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    Arquivo: Edição de 08-05-2012

    SECÇÃO: Crónicas


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    Lições duma manhã de domingo

    «Um dia vens connosco ao paintball!», disseram-me há tempos o Ricardo e Cristina. Certo é que numa manhã de domingo lá me atrevi a ir ver um jogo, não fosse estar a chover com tal intensidade que optamos por ficar todos a dar duas de treta nas mesas de uma cafetaria perto da bouça que lhes é cedida para esse efeito. Daí que, quando dei por mim, lá estava eu “na minha praia” – a conhecer gente nova e a aprender, tanto (!), de coisas que não sei!

    Enquanto tagarelávamos, iam chegando mais uns quantos, ainda ensonados, que queriam honrar o compromisso estabelecido entre eles – jogar em todas as manhãs de domingo, e vendo que o tempo estava agreste e a chuva não parava, optaram por ir ficando, integrando a conversa que se ia desenrolando e onde pude perceber que além de jovens adultos, numa idade média que andaria nos 25 anos, eram também pessoas com distintas áreas profissionais: empresarial, comercial, logística, engenharia, informática, etc., etc..

    Tentei utilizar a manhã para receber uma lição de formação e fui matando a minha curiosidade, pouco a pouco, numa sequência de perguntas que depois de respondidas prontamente por eles, levavam a outras questões que eu própria fui esclarecendo.

    Desmistifiquei a ideia que tinha de que o paintball era um jogo que apelava à violência e ao uso de armas, termo esse que é interdito usar como identificação dos marcadores que servem para atirar as pequenas bolas de tinta e marcar o adversário, mantendo-o ou afastando-o de um jogo que é militarista ainda mais que a modalidade deles: woodsball – é feita em cenário real, baseado em estratégia o que o torna também recreativo.

    Nesta manhã, ouvi-os falar de:

    Liderança – o esforço que fazem para orientar e motivar uma equipa ,tentando ir sempre de encontro ao gosto e perfil de cada um, para que se mantenham coesos e sempre equipa.

    Rigor orçamental – a gestão apertada que têm que fazer de um orçamento extremamente restritivo e que provém da mensalidade de 5€ que cada um paga e que é destinada aos consumíveis do grupo: ar comprimido, redes de segurança, deslocações. Todas as outras despesas são custeadas entre todos.

    Responsabilidade social – porque estão a pensar em organizar uma campanha para doação de sangue, porque querem ir às escolas oferecer aos miúdos a possibilidade de poderem passar uma manhã com eles, porque estão a ver onde são socialmente úteis pessoas como eles que se consideram socialmente responsáveis por um mundo que é de todos.

    Reconhecimento – várias vezes e de forma insistente falam no grupo “Mossad”, as pessoas a quem chamam “padrinhos”, porque os incentivaram e apoiaram ao ponto de se constituírem em 17 de janeiro de 2010 numa equipa que é neste momento composta por 21 elementos.

    Ambiente – a responsabilidade que sentem em preservar o meio ambiente, mantendo as áreas de jogo limpas e cuidadas, o que inclui a remoção de lixos e detritos. Mostram-se satisfeitos pelo facto de as bolas que usam serem biodegradáveis, feitas de casca de gelatina e gordura animal.

    Foto GL
    Foto GL
    Segurança – falam de delimitações das áreas de segurança que os protegem a si mesmos e aos outros que pretendam assistir aos jogos. Equipamentos seguros, cautelas a ter para que não sejam ultrapassados os limites que constam do código de segurança que vi ser do conhecimento de todos: nunca tirar a máscara, usar a distância de 5 metros entre eles e o adversário, etc..

    Qualidade – implícita mesmo num simples jogo de paintball, e que passa pelo tipo de características e fabrico de bolas que devem ser “certificadas e homologadas”, tendo em conta que assim obedecem a características especificas – rebentarem facilmente não causando dano físico, como acontece com algumas que são vendidas a baixo custo mas não obedecem aos padrões de qualidade.

    Inovação e criatividade – a “engenharia” a que recorrem para adaptação e rentabilização dos marcadores tornando-os mais eficazes, e até ao simples suporte das máquinas de fotografar ou de filmar para que possam adaptar-se, também elas a um cenário pouco habitual: militarista, que é feito em simulação de guerra, num jogo estratégico de defesa e de ataque.

    Camaradagem e entreajuda – tendo em conta que falam das outras equipas não como rivais mas sim como adversários, em que vencerá sempre o melhor, e ainda a disponibilidade que cedem de bom grado a quem lhes vem pedir conselhos sobre compras que precisam de fazer para a prática deste desporto, mediante o orçamento de que dispõem, tendo em conta que os preços variam sempre na razão direta da qualidade e eles, vão junto e acompanham-nos e ajudam com a sua experiência e com o seu saber.

    Oportunidade – sendo exigentes ao ponto de só aceitarem novos elementos depois de participarem em alguns jogos onde podem confirmar se é mesmo um querer forte entrar neste tipo de jogo e mediante o sim de ambas as partes, quotizam entre si a camaradagem e cedem algum do equipamento a que não dão uso, por forma a criar uma oportunidade a um novo colega que se há-de transformar em amigo, como todos os que lá estavam e um dia tiveram também um começo, um primeiro dia.

    Visão no futuro – definem metas que querem atingir: obter patrocínios que lhes permitam entrar em torneios de woodsball, onde convergem as equipas de todo o lado e onde se fala o “dialeto” próprio de quem é amante e praticante deste tipo de desporto que não sabia, mas fiquei a saber – em certos países da Europa já ultrapassou em número os praticantes de surf.

    Nesta manhã, em que com os meus 51 anos fui a aluna mais velha de um grupo jovem e divertido, pude ver o brilhozinho dos olhos deles quando falavam da possibilidade de poderem ir em junho ao aniversário dos “Blue Falcon”, a maior equipa de paintball recreativo e, de forma propositada, deixei para último a grande característica que lhes encontrei:

    Generosidade – quando me convidaram a integrar o piquenique do meio dia que tinham organizado entre todos e que, pelo mau tempo que fazia, teve que ser feito na garagem da casa de um deles, onde uma família, também jovem, nos recebia de braços e portas abertas.

    Ao participar deste convívio pude assistir em cenário real ao que me diziam: 15 minutos de jogo que eram sempre alternados por convívio que lhes fazia bem, porque os ajudava a descarregar a tensão, aliviar o stress e abstraírem-se de problemas de que nem sempre nos podemos descartar.

    Finalmente pude constatar que esta equipa, que tem como nome “Anarquia”, e que nada tem de anarquia no seu funcionamento, nunca teria um instinto de violência e agressividade, porque são somente um punhado de “matulões” que, se no final da manhã se emocionava quando encontrou um cão abandonado que acariciavam e ajudaram a livrar-se das silvas que o envolviam, durante o almoço que se seguiu a este episódio, foram também os pajens da “princesa Bia”, que me parece irá herdar a paixão por este jogo onde a piada também reside em ficar-se todo pintado por bolinhas de tinta que rebentam, as “paintball”, e em que se fica com o aspeto de uma paleta de cores, alegres e semelhantes às cores do arco íris.

    Por: Glória Leitão

     

     

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