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    Arquivo: Edição de 15-07-2005

    SECÇÃO: Destaque


    Sustentabilidades... várias

    Rui Cortes, engenheiro, professor catedrático da UTAD (Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro) e Sérgio Hora Lopes, economista, professor da Universidade Católica, dois investigadores que se têm debruçado sobre os problemas ligados à água, estiveram, na passada quinta-feira, dia 7 de Julho, na Biblioteca da Vila Beatriz, em conferência-debate organizada por “A Voz de Ermesinde”, a reflectir em conjunto com os presentes, várias questões ligadas à gestão dos recursos da água. As perspectivas do ecologista e do economista complementaram-se, embora por vezes também parecessem em rota de colisão.

    Rui Cortes começou por falar da conjuntura da seca, demonstrando com a irrefutabilidade das estatísticas aquilo de que já todos suspeitavam: a anormal gravidade deste “surto” de seca. Assim, por exemplo, em Lisboa não chovia tão pouco desde 2001.

    E a situação da seca não se reflecte apenas, esclareceu Rui Cortes, na diminuição da quantidade da água mas também e, possivelmente de forma ainda mais relevante, na diminuição da sua qualidade.

    FOTO MANUEL VALDREZ
    FOTO MANUEL VALDREZ
    O surgimento de cianobactérias à superfície da água não renovada propicia o aparecimento de algas tóxicas e outras infestantes (como por exemplo o jacinto-de-água). Diminuindo a penetração da luz para as águas mais profundas, o oxigénio acumula-se à superfície, e torna-se assim escasso para a biomassa de peixe que aí tem o seu habitat natural. Precisamente para impedir uma mortandade em massa, com consequências no equilíbrio ambiental, é que as entidades responsáveis tinham vindo este ano a proceder a uma captura extensiva de peixe, oferecida a variadas instituições de solidariedade social.

    Rui Cortes alertou ainda, no capítulo dos fogos florestais, para o perigo resultante do arrastamento dos solos ardidos para a água, deteriorando, e muito, a qualidade destas.

    Rui Cortes explicou, por exemplo, que os fogos produzem uma grande quantidade de fósforo, e informou também a audiência presente na Vila Beatriz de que todos os pomares de citrinos do Algarve tinham morrido, uma consequência relativamente pouco conhecida dos grandes fogos de há dois anos no Algarve.

    «A seca é uma questão transversal», avisou o professor da UTAD.

    Comentando que isto era um processo que estava “ainda no princípio”, o investigador observou que se estava a fazer muito pouco no domínio do combate aos fogos e à preservação da qualidade da água.

    Sérgio Hora Lopes, por sua vez, que confirmou as más notícias estatísticas de Rui Cortes, referiu que, nos últimos 50 anos, a temperatura da água tinha subido de dois graus.

    Em seguida, o economista colocou a questão da razoabilidade do estabelecimento de um preço para a água – definido também em função da escassez.

    Sérgio Hora Lopes precisou depois aquilo a que chamou as funções da água:

    – a água como suporte de vida;

    – a água como consumo social;

    – a água como factor de produção.

    O investigador referiu depois, no quadro comunitário, a lei-quadro da água.

    O facto de a água não ter substituto levou depois o investigador a defender um “aumento” do preço da água que pudesse, pedagogicamente aconselhar à diminuição do seu consumo.

    Desfazendo lugares-comuns e, além disso relativizando as campanhas de sensibilização dirigidas ao cidadão comum, Sérgio Hora Lopes esclareceu acerca da estrutura dos consumos da água em Portugal, que serão da ordem dos 87% para a agricultura e apenas 13% para consumos urbanos e industriais. Donde, segundo o investigador, adviria a necessidade de penalizar o preço do consumo rural.

    E dos consumos urbanos e industriais, o consumo doméstico não representaria senão 8%.

    «Temos que dissociar o apoio aos agricultores do apoio ao consumo de água, pois este comporta custos financeiros, ecológicos e de escassez».

    Outro dos aspectos que Sérgio Hora Lopes abordou foi o da ineficiência, relatando que os estudos revelam uma perda de cerca de 50% ao nível dos utilizadores industriais e das redes de distribuição das autarquias.

    Sérgio Hora Lopes terminou a sua intervenção apontando como um objectivo razoável a diminuição destas perdas de 50 para 20%.

    AS DEIXAS DA AUDIÊNCIA

    Dando início às intervenções da audiência, Fernanda Lage, directora de “A Voz de Ermesinde” referiu, em contrapartida, o aspecto de que os trabalhos agrícolas não apenas retinham água no solo que, de outro modo, se perderia, como além disso não necessitaria de água com exigências de qualidade idêntica à da água para beber.

    Em contrapartida, colocava a questão dos gastos inaceitáveis nos campos de golfe.

    Sérgio Hora Lopes deitou aqui alguma água na fervura quanto à questão dos campos de golfe, primeiro definindo uma relação complicada na questão do interesse económico que estes pudessem representar e, além disso referindo exemplos de campos de golfe no Algarve regados com águas tratadas provenientes de ETARs.

    Rui Cortes interviria de novo para refutar o grande plano (“disparate”) da retenção da água nas albufeiras. Nas albufeiras, esclareceu o investigador, a renovação das águas dá-se muito lentamente, ao fim de um longo ano. A qualidade da água vai-se degradando e o tempo de vida útil de uma albufeira é muito menor do que habitualmente se pensa, pode ser aí cerca de trinta anos.

    José Caetano, presidente da Assembleia de Freguesia de Ermesinde, presente no debate, “rectificou” a questão da seca em Ermesinde, que seria muito mais recente do que as grandes secas registadas noutras zonas nortenhas, pois a cidade esteve três dias sem água ainda não há muitos anos. Caetano referiu também que os gastos de água em complexos de certos desportos de elite na península de Setúbal eram maiores do que os gastos de toda a cidade. Aqui «investiu-se em alcatrão, em vez de se investir no Leça», acusou igualmente o autarca. E finalmente, fez saber aos investigadores o estranho acordo de compensação (repercutida nas contas dos munícipes) a favor da companhia Águas de Valongo, em caso de não se atingirem volumes de consumo de acordo com as expectativas da empresa.

    Manuel Carneiro quis saber se haveria estudos de impacto da florestação na conservação do solo e na qualidade da água, tendo a resposta, mais complexa, por parte de Rui Cortes dado a saber que as coisas podem não ser rectilíneas e que, às vezes, uma inadequada reflorestação pode ocasionar perdas de solo e não contribuir para a melhoria da qualidade da água.

    Interveio a seguir a voz da Lipor, através de uma funcionária em substituição de Fernando Leite, que assim se fez representar, para defender a sensibilização ambiental dos cidadãos.

    António Alberto, investigador ligado à área das Ciências considerou que «era um crime não se aquecerem as águas sanitárias com o sol», na Grécia tal constituía já cerca de 60% dos casos.

    Chelo Meneses, ecologista, referiu ter sido dado um passo importante com a possibilidade de detecção das cianobactérias, mas em contrapartida lamentou não haver uma política integrada de ambiente para cidades como, por exemplo, Ermesinde. Denunciou a existência de metais pesados no Leça, ainda que se possam ganhar concursos de qualidade ambiental. E opôs-se à ideia de definição do preço da água pelo mercado, na ausência de qualquer regulação: «Se eu posso pagar, então posso tomar vinte banhos por dia».

    Sérgio Hora Lopes voltou à questão dos tarifários – relevantes no caso dos desperdícios. E pegando na questão do Leça, denunciou: «Já se investiram milhões no Leça e o rio não melhorou muito».

    O que se faz, muitas vezes é, quando temos um problema, vamos gastar dinheiro no problema, mas isso está longe de ser um passo para resolvê-lo.

    O aumento do caudal das águas do Leça foi também explicado como transvase das águas do Douro, nomeadamente através da rede de distribuição de água.

    E terminou citando E. Fritz Schumacher e o seu “small is beautiful”. Não haveria, muitas vezes, necessidade de fazer transplantes de tecnologia. Deu como exemplo a gestão dos recursos da água no Alentejo, com uma criteriosa utilização destes para vários usos (a potável para beber, a água para outros usos domésticos, a água para rega, etc.). Não à solução que serve para tudo! A questão essencial seria a sustentabilidade. Nós temos que viver com a seca!

    Rui Cortes terminaria a sessão, explicando que as soluções sobre as questões da água têm sempre que se inscrever na unidade que é a bacia hidrográfica. Defendeu a importância de uma boa fiscalização ambiental e denunciou a existência de sistemas de rega ultra-antiquados e o quão determinantes têm sido os interesses dos grandes grupos económicos, para terminar com um grito de reduzida esperança e afirmação da sua impotência como cidadão.

    Por: LC

     

     

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