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Edição de 31-03-2024
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    Arquivo: Edição de 31-10-2018

    SECÇÃO: Crónicas


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    PASSEIOS DE BICICLETA À DESCOBERTA DO PORTUGAL REAL…

    “Bebi-lhe quase todo o vinho de uma golada”

    Novembro, mês do dito verão de São Martinho. Vai-se à adega provar o vinho. Na aldeia de meu pai, na encosta de uma serra, na zona demarcada do vinho do Porto assim era. Finda a vindima, com os cestos limpos e arrumados e os toneis e pipas cheios de vinho, era só aguardar pelo referido mês. Aberto o pipo, preparado para tal feito, eram convidados os vizinhos e não vizinhos, a provar o dito, pela caneca de esmalte, percorrendo esta as mãos do António, do Júlio e de todos os outros que aparecessem. Caneca lavada? Não! O vinho era o desinfetante. O elogio à qualidade, tinha que ser dito, para não causar desagrado. À quinta visita, que se efetuava, toda a opinião já era duvidosa.

    Em homenagem ao deus Baco, e principalmente ao compadre alentejano, Sr. Cipriano, com o qual privei à beira da estrada nacional 2, quando a percorri em agosto de 2017. Para melhor compreensão alerto, para o facto de em 2016 ter sido submetido a uma cirurgia, que me provocou a perda do olfato e do palato. Agora nada me cheira bem ou mal. Nada me sabe bem ou não. O curioso é que quando convido alguém, para uns petiscos por mim confecionados, à segunda garfada já estão satisfeitos. Não percebo. Eu como tudo.

    Montemor-o-Novo. Comecei a pedalar por volta das 5 h da manhã. Destino?? Logo se veria!! As pernas iriam mandar. Mas o capataz seria o Sol. Estava admirado com a N 2. Alentejo é sinónimo de planície, vegetação de um amarelo cor de ouro. Vi uma estrada, na maioria dos kms., bem cuidada e, para meu espanto, muitos quilómetros arborizada. “Chaparros” poucos.

    Parei em Castro Verde. 126 km pró velhote. Os motoqueiros passavam e aceleravam e, eu gritava-lhes. “Assim não vale”. Não brinco mais, e desatava a rir. Estava a ficar meio totó, ou já sou? Alentejo é Alentejo. Pouco ou nada há para ver a não ser a paisagem. Exceto se encontrarem o “Compadre Cipriano”.

    Grande reta. Já cansado e, todo vergado na bicicleta. Dizia para mim: Endireita as costas. Quase que lambes o pneu da frente. Estava de rastos.

    MONTEMOR-O-NOVO (FOTO MANUEL FERNANDES)
    MONTEMOR-O-NOVO (FOTO MANUEL FERNANDES)
    Vejo um vulto sentado junto à estrada debaixo da sombra de um chaparro. Logo pensei. Endireita-te e dá gás. Mostra do que é feito um transmontano. Boa velocidade. Ao passar junto do indivíduo oiço:

    Então! O asno fugiu-lhe?

    Que é isto?? A reinarem comigo? Vai já levar resposta.

    Travei. Dei a volta e reparei que era um homem já de bastante idade. Vou já entrar com ele.

    Então compadre à fresca do chaparro?? – Olha um do norte a chamar me compadre!!? Respondeu-me. Sente-se aqui à sombra que isto está ao contrário. Estou tramado, não entendi nada!!. Questiono. Voltado ao contrário?? Sim compadre, está um braseiro nunca visto, refresque-se um pouco. Indicou-me um garrafão todo empalhado que levaria 3 litros.

    Agradeci. Vem mesmo a calhar. Água fresquinha. Tirei-lhe a rolha. Aqui vai disto. Uma, duas, três goladas. Reparo no compadre de olhos arregalados a olhar para mim. Parei e pensei: Já fiz asneira!!!

    Está fresquinho e é do bom. Gostou? Não lhe respondi logo. Deitei um pingo para a mão e, logo vi, era vinho. Fitei-o. Indiquei a minha cicatriz. Por causa disto fiquei sem paladar. Olhou para mim. – Está bem compadre!! . Essa está boa. Nunca tinha ouvido igual. Já tenho com que me desculpar. E desatou a rir em altas gargalhadas. Gargalhadas contagiantes. Comecei por sorrir e depois também a rir só de o ouvir.

    Falou-me da sua vida e eu da minha. Pediu-me para dar mais um golo antes de me despedir.

    Compadre Cipriano até um dia destes. – Não. Já não estarei por cá. Um filho que emigrou para a Suíça vai-me pôr num lar.

    Subi para a bicicleta e levantei a mão. Sorri. Que tarde animada ele teve. Um tipo que andava atrás de um asno. Bebi-lhe quase todo o vinho de uma golada.

    Com o calor que estava na estrada, o ASNO seria eu.

    Por: Manuel Fernandes

     

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