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    Arquivo: Edição de 21-10-2013

    SECÇÃO: Crónicas


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    As aguarelas do Abílio

    Sexta-feira, 13 – um dia de superstição para uns, um dia normal para outros e um dia especial para tantos outros, e aqui incluo-me eu – convidada por amigos ia assistir ao lançamento do livro de um prestigiado pintor, Abílio Guimarães. Este evento teve lugar na Casa do Infante, um espaço carregado de misticismo de um passado na “mui nobre e invicta cidade do Porto”. Um edifício que foi sumptuosamente restaurado e mantido na sua traça original, verificando-se que a recuperação e conjugação de materiais utilizados são de um bom gosto tal que não chocam de forma nenhuma com o passado que está lá, respeitado na sua traça original. O livro e a exposição faziam parte do programa organizado pela Irmandade dos Clérigos e que pretendia celebrar os 250 anos da emblemática Torre dos Clérigos, a majestosa obra que Nicolau Nazoni deixou como marco histórico nesta cidade e a mesma que, quando avistada de bem longe, nos faz sentir que “já chegamos ao Porto”.

    O livro tinha escrito na sua capa “Autenticidades” e teria tudo a ver com ele: autêntico, genuíno e simples, conforme iam desfiando os seus “traços de autor”. Ao nível do evento e coadjuvando estas características do homem que era e também artista, fomos presenteados com um interlúdio musical feito por amigos, professores de uma escola de Gaia que tocavam Rui Veloso. De seguida é o prestigiado Prof. Hélder Pacheco que chama a si a responsabilidade de falar sobre o homem e a obra de Abílio Guimarães e começa por fazer uma alusão a Astor Piazzola, o músico que se atreveu a desafiar o “timbre instituído para o tango argentino”, introduzindo-lhe uma componente especial e única – o toque que um público, na sua altura jovem e ligado a uma área mais intelectual da sociedade, interiorizou e adotou, de tal forma que fez com que este músico se tornasse num ícone da “música contemporânea da cidade de Buenos Aires”, conforme gostava de se identificar. Realmente tinha tudo a ver porque, contrapondo a humildade de Abílio Guimarães, posteriormente veio em reforço a sua filha Susana que nos recitou, em poema, tudo aquilo que o seu pai representa e que ficava retratado em pinceladas de aguarelas, também elas, de traço único.

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    Ouvi chamar-lhe “O Último dos Moicanos” porque além de o considerarem um lutador solitário, diziam ser o representante de um carácter em extinção pelas características que lhe reconhecem desde sempre: perseverança, tenacidade, luta, fidelidade e o facto de ser um amigo do seu amigo. Quando foi o seu tempo de falar, este artista e autor explicou-nos porque não conseguia ser de outra forma – cresceu no “Bairro do Herculano”, que lhe moldou em muito o seu carácter. É mais do que compreensível se tivermos em linha de conta que neste bairro (que o tempo ainda preserva e se calhar alargado também aos outros bairros ainda existentes), mantém-se uma “cultura” muito própria – pessoas que confiam umas nas outras, os tais “amigos do seu amigo” que convivem de portas abertas, que se apoiam mutuamente e que no S. João rivalizam com os outros bairros na construção da sua cascata e promovem as suas festividades com a sardinhada coletiva onde todos têm lugar. Mantêm o amor das suas gentes neste cantinho da cidade do Porto onde muitos nasceram, onde cresceram e de onde querem partir quando morrerem.

    Com dificuldade em escolher as palavras certas e emocionado porque via uma sala que se tornou pequena para que coubesse tanta gente que se lhe quis juntar neste dia especial, este homem, a uma dada altura queria abraçar todos e representou isso num gesto tão profundo que estou certa todos couberam lá e sentiram ter lugar cativo no seu coração de amigo. A família, sempre a família, lá tiveram lugar de honra e destaque no seu discurso, simples como ele. Compreendi-o muito bem quando enalteceu os amigos, aqueles que foram imprescindíveis para que superasse momentos de desânimo, próprio dos artistas solitários que, neste caso específico, escolhem um pincel para retratarem os seus percursos de vida, suavizados ou avivados por cores dispersas numa palete de tintas, cuja cor escolhem no momento e ao sabor do sentimento de um “tempo sem alma”, conforme ouvi ser referido. Quando se passou à inauguração da sua exposição de pintura não era difícil perceber através dos seus quadros que efetivamente era um homem singelo, que pintava com o coração e a sua vida estava mesmo retratada naquelas 50 telas que escolheu para nos surpreender.

    Eu assumo-me como uma pessoa que entende que não temos que ser exímios a saber de tudo e nem sequer será isso que nos fará incompletos em relação a ninguém, muito pelo contrário – são as diferenças que promovem a multiculturalidade, que enche a vida de cor e graça em domínios diferentes e tão necessários, porque se complementam. Foi este facto que me levou a socorrer-me da ajuda preciosa dos amigos que me proporcionaram este momento inolvidável e me dão a conhecer alguns dos conteúdos importantes do livro “Autenticidades”, em textos que foram escritos por admiradores deste artista e da sua obra, citando: o já falecido pintor Júlio Resende, ex-governantes (Valente de Oliveira, Rui Rio, Luís Filipe Menezes, Hermínio Loureiro), representantes do nosso corpo diplomático (embaixador Júlio Mascarenhas e Sérgio Ferreira), pessoas de relevo na cultura nacional na área das artes & letras (Hélder Pacheco, Germano Silva, Mário Dorminsky, Magalhães Mendes), jornalistas e apresentadores da TV (Sónia Araújo, Carlos Daniel, Nicolau de Melo, Orlando Dias Agudo, Jorge Gabriel, Aníbal Araújo, Rui Romano, Sérgio Mourão), entre tantos outros que, não menos importantes, somente a limitação de texto impedem continuar a citar.

    De tudo o que vi e aprendi neste serão de uma sexta-feira, 13, falta-me registar o que me ficou retido na memória e não havia tela nem objetiva de máquina fotográfica que captasse: o olhar delicioso que o artista e agora escritor lançou à sua Rosa, a sua companheira de toda uma vida, tal como a identificou e que disse estar bonita, como sempre, tal como as rosas vermelhas que lhe ofereceu. Também, digno de registo foi ver o seu olhar humano e extasiado que lançava sobre uma sala cheia de gente bonita que, atentamente, ouvia ler pequenos excertos de conteúdos do seu livro. Sentia entre si a magia destes momentos comungados entre todos que o conheciam, que com ele privavam e que o admiravam, inclusive o “trio maravilha”, que ao som de um piano, de um saxofone e de uma viola enriqueciam este acontecimento com um timbre do Norte, que tocaram (e bem), a alma de toda uma plateia que, para além de admiradores tinha como denominador comum um outro nome – amigos e… tantos, a grande “arte das artes” construída ao longo do percurso da vida de um pintor de aguarelas, que se chama Abílio Guimarães.

    Por: Glória Leitão

     

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