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    Arquivo: Edição de 17-10-2012

    SECÇÃO: Crónicas


    Gaiatos

    Foto GL
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    Escrever e expor opiniões é sempre arriscado porque normalmente gera no imediato discussão, críticas e as tais “achegas” pertinentes, ou não. Em crises fugazes de “existencialismo” às vezes dou por mim a pensar que se calhar seria melhor ficar-me por aqui a nível de escrita só que nesses momentos, encontro sempre alguém que lê e me dá a sua opinião tal como aconteceu um dia destes, quando encontrava um colega de juventude que referiu ainda o facto de eu não ter problemas em assumir o orgulho que sinto por ser uma vermoindense, acautelando e respeitando outras freguesias e localidades nas abordagens que faço através dos meus textos.

    Gostei de ver que afinal, há mais gente a pensar como eu, percebendo que nós somos o reflexo de um pedacinho de cada um, algo que sempre nos aproximará e nos fará semelhantes numa ou noutra característica, independentemente da freguesia, do concelho, da cidade, do país – a multiculturalidade, “paleta de cores” que ilustra um mundo semeado de pessoas, o tal mundo que todos nós colorimos, a nosso gosto e segundo os nossos padrões.

    Neste cruzamento de juventude e no decurso da conversa surgiu também um saudosismo natural das “coisas do nosso tempo”, só que aí percebi que tínhamos registos de memória de tempos diferentes, possivelmente justificados porque os dois ou três anos que separam as nossas idades, em épocas de adolescência fariam dele um “gaiato” do meu tempo, contrariamente ao que acontece agora, quando olhamos para os cabelos grisalhos uns dos outros e para algumas rugas teimosas que o tempo não estica.

    Dias antes já tinha sentido a mesma coisa quando me cruzei com o Laurentino, outro dos meus conterrâneos, que já não reconhecia. Não se ofendeu com isso e aqui a explicação foi a mesma e plausível - “não admira, eu era mais pequenito”. Realmente, os cinco anos que separam a nossa diferença de idades numa determinada época colocavam-no, também a ele, no grupo de um dos “gaiatos” do meu tempo.

    Percebi desta forma que por caminhos diferentes, que todos fomos seguindo, o tempo não parou, nunca para, transformando-nos velozmente em adultos, se calhar demasiado adultos para as nossas memórias, ainda mais que, quando me apercebi, dei por mim a utilizar nesta reflexão um termo em desuso, “gaiato”, e devo ter sido influenciada pelo facto de ter aqui na minha mesa de trabalho jornais que ultimamente o nosso “vizinho ciclista”, o Sr. Albino, faz o favor e a deferência de partilhar comigo depois de os ter lido e que têm no seu título e como nome “O Gaiato”.

    Ao olhar para o “rapazinho” que identifica o logotipo deste pequeno e muito antigo jornal, penso que o Padre Américo, quando criou a sua obra, chamando-lhe “Gaiato” o deve ter feito pelo imenso carinho que dedicou à “causa” dos rapazes: a sua alegria, a sua traquinice, a sua irreverência, transformando tudo isso num projeto que seria acautelar o futuro de miúdos que precisavam de uma casa para os acolher – a famosa “Casa do Gaiato” –, tornando-se ele mesmo no rosto de um pai que conseguiu abrigar e amar tantos.

    Desta breve troca de palavras com o Laurentino, percebi que ele ocupava o seu tempo livre como Instrutor de karaté – um tipo de entrega que me leva sempre a pensar em “causas”, que para mim e de forma pessoal se traduzem nas pessoas que conseguem ultrapassar as suas próprias fronteiras e vão lá dentro deles mesmos buscar “a alma” que faz com que se entreguem no seu todo, e que vai muito para lá do ganho monetário, tendo ou não uma vertente solidária porque também não é disso que falamos, falamos de paixão, entrega, crença e convicção.

    Numa vida que é cheia de coincidências, quando perguntei qual era o estilo que o Laurentino tinha adotado para a prática daquela arte marcial, a sua resposta fez-me abrir “gavetas da minha memória”, porque voltava a cruzar-me com um símbolo que bordei à mão há mais de 20 anos e que tinha fundo preto e uma aplicação em vermelho - concentra o significado do estilo (ryu), aquele que busca o equilíbrio entre as forças opostas e antagónicas: o negativo, duro e inflexível (go) e o positivo, suave e flexível (ju) ou seja, Goju-ryu – o equilíbrio interior de forças.

    No tempo em que nos situamos agora eu percebi de forma bem mais madura que todos temos dentro de nós o “goju” e que sempre vencerá a força que mais e melhor quisermos e gostarmos de alimentar, o carácter que nos molda formado a partir do resultado que conseguimos obter nos pratos da “balança do nosso equilíbrio”.

    No meu palmilhar pela vida e num ligeiro backup juntei a este termo, Goju, palavras como Kaizen, Swot, etc., e continuei a dar-me conta que o nosso país continua povoado de “mestres de partilhas de saberes” – instrutores, treinadores, orientadores, professores, auxiliares, cuidadores e mentores de filosofias de gestão, disciplinas comportamentais e tantos outros que, a serem postas em prática, seguramente continuam a ser a chave para a tal mudança de que tanto se ouve falar.

    De tudo há uma preocupação que me fica, também neste tempo e no que há-de vir – aquilo que não estamos a conseguir inverter, apesar de toda a evolução que se diz dever-se ao Homem e a todas as transformações que incrementou na construção da sua sociedade, a nossa sociedade: a filosofia das “casas do Gaiato” que, agora com outros nomes têm aumentado de forma exponencial e dramática, porque estão cada vez mais cheias de “gaiatos”, que não serão mais do que meninos e meninas, que não têm quem as alimente, quem as ame e quem as proteja da sociedade, composta por seres a quem todos nos habituamos a chamar de …humanos.

    Por: Glória Leitão

     

     

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