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    Arquivo: Edição de 12-07-2014

    SECÇÃO: Crónicas


    CRÓNICAS DE LISBOA

    O nacional-futebolês

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    Entre a I Grande Guerra e a segunda, o tempo foi, historicamente, insignificante, mas posteriormente à assinatura da paz na segunda, a ameaça de nova guerra foi pairando sobre a Europa e não só, até porque se formaram blocos, emergindo a Guerra Fria, cujo medo recíproco por uma nova guerra mundial foi mantendo a paz até aos nossos dias, embora nunca tenha deixado de haver guerras locais ou regionais. Mas porque recordo aqui estes factos negros na história da humanidade, em tempo de mundial de futebol? Porque as “guerras” e as “batalhas” entre as nações estão agora organizadas em torno do desporto, essencialmente no futebol. Nelas os “guerreiros” e os “exércitos” são agora os jogadores e as equipas. As batalhas e as guerras são agora os jogos e os campeonatos e na cúpula desta “organização militar”, perdão, futebolística, está uma super potência chamada FIFA, cujo poder ultrapassa as leis dos próprios países (mais de duzentas federações nacionais de outros tantos países). Paradoxalmente, é sob a égide da “guerras” da FIFA, leia-se, campeonatos do mundo, que alguns países beligerantes ou vizinhos em conflito, participam em “batalhas futebolísticas” (jogos). Nem a ONU consegue essa proeza, por exemplo, juntar num jogo de futebol a Palestina vs Israel ou as duas Coreias (norte vs sul). A FIFA consegue essas “tréguas de paz”, tal como no passado as cidades-Estado da Grécia o conseguiam nos Jogos Olímpicos dessa era. A bandeira nacional e o hino de cada país passaram a assumir, nos jogos, um papel que antes não tinham e a que os políticos dão relevo com a sua presença nessas “batalhas”. Porquê tudo isso num jogo de futebol?

    Felizmente para a humanidade, exceção para os povos afetados pelas guerras regionais (Síria, Ucrânia, Iraque, Afeganistão, etc.), as rivalidades e, acima de tudo, os regionalismos e os nacionalismos assentam agora em torno das equipas de futebol cujos “mortos e feridos”, salvo raras exceções, não ocorrem. Em muitas, o fanatismo é exagerado e perigoso, mas as forças de segurança envolvidas em torno dum jogo de futebol, por vezes parecendo um moderno exército “armado até ao dentes”, vai evitando verdadeiras batalhas campais, dentro ou fora dos estádios, até porque os “terroristas” movem-se em torno das manifestações de massas. Felizmente que também há muita festa, os que se louva.

    O crescimento destes nacionalismos/regionalismos e fanatismos é fortemente fomentado pela imprensa, principalmente as televisões, e são muitos os canais que debruçam largas horas em torno dum jogo de futebol, e exploram até ao limite a euforia dos cidadãos, mesmo aqueles que pouco ou nada sabem sobre o futebol. É a nação que vai à guerra. O marketing também se aproveita destes eventos para fazer negócios, explorando bem a manipulação das massas, pelo que a histeria coletiva raia o irracional e o absurdo.

    No caso português, só o futebol, antes ou depois das “batalhas” ou após as vitórias, consegue gerar tanto entusiasmo e nacionalismo junto dos cidadãos. Mas se a derrota acontece, logo esse entusiasmo e euforia cai a pique e passar da euforia ao desânimo e ao pessimismo e derrotismo está à distância duma bola que bate na trave e não entra ou dos “tiros” (golos) com que os “inimigos” nos derrotaram.

    Sou um apaixonado e apreciador do futebol, tal como do desporto em geral, mas, acima de tudo, procuro ser racional e não embarcar em euforias sem “sustentabilidade”, porque no futebol as vitórias e o sucesso não caem do céu, apesar de, por vezes, surgirem os imprevistos, em que o “David vence o Golias”. Elas são a consequência das várias qualidades que uma equipa e o seu “staff” devem ter, tal como nas empresas, Estado, etc.. Nestas duas últimas décadas tivemos alguns bons “guerreiros” (futebolistas: Rui Costa, Figo, Ronaldo, etc.), mas raramente conseguimos fazer “exércitos” fortes (equipas), embora tenhamos conseguido relativos sucessos, o que nos faz(ia) crer que poderemos ombrear com as grandes potências futebolísticas do mundo. Ganhar à Alemanha e o Campeonato do Mundo? Por que não, pensaram milhões de portugueses, incluindo as elites da nossa praça. Pura utopia que faz lembrar a fábula da “rã que queria ser como a vaca”, pois além de sermos um país pequeno, a nossa cultura e prática desportiva é das mais baixas da Europa e e a “raça lusitana” há muito que entrou em crise. Ademais, a base de recrutamento (donde vêm os guerreiros) é ainda mais afetada pela prática dos nossos principais clubes, que recorrem à contratação de “mercenários” (jogadores estrangeiros) para construírem os seus “exércitos”, expulsando os jovens jogadores portugueses para campeonatos de menor dimensão do que o nosso ou levando-os à desistência da prática do futebol. Nestas situações, torna-se difícil formar uma equipa nacional forte, pelo que, na minha opinião, desapaixonada e realista, me leva afirmar que a nossa Seleção, bem como o universo em geral dos futebolistas portugueses é constituída por jogadores de mediana qualidade, com poucas exceções. Por outro lado, muitas federações internacionais recorrem, cada vez mais, à naturalizações de jogadores oriundos de outros países ou a filhos de imigrantes (ou emigrantes), reforçando os seus “exércitos” para se baterem contra “inimigos”, em defesa da pátria. Tal prática só tenuemente se tem seguido em Portugal, mas na equipa da Suíça, por exemplo, os seus jogadores têm origem em quase duas dezenas de países, mas que “lutam pela sua nação” até à exaustão e sem vedetismos. A juntar a tudo isto e por causa e ou efeito, as características dos nossos “guerreiros” é tipicamente portuguesa no seu pior. De facto, como podem eles ser diferentes da “massa” que os gerou e dos dirigentes que tão má figura vão dando, por exemplo, nas recentes eleições na Liga Profissional de Futebol? "No futebol, o pior cego é aquele que só vê a bola".

    Por: Serafim Marques

     

     

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