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    Arquivo: Edição de 30-06-2018

    SECÇÃO: História


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    A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL TEM CEM ANOS (34)

    Fábricas de armas portuguesas ao serviço da Guerra

    O direto envolvimento de Portugal na primeira Guerra Mundial, ainda antes de se fazer com homens na Frente Ocidental, fez-se também com armamento e munições produzidas em Portugal e enviadas para os diferentes palcos da Guerra. Várias vezes, a imprensa portuguesa trouxe o tema à ribalta. Damos, a título de exemplo, a primeira página do jornal "O Século", de 8 de agosto de 1917, onde se publicava uma foto em que se viam dezenas de "varinas" transportando, à cabeça, granadas produzidas nas fábricas militares portuguesas. Também a "Ilustração Portuguesa" há cem anos (edição de 3 de junho de 1918), publicava duas fotos alusivas à fábrica de munições de Arroios, que aqui reproduzimos, onde trabalhavam homens, mulheres e crianças. Mas hoje pode ficar a conhecer outra unidade produtora de armamento nacional daquele tempo - a Empresa Industrial Portuguesa.

    A Primeira Grande Guerra para além de absorver uma enorme quantidade de homens, provenientes de todos os países diretamente envolvidos, atraiu um grande manancial de armamento de todas as qualidades, tamanhos, preços e origens. Portugal, país diretamente envolvido neste conflito, também esteve associado à produção e fornecimento de armas para a Primeira Guerra Mundial.

    No início do período republicano o órgão responsável pelas indústrias militares era a Direção do Arsenal do Exército, que contava com dois estabelecimentos, a Fábrica de Pólvora Negra e a Fábrica de Material de Guerra. Em 1912 a Fábrica de Armas de Santa Clara passou os seus equipamentos de fabrico e reparação de armas para Braço de Prata, continuando a fabricar munições, equipamentos e arreios.

    Com o despoletar da Primeira Grande Guerra, no verão de 1914, surgiram novas necessidades de material de guerra e, logo em outubro de 1914, os nossos aliados britânicos pediram a Portugal 20.000 Mauser-Vergueiro e 20 milhões de cartuchos. O pedido foi aceite, mas só foi possível enviar 12 milhões de cartuchos.

    Em 1917, Portugal tinha as suas fábricas a produzir material de guerra para os Aliados. Mas nem tudo corria bem, em termos empresariais, neste ramo. No final de 1917 foi notícia a dissolução da Empresa Industrial Portuguesa, que então era constituída por grandes fábricas e considerada a maior empresa industrial do país e uma das maiores da Península Ibérica, para se tornar propriedade de um privado, o republicano Francisco da Silva Sampaio Pombinha.

    "A ILUSTRAÇÃO PORTUGUESA", DE 3 DE JUNHO DE 1918, PUBLICAVA ESTAS DUAS FOTOGRAFIAS SOBRE UMA FÁBRICA DE MUNIÇÕES, QUE OPERAVA EM ARROIOS. NA PRIMEIRA PODE VER-SE QUE NELA TRABALHAVAM HOMENS, MULHERES E CRIANÇAS
    "A ILUSTRAÇÃO PORTUGUESA", DE 3 DE JUNHO DE 1918, PUBLICAVA ESTAS DUAS FOTOGRAFIAS SOBRE UMA FÁBRICA DE MUNIÇÕES, QUE OPERAVA EM ARROIOS. NA PRIMEIRA PODE VER-SE QUE NELA TRABALHAVAM HOMENS, MULHERES E CRIANÇAS
    A notícia surgiu em toda a imprensa portuguesa. No diário republicano "A Manhã" foi dada à estampa na primeira página, da edição n.º 270, de 1 de dezembro de 1917, sob o título "Entre o ferro e o fogo / A Empresa Industrial Portuguesa cessa e as suas grandes fabricas passam a um único explorador / 300 granadas por hora para os aliados".

    Os jornalistas daquele matutino visitaram aquela fábrica, localizada em Santo Amaro, nos finais de novembro de 1917, logo após a mudança de proprietário. Registaram, assim, as primeiras sensações: "sentiamos o resfolgar das maquinas, atordoava-nos o ruido infernal, o movimento doido, a vida exagerada, para nós desconhecida, de tudo aquilo que nos passava em redor."

    Mais adiante, os repórteres de "A Manhã" encontram, afixada, uma "Ordem de Serviço", datada de 29 de novembro de 1917, que explica as recentes mudanças ocorridas naquela unidade de produção:

    "Cessa a laboração por conta da Empresa e continuação da mesma por conta do sr. Francisco da Silva Sampaio Pombinha.

    - Os corpos gerentes e accionistas da Empresa, achando-se imensamente desgostosos com os consecutivos prejuizos anuais…, etc., etc., deliberaram cessar desde a presente data a exploração…

    (…) resolveram os corpos gerentes que se aceitasse a proposta do sr. Francisco da Silva Sampaio Pombinha para a exploração das fabricas de Santo Amaro. Nesta conformidade e nos termos do respectivo contrato que acaba de ser assinado, previne-se todo o pessoal que a começar de hoje a exploração das fabricas da Empresa passa a ser feita por aquele senhor, a quem já foram entregues todos os edificios, maquinismo, utensílios…, etc… - (aa) Luis Ferreira da Silva Viana, F. E. de Serpa".

    O novo industrial declarava, pouco depois, aos jornalistas o seu objetivo: "-Vou dedicar-me a esta obra enorme, que eu sinto de espantosas responsabilidades, com todo o ardor da minha mocidade e da minha alma. Farei disto uma coisa digna de Portugal. Trata-se de uma grande batalha, e vencê-la-hei…".

    Prosseguindo na visita à fábrica os jornalistas surpreendiam-se a cada passo: "- Mas isto é espantoso! Como adivinhar que em Portugal já havia uma industria montada assim com tamanho poder! / Passámos pelas salas do expediente, pelas casas das maquinas reparadoras e de construção, labirinto medonho, onde o ruido unisono de dezenas de monstros de ferro e aço, enormes, potentosos, ligados a veios monumentais por correias vertiginosas, tudo trabalhando quasi ao mesmo tempo, parece que propositadamente para nos atormentar, punha uma nota de indiscutível, de prodigiosa vida. Curvados, dezenas de operários, que mal nos viam passar, que não nos sentiam mesmo, afogavam o olhar ansiedado nos complicados engenhos. Entrámos na casa dos tornos, onde maquinismos complicados, falando em roncos, aterram a poderosa, quasi miraculosa imaginação do ignorado autor, e passámos a ver de corrida, já na febre, quasi na alucinação, tontos, mas tontos! (…) á casa dos chefes modelos, onde milhões, não milhares, de peças de todos os tamanhos, de todos os tipos, atestam os 43 anos de prodigiosa actividade daquela grande casa, já importantíssima, e que agora, sob o influxo dominador daquele homem sobrio, de poucas palavras, gelado quasi, que nos acompanhava, vai entrar no campo das rialidades da industria e honrar, dignificar Portugal. / De súbito, porém, estacámos. Iamos a entrar num pateo. Visão fantástica, como a de um "film". Que é isto? Olhamo-nos. Á roda de nós milhares de granadas de 75, de 95, de 115, de 155 erguem-se espantosas por todos os lados, umas brilhantes, luminosas, outras em bruto, todas em filas enormes, como num campo de aprovisionamento, na véspera de batalha. E ao fundo as oficinas de forja, onde grandes linguas de fogo, incandescências, ferro em braza, lumareus, piras incendiadas davam áquilo tudo uma visão de morte, uma visão de guerra. (…) - Trabalhamos febrilmente para os aliados. Dentro de pouco tempo, nesta fabrica e na outra de Alcantara, que eu proprio ergui e dirijo - refere Francisco Pombinha - faremos 3:000 granadas por dia! (…) Trezentos destes monstros, que custam 20$00 cada um, em cada hora que passa".

    Nesta fábrica, que ocupava uma área de 22 mil metros quadrados, trabalhava um operário-mestre que colheu formação nesta arte em várias nações estrangeiras, nomeadamente na Bélgica, França e Alemanha. Foi ele que acompanhou os jornalistas de "A Manhã", na fase final desta visita à fábrica: "-Corri tudo por essas terras do estrangeiro. Há lá grandes coisas! O que os senhores estão a ver muito perto já está nas fabricas de Liege e do Creusot. E no futuro, com os planos que me acabam de ser confiados… / Calou-se. Entendemos. Estamos agora debaixo de medonhas pontes enormes, chamadas "pontes mantes" movidas por electricidade. São verdadeiros ciclopes, titans, pontes que giram com a velocidade de um carro por sobre as nossas cabeças e deslocam molas de ferro e aço de oito e seis mil quilogramas. Chega a ser fantástico, aquilo. Mete medo. Parece que desaba tudo (…).

    Presenciamos a "usinagem" das granadas e dos obuses, que dentro em pouco passarão pelas mãos de 400 mulheres; olhamos os modelos maravilhosos, milagres da balística, e, alfim, cançados, extenuados, entramos numa oficina enorme, que parece não ter fim, onde tudo é fogo, outra vez braseiro, lava incandescente, Vesuvios permanentes, numa especie de inferno onde passam, como sombras, operarios que domam, quasi como deuses, o ferro e o aço luminoso, que já nos arde cá dentro, e queima, e revolve, e asfixia quanto mais nos aproximamos dos fornos, das caldeiras, das rodas que em velocidades salpicam estrelas, ainda astros, ainda soes, no sobrenatural incendio fantástico que tudo aquilo vai sendo. (…)."

    E a visita prossegue, e a reportagem também, com a descrição dos jornalistas surpreendidos com tudo aquilo que viram e que há cem anos era o que de mais moderno havia na fabricação de munições militares em Portugal.

    Por: Manuel Augusto Dias

     

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