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    Arquivo: Edição de 18-03-2013

    SECÇÃO: Literatura


    A VOZ DAS PALAVRAS

    “O Varandim seguido de Ocaso em Carvangel”

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    O último livro de Mário de Carvalho, “O Varandim seguido de Ocaso em Carvangel”, editado em setembro de 2012, marca a entrada do autor no catálogo da Porto Editora (que se dedicará a reeditar toda a sua obra). Mário de Carvalho tem praticamente toda a sua obra, desde "Contos da Sétima Esfera", publicada pela Editorial Caminho, à exceção de "Quando o diabo reza", editado em 2011 pela Tinta da China.

    A prisão do seu pai pela PIDE foi um choque duríssimo, que o levaria desde muito cedo à resistência contra o regime, tendo sido condenado a dois anos de cadeia e acabando por se exilar na Suécia quando tinha cumprido a maior parte da pena.

    Natural de Lisboa, advogado de profissão, a estreia de Mário de Carvalho nas letras portuguesas foi largamente saudado pela crítica. O crítico literário João Gaspar Simões afirmou a propósito de "Contos da Sétima Esfera" (1981) que era «surpreendente, desconcertante, inclassificável na tradição portuguesa». Desde então, tem praticado diversos géneros literários – romance, novela, conto e teatro – percorrendo várias épocas e ambientes, sempre em edições sucessivas. É um escritor galardoado com os mais prestigiados prémios literários portugueses e grande parte da sua obra está inserida no Plano Nacional de Leitura. Em 1995 surge o romance satírico “Era Bom Que Trocássemos Umas Ideias sobre o Assunto” implantando o género a que o autor chamou “cronovelema” e que associa o humor à crítica aguda do quotidiano.

    Situadas em tempos históricos e espaços ficcionados, as narrativas de “O varandim” (72 páginas) e de “Ocaso em Carvangel” (136 páginas) deambulam pelo insólito das intemporais desventuras do real, com o escritor a incidir sobre desencontros amorosos, infundadas guerras político-religiosas e o sequioso espetáculo da crueldade que tanto encanta o homem. No centro da primeira novela está Zoltan, que aluga o varandim para ganhar dinheiro com a morte dos anarquistas, mas o seu prémio vai ser a destruição da casa e a morte dos filhos, pois os barris de cimento eram, afinal, de pólvora. Entre o grão-ducado da Svidânia e a cidade portuária de Carvangel, chibateiam-se anarquistas, ameaçam-se jesuítas, executam-se condenados por crimes de lesa-majestade, tomam-se pescadores numa ardente carnificina e, numa pacata casa de família, assiste-se ao desfilar da morte com a mais serena das tranquilidades: - «Diga lá, barão, há quanto tempo é que não emparedamos alguém?» (1), é apenas um dos guturais gritos que retumbam nesta “opereta com ecos de tragédia”, ironia e sarcasmo, escrita do princípio ao fim com a astuciosa imprevisibilidade que singulariza o autor. Em “Ocaso em Carvangel” temos de novo uma metáfora dos tempos atuais – nesta obra, Merkel é nome de um sargento – embora as personagens vivam um tempo antigo. Há uma cidade na qual os habitantes esperam a chegada de um navio com o nome de “Maria Speranza” e mesmo sem perceber se existe um grão-ducado ou um reino, todos os dias se enfrentam a vida e a morte, o bem e o mal, o poder e a solidão, o amor e o ódio. E perdura sempre aquela obsessão da ameaça: o grande canhão, esmagador, que nunca disparou nada.

    Mas, apesar do ambiente trágico, está sempre presente a elegante ironia de Mário de Carvalho, seja na descrição das situações narradas, seja nas pinceladas que dá sobre os seus personagens, uma galeria de gozo e arrepio. Duas novelas com registo de natureza histórico, mas onde tudo é inventado, desde os locais às personagens, num ambiente de opereta onde não faltam fardas e títulos, taberneiros, notários e gente de má vida. No fundo é também um livro sobre mulheres, especialmente a segunda novela, tem toda uma galeria de mulheres, que são ali incessantemente interrogadas num registo da opereta. Tem a ver também com a morte: há um sítio de onde não se regressa e há uma salvação que se calhar não chega.

    As duas novelas seguem caminhos opostos. Enquanto “O Varandim” se vai fechando cada vez mais, “Ocaso em Carvangel” termina na mais completa das aberturas, em mar alto, sem rumo, em busca de uma ilusão de liberdade que nunca se há-de cumprir.

    A leitura desta obra aconselha a que o leitor tenha diante de si um dicionário, a linguagem deste livro desperta palavras adormecidas, palavras que estão a cair em desuso. Mário de Carvalho é um escritor que quer um leitor que trabalhe.

    (1) Mário de Carvalho in “O Varandim seguido de Ocaso em Carvangel”, Porto Editora.

    (*) [email protected]

    Por: Ricardo Soares

     

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