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    Arquivo: Edição de 30-06-2017

    SECÇÃO: História


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    A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL TEM CEM ANOS (27)

    Recordando o capitão expedicionário Augusto Casimiro dos Santos

    Hoje recordamos um oficial que serviu Portugal na 1.ª Grande Guerra, o capitão Augusto Casimiro dos Santos, que foi militar, jornalista, escritor e político. Nasceu em Amarante, há 128 anos, feitos no passado dia 11 de maio. Na cidade do Tâmega frequentou os primeiros estudos, até que aos 16 anos, escolheu a carreira militar, assentando praça, como voluntário, no Regimento de Infantaria, em Coimbra.

    Na cidade do Mondego, frequentaria os estudos universitários e, depois, o Curso de Infantaria da Escola do Exército, de que saiu graduado em 1909, com 20 anos.

    Cedo, porém, revelou dotes como poeta e cronista, estreando-se na arte da escrita em 1906 (aos 17 anos), iniciando, desde então, a sua colaboração na imprensa periódica na década de 1910. Foi nesta altura do triunfo da revolução republicana que aderiu convictamente aos ideais do novo regime político.

    Entretanto, surge a 1.ª Guerra Mundial e Augusto Casimiro, como tenente, recebe ordem de marcha para a Frente da Flandres Francesa, embarcando em Lisboa, no dia 22 de fevereiro de 1917. Quando se deu a sua mobilização para a Flandres, já era casado com Judith Cortezão Casimiro, residindo em Coimbra (S. João do Campo). Evidenciou grandes qualidades como militar, tendo sido agraciado e condecorado, pelas autoridades portuguesas e estrangeiras.

    Foi condecorado com a Cruz de Guerra, Torre de Espada, Ordem de Cristo, medalha de Ouro de Bons Serviços, Legião de Honra, Ordem de Avis e Ordem de Santiago. Além destas condecorações, no seu processo do CEP constam as seguintes: Junho de 1918 - "Condecorado com a medalha militar de prata, da classe de comportamento exemplar"; maio de 1919 - "Agraciado por S. Magestade o Rei de Inglaterra, com a Militar Cross, é-lhe permitido, em conformidade com o dispôsto na ultima parte do n.º 3.º do artg.º 3.º da Constituição Politica da Republica Portugueza, aceitar a referida mercê, e usar da respectiva insígnia". Ainda durante o conflito seria promovido a capitão por despacho de 29 de setembro de 1917, sendo colocado no Estado Maior de Infantaria, Batalhão de Infantaria n.º 23, em 29 de outubro. Regressou a Lisboa, vindo por terra, no dia 26 de junho de 1919.

    Depois da Guerra lecionou no Colégio Militar e desempenhou cargos políticos em Angola, na dependência direta de Norton de Matos, chegando mesmo a Governador interino daquela colónia portuguesa. Depois do 28 de Maio de 1926 esteve sempre ao lado da oposição democrática ao regime, chegando a ser demitido do exército, depois de ter participado na Revolta da Madeira, em 1931, e a ser preso. Aderiu ao MUD e foi um dos apoiantes de Norton de Matos à presidência da República.

    AUGUSTO CASIMIRO (1889-1967)
    AUGUSTO CASIMIRO (1889-1967)
    Em termos literários, escreveu em diversos jornais e revistas, tendo sido, por exemplo, cofundador da revista "Águia" e dirigente e redator da revista "Seara Nova" (entre 1961 e 1967). Recorde-se que o lançamento desta importante revista foi precedido de algumas reuniões, tendo sido uma das mais importantes a que ocorreu em abril de 1921, em Coimbrão (Leiria). É também autor de muitas publicações, algumas ligadas à Guerra, como "Nas Trincheiras da Flandres", donde transcrevemos a carta que escreveu ao seu ordenança (António Possinha) e que intitulou: "Noite de Chuva", publicada no seu livro "Nas Trincheiras da Flandres", 1917, 1.ª edição.

    "A CHUVA cai, sem descanso, contínua, esboroando os taludes, inundando as trincheiras... Do céu sujo e sombrio desce uma tristeza que desmoraliza tantos, nesta miséria da lama que nos cobre, se cola ao nosso corpo e nos cerca e nos cinje...

    Noites em que os canhões se calam e as metralhadoras escutam, vigiando... A luz dum very light a paisagem acorda...

    Terra de Ninguém, cemitério e calvário, pasmada e num espanto!... Árvores crucificadas, ruinas, covas, escombros!...

    E a chuva caindo, a névoa de chuva infatigável...

    A trincheira de comunicação está cheia de água, e quem se aventura nela tem de esperar que o arranquem à prisão da lama, essa lama espessa em que às vezes há sangue... De modo que o oficial meteu pela velha estrada triste que os dois parapeitos inimigos cortam e as balas boches varrem de quando em quando... E é ainda a lama, a água por toda a parte, as crateras das explosões hiantes, alucinadas a cada clarão, faces de desespero que logo a sombra envolve, gritos que a mão da noite prende, sufoca, numa boca em desespero.

    E o oficial avança seguido pelas ordenanças que o acompanham sempre, nas rondas através da noite em que passam, sibilando, as balas perdidas...

    Vão silenciosos, aqueles três homens. Um pensa, enamorado duma bela Morte, na estupidez inglória duma bala que o tombasse ali... E os soldados pensam... Um deles tem uma filha pequenina que adora... O outro tem vinte e dois anos e uma noiva talvez...

    Aqueles homens, patinhando na lama, tenteando os passos para não cair, silenciosos, avançam.

    E do repente, cortando a noite, cada vez mais viva, uma rajada de balas vera sobre êles. É a ronda de Morte que passa pela estrada miserável, povoada de morte e receios...

    Em frente, na linha boche, sobre a estrada triste, a metralhadora gargalha insultos... E não há um parapeito... A cortadura mais próxima mal se distingue na sombra... Os três homens, miserávelmente, sob o açoite brutal, cairam sobre a lama... E as balas demoraram sobre êles a canção de ameaças... Moços os três, fraternalmente riam... Eram irmãos, iguais…

    Depois o silêncio fez-se de novo, um silêncio opressivo.

    E vieram de novo as balas numa ronda e sobre a lama os três corpos tombaram de novo, rindo...

    O mais novo, cerrando os maxilares sôbre a gargalhada nervosa, gritou um insulto... E o boche calou-se.

    1.ª linha... Adivinham-se no parapeito as silhuetas dos que velam... Há quatro dias que eles são lá sob a chuva infindável, quatro noites longas, noites que os olhos rasgam, violam, atentos, iluminando-as como chamas que são a alma daquela gente ardendo...

    De vez em quando um morteiro vem... Ouvimo-lo que parte, seguimos-lhe a trajectória que uma pequena cauda luminosa atraiçoa, - e no ponto mais alto, - porque um morteiro é um parente próximo e lhe conhecemos os hábitos, - decidimos do destino que traz... Este - para o cemitério dos morteiros, vasto campo retalhado e cavado à rectaguarda... Aquele para a direita, - para a esquerda, este outro... - Respiramos... E agora... Eh! rapazes, cuidado! É sobre nós que vem... Um segundo, dois, três segundos... e, num ruído do foguetão, resfolegando, ei-lo que chega... Broum!...

    Contra os taludes dos traveses, de rojos sobre os fundos de trincheira, incertos ainda da integridade do nosso corpo, deixamos passar a onda... É o ar que fustiga, os estilhaços zumbindo, a terra erguida ao alto que cai de novo, lenta, sôbre nós, - lama, água, poeira líquida.

    E quando nos erguemos de novo... Pam!...

    Outro que vem... A scena repetida, as mesmas palavras, o mesmo gesto, o mesmo dito nervosamente pronunciado, rindo um sorriso que mal trai a tensão dos nervos...

    As palavras são brancas!.. Olhamo-nos sorrindo, fraternalmente...

    É a morte, a miséria, a lama, que revelam melhor a fraternidade do sangue e das almas...

    O oficial percorre o parapeito... Os seus rapazes estão sob a chuva que é pior que a metralha, junto aos taludes que se diluem em lama, penetrados até aos ossos, fatigados nas noites brancas, mas inabaláveis, serenos...

    Num abrigo, perto, um cadáver, olhar vítreo, num espanto, espera... A Morte é na primeira linha... E eu vou para aquelas almas, dar-lhes o conforto duma palavra amiga, forte de ser ali, orgulhoso de andar à beira deles que sofrem mais do que eu.

    - Posto n.° 2! Que há de novo?

    - "Uma metralhadora deles tem estado a cortar, toda a santa noite, o parapeito... Caíram há bocado, para aí, sete morteiros... O 146 foi para o posto de socorros... Nada de novo!..."

    E uma voz dôce de emoção, brotando... "Lá se foi o Penetra... Um estilhaço no coração... Tam bom rapaz!..."

    O militar, escritor e político, Augusto Casimiro dos Santos, faleceu em Lisboa, no dia 23 de Setembro de 1967, com 78 anos.

    Por: Manuel Augusto Dias

     

     

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