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Edição de 31-03-2024
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    Arquivo: Edição de 08-03-2012

    SECÇÃO: Crónicas


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    A incerteza do futuro

    Desagrada-me, em absoluto, ter razão antes do tempo, constatar que algo, que pensei e disse há dezenas de anos, está a verificar-se, claramente, nos dias que passam. Não que eu seja um predestinado, que tenha poderes psicológicos, mediúnicos ou semelhantes de que outros são desprovidos. Não sou melhor do que ninguém, todos temos as nossas qualidades e os nossos defeitos. De repente lembrei-me de momentos em que as minhas previsões deram certo. A maioria das pessoas talvez ande demasiado absorvida nas suas ocupações diárias ou oriente os próprios pensamentos para coisas que julga mais importantes, deixando passar ao lado tudo que não seja imediatista, fácil de “digerir”, agradável no intercâmbio linguístico e no relacionamento pessoal, mas alienante e inconsequente para a sua vida. Quem sabe se não ficam perdidas no turbilhão informativo que a todos arrasta e confunde, sem uma luz que as oriente no melhor sentido. A culpa não será, porventura, das pessoas ou dos acontecimentos mas da falta de referentes sejam eles religiosos, filosóficos ou outros. Atente-se no que os serviços noticiosos trazem até nós acerca da crise que assola a Europa, dos discursos políticos, das opiniões contraditórias expressas por economistas, sociólogos e politólogos da nossa praça e de outros quadrantes. Ao contrário do que aconteceu em situações muito difíceis de épocas passadas em que estadistas de grande envergadura política e moral conduziram o mundo, e a Europa em particular, através do deserto da angústia e da desesperança com espírito de missão, a terra em que vivemos tornou-se mesquinha, egoísta, liderada por homens e mulheres sem craveira nem restos da generosidade, exclusivamente preocupados com a gestão das suas carreiras e com as opiniões dominantes nos respetivos países. Os portugueses, como os gregos, os espanhóis e outros que venham a ser alvo dos mercados especulativos têm sobejos motivos para andar preocupados. O pior de tudo é que não vislumbram saída para a situação em que se encontram. Não contribuirei para aumentar a sua perplexidade, embora tenha opinião formada a tal respeito. Esse não é o objetivo da minha crónica.

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    No exercício da atividade docente, cedo me apercebi de que as meninas estavam a ultrapassar os rapazes no interesse pelas matérias escolares, na aplicação ao estudo, nos resultados obtidos. Muitas vezes alertei os rapazes para o facto, que se tornou cada vez mais evidente, de estarem a ser sobrepujados pelas suas colegas da turma. Fazia-o, naturalmente, para os espicaçar mas o repto tinha base verdadeira. Rara era a turma em que os melhores alunos eram os de sexo masculino. No fim de cada período e de cada ano, as pautas mostravam um crescendo de boas alunas e de alunos médios ou fracos. Os pais deles diziam frequentemente: «Eu só quero que o meu filho passe de ano», enquanto os pais e, sobretudo, as mães delas diziam: «Se a minha filha pode ter cincos, porque há de ter quatros ou três?». As próprias alunas se pronunciavam dessa maneira. As estatísticas foram revelando, no decurso dos anos e dos decénios, que elas lutavam mais, que tinham propósitos claros, enquanto eles iam deixando correr e, quanto ao futuro, depois se veria. Quanto às taxas de abandono escolar precoce, revelavam cada vez maior percentagem de rapazes do que de raparigas. Escrevo no dia sete de Março, dia em que o Instituto Nacional de Estatística (INE) revela a situação da população feminina em Portugal desde que, em 1975, a ONU instituiu o dia oito de março como Dia Internacional da Mulher. A “Visão” n.º 991 adianta algumas informações bem esclarecedoras: «Apesar de já ser conhecido que, desde há alguns anos, as mulheres estão em maioria em praticamente todas as licenciaturas, o saldo é mesmo assim surpreendente: em 2011, havia 709 mil mulheres com o ensino superior contra apenas 498 mil homens. Entre as carreiras que mais se têm aberto às mulheres figura a magistratura. Em 2007 tornou-se maioritariamente feminina, em percentagem sempre crescente». Com efeito, se, em 1998, o número total de juízes do sexo masculino era de 832 para 536 de sexo feminino, em 2011 os homens são apenas 778 contra 990 mulheres. No Parlamento, em 1991, as deputadas eram 8,7 do total enquanto, em 2011, a percentagem subiu para 27,8. Nos últimos governos, a presença feminina é também ascendente, embora ainda significativamente inferior à dos homens. É sabido que, em cursos universitários, outrora quase exclusivos dos homens, como as engenharias ou a arquitetura, hoje, elas encontram-se cada vez em maior número. As mulheres estão, agora, mais representadas entre os empresários, os gestores, os que detêm cargos de chefia. No entanto, as mulheres empregadas ganham menos do que os homens que executam idêntico trabalho e é delas também a mais elevada taxa de desemprego: 13,1% contra 12,4%.

    Há mais de vinte anos, em conversa informal com amigos, declarei que, um dia, as revoltas contra a injustiças sociais deixariam de ser enquadradas por instituições – partidárias, sindicais ou outras – e pelos seus líderes, e tornar-se-iam incontroláveis pelos poderes existentes, eleitos ou não. A minha asserção não colheu apoio mas o que, recentemente, aconteceu em vários países do norte de África e do Médio Oriente confirmaram-na. Se, na Tunísia, a intervenção oficial ou a pressão das grandes potências não foi declarada nem delas se fez eco na imprensa mundial, já quanto ao Egito, houve tomada de posição dos Estados Unidos e, no caso líbio, além dos pronunciamentos internacionais, a NATO enquadrou e abriu caminho, decididamente, para o derrube de Kadhafi. O povo iemenita encarregou-se de expulsar do poder um dos mais antigos ditadores da região. Sem o apoio da Rússia e da China na ONU, com grande probabilidade, Bashar al Assad, ditador ele mesmo e sucessor de outro Assad, o seu pai Hafez, já teria sido escorraçado. Embora estas rebeliões tenham custado a vida a centenas de milhares de pessoas, nos países referidos e noutros, os maus governantes podem ter os dias contados. Menos provável parece o fim da hipocrisia política das chamadas grandes potências que põem os seus interesses económicos e estratégicos acima dos direitos humanos, num claro desprezo pelas vítimas do seu cinismo.

    Por: Nuno Afonso

     

     

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