Ermesenda que começava a surgir, iniciando-se o seu povoamento, ainda provisório, por casais de alfenenses e seus servos mouriscos trazidos nos fossados de além Douro e, lá mais para cima, alguns de Baguim.

    Compreendia que o destino dos homens na Terra é esse e que a vontade divina se efectiva, plena de conflitos e contradições, de sofrimento e de prazer, por caminhos ínvios, sinuosos e imponderáveis. Seja feita a Sua vontade! Macktub! (Está Escrito, do fatalismo muçulmano).

    Em 1037, na batalha de Tamarón, o rei Bermudo III, foi morto pelo seu cunhado Fernando Magno de Castela que, ajudado pelo seu pai Sancho III de Navarra, o Maior, se apossou do reino de Leão. O conde de Portugale, Mendo Nunes, alinhou nas hostes do rei Bermudo que era seu primo e perdeu. Os da Maia mantiveram-se neutros assim como outros ricos homens do condado portugalense que tinham questões com o conde Mendo Nunes, porque já faziam guerra e presúrias por conta própria e os condes de Portugale não gostavam. Seu pai, Gonçalo Trastemires, reconquistou Montemor, em 1034 e os parentes de Ribadouro, descendentes do tio Ermígio Aboazares, conquistaram Arouca, Alvarenga, Paiva e terras para ribadouro, na estremenha de Lamego. O rei Bermudo III com o conde de Portugal, logo a seguir, em 1035, atravessaram a Terra da Maia, provocadoramente e vão vencer o chefe mouro em César, na Terra de Santa Maria. Após a referida batalha de Tamarón que o rei Fernando Magno venceu, no ano seguinte, em 1038, Gonçalo Trastemires da Maia, foi assassinado numa emboscada, em Avioso. As desconfianças foram para gente do conde de Portugale que residia no castelo de Guimarães, pois já havia contendas assanhadas e rijas precedências por causa dos fossados do conde e do rei Bermudo, nas Terras de Lafõens e de Santa Maria, depois da reconquista de Montemor, em 1034 e agora era o amezio (homizio) pela grave afronta de sangue. Então, o novo rei, Fernando Magno, quis acabar com o poder do conde que até era primo da sua mulher Sancha, não só por terem apoiado o vencido rei Bermudo mas principalmente porque via na linhagem dinástica dos condes de Portugale, já com quase duzentos anos, a génese dum futuro reino autónomo do seu e não se enganava, porque, na realidade, o foi. Então, nomeou triunviratos de infanções de que seu irmão Mendo Gonçalves fez parte como já dissemos, excluindo o conde de Portugale. E assim foi até à sua morte, em 1065, depois de levar a fronteira do território portugalense novamente até ao Mondego, conquistando Viseu e Coimbra, Lousã e Soure, em 1064.

    LUTAS ENTRE IRMÃOS

    Em 1071, o conde de Portugale, Nuno Mendes, filho de Mendo Nunes, aproveitando a luta entre os herdeiros do rei Fernando Magno, revolta-se contra a autoridade do rei Garcia que tinha herdado o reino da Galiza. O alvazil de Coimbra, Sisnando, que era seu genro, mais alguns solarengos, ajudam-no. Mónio Viegas de Ribadouro, filho da prima Toda Ermiges e neto de tio Ermígio Aboazares da Maia, toma o partido do rei Garcia. O mesmo fez Mendo Gonçalves da Maia, pela pendência e forte homizio que tinha contra a família condal. A batalha travou-se em Pedroso, perto de Braga e o último representante da linhagem masculina dos condes de Portugale, foi morto. Há quem diga que foi traído, dadas as pretensões do genro, o alvazil de Coimbra, em tomar-lhe o lugar. Mas isso de nada valeu, pois, mais tarde, quando Afonso VI se apoderou do trono, nomeou, como seu representante no território Portugalense (Vicarius Regius) Paio Guterres de Tibães, como já vimos. Porém, Gonçalo Trastemires da Maia ficou vingado, pois supõe-se ter sido seu filho Mendo que desferiu o golpe fatal que vitimou o conde, vingando assim a morte de seu pai. E nada aconteceu ao alvazil de Coimbra e aos outros infanções que ajudaram o conde, porque, naquele mesmo ano de 1071, o rei Garcia foi destronado pelos seus dois irmãos, na guerra que se travou pela disputa da herança, entre os filhos do rei Fernando Magno.

    Os reinos eram divididos pelos filhos, à boa maneira goda mas estes queriam voltar a uni-los sobre o seu ceptro, o que originava lutas assanhadas entre irmãos. Sancho que ficou com Castela e Afonso que ficou com Leão, em 1071, destronaram o irmão Garcia da Galiza que teve de fugir para a taifa mourisca de Sevilha. Depois, na batalha de Golpejera, em 1072, Sancho II de Castela venceu o irmão Afonso VI de Leão que abalou para o reino mouro de Toledo, de Al Ma’mun. Em seguida, Sancho foi morto quando cercava as irmãs, em Zamora, para as submeter também e Afonso voltou, tomou posse novamente do seu reino de Leão e apoderou-se também do de Castela do assassinado Sancho. Quando o irmão Garcia regressou de Sevilha, prendeu-o no castelo de Luna, tornando-se assim o poderoso Afonso VI de Leão e Castela, que englobava a Galiza, ou seja todo o reino do seu falecido pai Fernando Magno.

    1 Séte, cidade e porto mediterrânico, do sul de França, perto de Montpellier, donde vieram, no Séc. IX ou X, os monges beneditinos do mosteiro de Cete, dando nome àquela freguesia do actual concelho de Paredes. O conde franco D. Gonçalo Oveques restaurou, no fim do Séc.X, aquele mosteiro que actualmente está completamente alterado, aliás como todos os cenóbios, igrejas e catedrais daquela época.

    Por: Reinaldo Beça

     

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