Subscrever RSS Subscrever RSS
Edição de 31-03-2024
  • Edição Actual
  • Jornal Online

    Arquivo: Edição de 31-10-2012

    SECÇÃO: Crónicas


    Perdas e ganhos

    Foto ARQUIVO MANUEL VALDREZ
    Foto ARQUIVO MANUEL VALDREZ
    Um dia precisei de escrever uma história para a Ritinha, uma menina de 8 anos que se cruzou na minha vida e era já pequena guerreira, pois aprendia a viver com a realidade de ser diabética – perdia um bocadinho da sua saúde e ganhava a coragem que estava espelhada no brilho intenso dos seus olhos e também na sua determinação.

    Depois encontrava também o Joel, um jovem das minhas “terras do nunca” - perdia a sua mobilidade devido a um violento acidente e reaprendia a viver doutra forma com muita coragem espelhada nos seus olhos verdes. É percetível que são estes e muitos outros pequenos recortes de vida que me têm ajudado a fazer os TPC’s semanais, tal como aconteceu há dias, em que conheci uma senhora, com ar de menina apesar dos seus 42 anos, que tinha perdido o seu companheiro, fazendo dela uma viúva do nosso tempo. Precisou de abrigar-se no amor dos seus pais voltando para casa para ganhar forças e a coragem para voltar a começar tudo de novo, como tantos e infelizmente nunca como “tão poucos”.

    No final desse mesmo dia, uma família abria-me a porta e eu encontrava uns pais dececionados com um grande clube de futebol porque tinham dispensado o “desporto no feminino” – a sua equipa de basquetebol feminino, aquela onde jogava a sua filha e que era já uma equipa de competição e alto rendimento onde todas têm que dar tudo de si mesmas porque querem ser as melhores, como se pretende em quem joga. Percebi esta mágoa de pais, ainda mais que estes pertencem ao grupo dos que gostam de estar lá, ao lado da sua filha, apoiando-a nas vitórias e também nas derrotas.

    Defendiam a sua menina/mulher, porque se fosse um rapaz tinha ficado, como aconteceu na escolha desse clube – ficou somente com a equipa masculina para os representar na modalidade de basquetebol e este clube, grandioso na sua reputação, porque está no grupo “dos grandes”, não se teria dado conta do quanto perdeu: pessoas que nasceram a pensar “azul” e cresceram a amar esta cor, a mesma cor que se tornou também na sua deceção.

    Interiormente todos sabemos que tal como os homens também as mulheres são “rijas” e inteligentes, tenazes e resistentes ao calor e ao frio, à dor e à alegria e se calhar muitas vezes até aguentarão o sofrimento a dobrar pelo simples facto de terem uma sensibilidade muito própria das mulheres, ainda hoje hostilizadas por muitos e negligenciada a sua força por outros tantos que desafiam as suas capacidades de lutadoras, assistindo-se ainda a muita desigualdade e um desnível acentuado de direitos e garantias.

    Também nunca será minha intenção discutir decisões que nunca serão da minha competência avaliar mas o sentir, sim, é universal e um bocadinho de cada um, pois de uma forma ou de outra todos nós perdemos sempre alguém ou alguma coisa, insubstituíveis quase sempre, mas que nos devia forçar a refletir que tipo de relações isso nos trouxe como aprendizagem num passado e que possamos utilizar como uma “ferramenta útil” do nosso futuro.

    Tal como quase tudo na vida, esta deceção traduziu-se num ganho – a admiração e o respeito de mais uma família pelo CPN – Clube de Propaganda da Natação, localizado em Ermesinde, que apesar de toda a controvérsia e “mortes” anunciadas, tem feito tudo para se manter de pé, ultrapassando dificuldades e desafios, apoiado pelos seus sócios, pela autarquia e pela comunidade. No tempo que esta família terá perdido ao falar comigo extraí-lhe também eu um ganho - o motivo que precisava para fundamentar e registar por escrito a coragem deste clube, pelo facto de com muito esforço continuar a apoiar o desporto em diferentes modalidades e que o faz pertencer ao grupo dos “sobreviventes”.

    Também gostei de saber que o CPN exibe no seu vasto palmarés o facto de ter sido considerado o Clube do Ano no Setor Feminino pela ABP - Associação de Basquetebol do Porto, e acredito que para isto deve ter contribuído o facto de ser um clube que desde há muitos anos tem as portas abertas para jogadoras “no feminino”. Acredita nas “miúdas” e investe deixando-as praticar o seu basquetebol, competindo ao abrigo de um símbolo que ironicamente também tem o azul como cor, embora de pantone com tonalidade diferente.

    Ainda e sem se darem conta disso, as pessoas que se vão cruzando na minha vida vão permitindo que eu continue a voar através dos meus textos e tirando lições das minhas reflexões. Nesta, aprendi que se pensarmos com o coração, fazendo-lhe uma raiz quadrada com a razão, poderemos concluir que há perdas que se podem transformar em ganhos, fraquezas em forças e derrotas em conquistas – assim é com a vida, assim é com as pessoas.

    Por: Glória Leitão

     

    Outras Notícias

    · Profissões desaparecidas

     

    este espaço pode ser seu Este espaço pode ser seu Este espaço pode ser seu
    © 2005 A Voz de Ermesinde - Produzido por ardina.com, um produto da Dom Digital.
    Comentários sobre o site: [email protected].