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    Arquivo: Edição de 30-06-2013

    SECÇÃO: Crónicas


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    Diseurs

    Ouvir intervenções de comentadores na forma tão exaustiva a que temos assistido através dos “mídia” começa a desgastar pelo seu conteúdo retórico e centrado à volta do mesmo. Na sua técnica de expressão e ênfase fazem lembrar o desempenho dos “diseurs” só que, ao contrário da poesia (que é a área nobre desta mestria de se “saber dizer”), os discursos que se vão ouvindo, por mais inflamados que sejam, já não mexem com as pessoas que estão descrentes e céticas em relação ao futuro. Fui-me dando conta de que ouvimos, ouvimos, concordamos ou discordamos, e depois? O que fazemos com isso? A tendência é “irmos na onda” e deixarmo-nos invadir pelo desânimo, ainda mais que ouvimos coisas graves e, mais grave ainda, porque não são desmentidas. Isso cada vez mais vai transparecendo nos rostos das nossas gentes, que já encolhem os ombros e viram as costas.

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    Precisei de contrariar esse efeito (tal como toda a gente, também eu preciso de motivos que me façam acreditar que vale a pena levantar e sair pela porta ao raiar do dia). Eliminei “ruídos” e decidi continuar na procura daquilo que está na minha competência poder fazer, fazendo. Para isso preciso de respostas de quem tem saberes que eu não tenho.

    Surgiu-me a oportunidade de poder perguntar a uma dessas pessoa do “saber” sobre as suas expetativas para o futuro do nosso país e o que considerava ser útil mudar. Recebi uma resposta, à altura do desafio, ainda mais que me deu para pensar e repensar e isto porque tinham passado oito anos sobre um texto que li, e infelizmente quem o escreveu não se enganou nas “projeções” que fez de forma sagaz e pertinente. Essa pessoa estava atenta, sim senhor, o que não aconteceu com a maioria de um país que se foi deixando “afunilar” para caminhos previamente definidos pelos tais “senhores dos dígitos”. Efetivamente ninguém se tinha dado conta disso até aparecer o “maremoto” que, na primeira enxurrada, levou os mais frágeis, e com o agigantar da onda começou a atingir patamares que pouca gente está a deixar a salvo. É efetivamente agora, em cima do fio da navalha que nos prende com notícias que nos dão conta da importância dos cálculos e das fórmulas das folhas de cálculo, a grelha que representamos com um sinal +/- . Claro que o “profeta” que estava por vir era o que tinha a ciência das matemáticas e nos veio acabar com a festa.

    Estávamos habituados a ouvir discursos, pensando que as pessoas que nos iam “dizendo coisas bonitas”, também iam “fazendo” as coisas por nós, mas agora dizem-nos que fomos nós que “não fizemos os trabalhos de casa” - estamos num país falido e até as promessas entraram em crise porque a “lei da compensação” também já não resulta: encolheu a nossa manta de retalhos. A reflexão que li conduziu-me intuitivamente a uma pessoa que adorava ouvir na televisão, nas suas “Conversas Vadias” - o Professor Agostinho da Silva, um homem de diálogo aberto que, de forma natural desmontava certezas. Não era galã, nem teatralmente formatado, não vestia YSL, nem Armani, mas era um filósofo que se vestia de saber, que se vestia de gente. Gostei da sua reflexão sobre as pessoas que estão no topo da linha de comando dos países: «Os políticos, em lugar de se ajudarem entre si e uns aos outros nesta tarefa difícil que é administrarem um país, em que se tem ao mesmo tempo que olhar o presente com todo o cuidado objetivo, e ter a maior confiança no que se pode concretizar de futuro, em lugar de os políticos se ajudarem uns aos outros, se auxiliarem, a realmente levar essa tarefa por diante, tantas vezes se entretêm, em todos os países, a lutar uns com os outros, a desacreditarem-se uns aos outros, como se isso pudesse fazer avançar seja o que for.»

    A História diz-nos que o destino das nações e dos seus povos quase sempre esteve em mãos dos poderes políticos e será impossível desmontar essa realidade. Ser político é uma profissão que honra qualquer um e eu não me dou sequer à veleidade de pôr isso em causa, ainda mais que tenho a honra de conhecer e ser amiga de pessoas de muito valor nesta profissão e que trabalham de forma afincada pela defesa das suas ideias, mesmo ao serviço de ideais diferentes entre si. Contudo, o descrédito e o desgaste da imagem do político também a si se devem. Infelizmente passa ainda a ideia de que isso já pouco estará a importar (daí surgirem, se calhar, os “independentes”). Tudo se estará a transferir para uma linguagem tecnocrata, ao serviço da política, ao serviço de elevados interesses que se levantam e cada um terá a sua própria escala de valores, que muitas vezes não é a mesma que passa nas mensagens “às massas”. Agostinho da Silva pensava assim no seu tempo. Em pleno século XXI um povo inteiro, de nações inteiras, começam a dar-se conta do quanto está de mãos atadas e com um futuro à espera de nada, conforme vi retratado no quadro de Cândido Portinari - os “Retirantes”, o rosto dos mais frágeis e que agora não têm como se retirar para lugar nenhum, levando às costas a pesada carga da sua culpa e da culpa dos outros.

    Este Professor, Português e um dos principais intelectuais do Séc. XX, não se esqueceu de nos deixar uma mensagem - «O que quero de todos os portugueses é o seguinte: sejam curiosos; e que a organização em sociedade possa ser de tal maneira que eles possam satisfazer essa curiosidade completamente. E não para ganhar dinheiro, não para fazer figura, nem para ganhar cargo, mas para ser plenamente aquilo que é. Alguma coisa que ele sinta que o está desenvolvendo na mensagem única que tem que dar do mundo, de maneira que a minha mensagem para qualquer aluno de qualquer escola é: faça favor de cuidar da sua mensagem e não da minha. A minha foi, é só para dizer «cuide da sua», porque essa é que tem importância. E a mensagem será vossa na medida em que for o mais diferente possível da minha, ou de qualquer outra. Senão, para quê duplicados no mundo? Não é preciso. Para isso é que inventaram os carimbos. Eu não sou um carimbo de ninguém». Agostinho da Silva era também um homem livre de todo o despojamento e parecia querer passar-nos outra mensagem: «Olha para o que eu digo e olha para o que eu faço».

    Em tempos de agora, terá chegado o momento de “agarrar” as palavras úteis, que nos foram sendo deixadas como “alertas” e que fomos deixando o vento levar? Isto porque “eles” (que agora são muitos) só estão a “dizer”. Depois, é preciso “encontrar o caminho”, “querer” e “fazer”. De que forma? Temos que descobrir, mas penso que, neste momento, não nos podemos dar ao luxo de perder tempo a olhar para o lado à espera que o outro comece primeiro ou, contar ainda que “encavalitados” às costas dos outros, sejam eles a fazer o trabalho por nós – é que, quanto a mim, esse tempo, também já acabou.

    Por: Glória Leitão

     

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