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    Arquivo: Edição de 30-09-2005

    SECÇÃO: Crónicas


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    D. ERMESENDA, A DEVOTA (5)

    Os cavaleiros da Maia

    Por uma vereda que saía do frondoso bosque, do lado poente, a norte da Villa Ardeganes, Ermesenda vê surgir um grupo de cavaleiros montados em velozes ginetes (cavalos velozes de guerra), ricamente ajaezados, que se aproximam da margem do Leça. Sem parar, saltam a pequena ponte e sobem a encosta que leva à orada. Era gente da Maia! Reconhece o familiar guião rubro com a águia negra estendida, da sua nobre família, que um jovem e esbelto cavaleiro empunhava a pino. Ao seu lado cavalgava outro mais velho mas de aspecto hercúleo que mesmo com o capelo de malha e casco com naso, reconheceu seu sobrinho Gonçalo Mendes, irmão de Soeiro e no jovem do guião o sobrinho neto, Mendo Soares, filho de Soeiro Mendes. Chegados ao pequeno adro da ermida, refreiam os belos corcéis árabes que se empinam, resfolgam e relincham no meio do pó, enquanto os servos que descansavam se levantam e seguram as mulas de carga assustadas com a chegada dos murzelos bravos dos cavaleiros da Maia. Estes afrouxam as bridas de couro escarlate, apeiam-se agilmente, saltando das altas selas mouriscas e os homens de D. Paio dirigem-se a eles saudando-os:

    - Muito nos apraz ver-vos, D. Gonçalo e D. Mendo e muita honra nos trouxe escoltar vossa piedosa tia maila vossa devotada irmã D. Maior. O Dux Magnus, D. Paio, meu amo e vosso cunhado e D. Dórdia, vossa irmã, manda-vos saudações e a vós, D. Mendo, muita boa sorte vos deseja na jornada que amanhã encetais p’ra Leon com a vossa prima, a infanta D. Tareja que Deus guarde e sua tia D.Gontrode, vossa nobre maym (mãe)

    Ilustração RUI LAIGINHA
    Ilustração RUI LAIGINHA
    - Tal prestança (préstimo) me dá grande preito e honra e eu vos retribuo e agradeço o vosso aguardamento e desvelo para com as senhoras minhas tias. Sei que ides agora p’ra Portugale. Aviai, aviai presto, porque a lonjura inda é grande e a nós, apenas um tiro de besta nos separa do Paço d’ Avyosso.

    - Respondeu D. Mendo, sorrindo enquanto tirava o casco e puxava o capelo de malha para trás. - E o tio Gonçalo Mendes acrescentou, sacando dos guantes ferrados:

    - E vede se as azurrachas (barcaças do Douro com leme) estão aprontadas p’rá jornada, pois a partida é amanhão ao aluzecar (alvorecer), com navegagem p’ro Douro arriba, inté terras de Miranda e Alcanices unde os homes dos Bragançõens aguardam p’ra adugarem (conduzirem) o aguardamento do meu sobrinho Mendo, com as senhoras, p’ra Zamora e despois p’ra Leon. Manda El Rei D. Afonso!

    Entretanto, D. Ermesenda assola à porta da orada acompanhada da sobrinha. Os cavaleiros da Maia, ao vê-las, dirigem-se a elas beijam as mãos à tia que os abençoa e abraçam D. Maior que, preocupada, pergunta ao irmão pelo estado da mãe que tinha adoecido gravemente:

    - Gonçalo, meu irmão, estou mui acuitada (preocupada) por môr da nossa maym, dize-me pelo Salvador, Nosso Senhor, como está ela?

    - A nossa santa maym está enfebrada e um pouco adorada (dorida) na sua côcedra (leito). Que grande coita (desgraça)!, Mas Santa Eufémia lhe há-de fazer mercê para aboar (melhorar) desta maleita (doença) qu’ ácuita (a aflige) - Respondeu Gonçalo, gravemente.

    A mãe de ambos era Ledegúncia Soares, viúva de Mendo Gonçalves, o saudoso irmão da tia Ermesenda que ouve, atenta, a explicação do sobrinho Gonçalo sobre o estado da cunhada que se encontra agora acamada. Era esse o principal motivo do regresso ao Paço da Maia.

    Lembrando-se do seu falecido irmão, Ermesenda fica então a olhar embevecida para o sobrinho Mendo, neto e afilhado do seu único mano, entre três irmãs, D. Mendo Gonçalves, o triúnviro, que foi chefe da Linhagem da Maia e maiorino do rei Fernando Magno. Foi morto no desastre de Zalaca, em 1086, a célebre batalha contra os almorávidas de Yusuf ben Tashufin, em que alinhou, com os filhos Gonçalo e Soeiro Mendes e seus solarengos, nas hostes do rei Afonso VI. Um golpe traiçoeiro de Abu Bakr, qa’id de Sevilha, foi fatal para o seu irmão. Os filhos de Mendo, Soeiro e Gonçalo, juraram vingança rija sobre o mouro que se escampou (escapou) lesto, protegido por uma alcabala (troço de cavalaria sarracena) e esperavam agora o azo que ainda não tinha chegado. Nem quando Yusuf tentou reconquistar Toledo, em 1090, ele surgiu, pois os reforços de Sevilha de Sir ben Abu Bakr não chegaram. E os irmãos Gonçalo e Soeiro Mendes bem afemençavam (perscrutavam) o horizonte, no meio da peleja, para verem quando avistavam os albornozes brancos da algazuna (tropa mourisca) dos cameleiros berberes do qa’id de Sevilha no acorrimento (socorro) ao emir Yusuf, para lhes caírem em cima com as suas pesadas espadas godas de folha larga que golpeavam fundo, desafrontando o grave homizio. Mas o asejo do rijo escarmento havia de chegar, porque um fero rancor enchamegara as suas almas!

    Agora, ali estava o garboso cavaleiro Mendo Soares, neto do seu irmão Mendo e filho do seu sobrinho Soeiro Mendes, ausente nas estremenhas terras do Tejo como adiantado em Santarém e castelo de Sintra, atalaias da cidade mourisca de Olisbona (Lisboa), tendo com ele o seu filho maior, Paio Soares, irmão de Mendo e que, mais tarde, viria a ser também maiorino e alferes do conde de Portugale, D. Henrique de Borgonha.

    Mendo Gonçalves, irmão de D. Ermesenda, fez parte do primeiro triunvirato de infanções que o rei Fernando I, o Magno, nomeou para o representarem no governo de Portugale, a partir de 1045, acabando assim com o poder da linhagem dos condes de Portugal, que temia . Foram três os triunviratos que depois foram extintos, por volta de 1065, quando o rei Fernando Magno faleceu. Seu filho, Afonso VI, para acabar com as ambições do alvazil Sisnando de Coimbra que pretendia anexar ao seu, o condado de Portugale, nomeou para esse cargo um representante em Braga para Portugale que foi o Dux Magnus ou Vicarius Régius Paio Guterres, até o governo da Galiza e de Portugale passar à administração do conde D. Raimundo de Borgonha, seu genro. Mendo Soares, neto de Mendo Gonçalves, pois era filho de seu filho Soeiro Mendes, casaria naquele ano e viria a ser o progenitor duma famosa geração da Casa da Maia de que fazia parte Gonçalo Mendes II, o Lidador; Paio Mendes, arcebispo de Braga e seu irmão Soeiro Mendes II que estariam com o jovem Afonso Henriques, em Zamora, quando este se armou cavaleiro e depois em todas as lutas pela independência e expansão de Portugal. E ainda seria pai de Goina Mendes, esposa de Mendo Moniz, o de Coreixas, comites na Terra e Julgado de Peñafidelis de Sousa e irmão de Egas Moniz de Ribadouro que viria a ser aio e mordomo-mor do futuro rei Afonso Henriques.

    Paio Soares, o outro filho de Soeiro Mendes que estava com ele em Santarém e lhe haveria de suceder como maiorino e alferes do conde D. Henrique, casaria tarde com fêmea forte, como sói dizer-se. Casou-se, já de meia idade, com D. Châmoa Gomes, parente dos galegos de Trava, uma jovem dama, quase adolescente mas de rara formosura que lhe deu três filhos entre os quais Pêro Pais, o Alferes, porque viria a ser o famoso alferes de Afonso Henriques, durante 22 anos, desde a conquista de Lisboa, em 1147, em que se distinguiu, até ao desastre de Badajoz em 1169. Após esta batalha em que o rei Afonso Henriques teve que retirar ferido, vencido e vexado, Pêro Pais é que pagou as favas, pois foi substituído, no cargo de Alferes, pelo seu meio irmão Fernando Afonso, filho bastardo do rei Afonso Henriques e de sua ainda bela mãe, Châmoa Gomes que, após viúva de seu pai, Paio Soares da Maia, foi, durante dez anos, amante muito querida do nosso primeiro rei, ainda solteirinho e bom rapazinho, que até a quis desposar, pois parece que a Châmoa ou Flâmula o inflamou e foi a mulher da sua conquistadora vida. E não só por conquistar terras aos sarracenos, mas também por conquistar os corações de muitas damas mouras e cristãs, entre as quais esposas de seus maiorinos. Que o diga o Sousão, D. Gonçalo Mendes de Sousa, que foi seu mordomo-mor! Parece que Afonso Henriques foi também um play-boy medieval de alto gabarito, que conquistava terras aos mouros e o coração às mouras e o título de Conquistador assenta-lhe a dobrar. Enfim...

    Por: Reinaldo Beça

     

     

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