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    Arquivo: Edição de 25-01-2012

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    NOTÍCIAS DO CENTRO SOCIAL DE ERMESINDE

    A ponte para a outra margem

    Eu escrevo baseando-me em experiências de vida, vivências que de alguma forma eu protagonizei e muitas outras que são somatório de situações que vivi e vivo de perto e que, não sendo académicas, também validaram por serem do senso comum.

    Eu até poderia parar mas isso obrigaria a ter um botão on/off no cérebro, o que não é possível, felizmente para o ser humano e para a sociedade.

    Num país cinzento, a letargia que nos está a invadir é preocupante e por tendência estamos sempre à espera de que seja “o outro” a mudar as coisas, a tomar atitudes, a arriscar. Eu percebi e sei que não posso forçar as pessoas a adotarem comportamentos que não se ajustam à sua maneira de pensar fazendo-as deslocar do que pensam ser a sua “zona de conforto”, sem a qual se sentiriam desnorteadas ou mesmo perdidas, e é a isso que está a levar a instabilidade a que estamos a assistir em Portugal e por esse mundo fora – assusta-nos e faz-nos retrair.

    Está tudo a ficar em causa e não podemos dar nada por garantido!

    Também e só falando por mim, o que senti dever fazer foi adotar uma atitude individual da mudança em que acredito: não erguer muros mas construir pontes e recusar-me a cruzar os braços quando sinto que posso contribuir com ideias, com trabalho, com atitude e partilhando experiências boas e menos boas para que sirvam de aprendizagem e exemplo.

    Já escrevi que tenho plena consciência de que não vou mudar o mundo mas decidi que vou eu mudar e adaptar-me a um mundo que está diferente, daí que há algum tempo a esta parte tenho andado em fase de ensaio, numa atitude cirúrgica e precisa, porque uma das vantagens de se ter mais idade é já termos passado pela fase tentativa/erro, o que nos dá a vantagem de errar menos.

    Nesta minha caminhada em direção a objetivos que me propus atingir lembro muitas vezes a história que me enviou uma pessoa amiga – os sapinhos que decidiram subir a uma montanha e eram acompanhados por um guardião que lhes dizia permanentemente: não vão conseguir chegar ao cimo. Certo é que todos foram desistindo pelo caminho à exceção de um que chegou, porque era surdo.

    O guardião da montanha que tive que eliminar foi o que existia dentro de mim, ou seja, eu mesma: o medo, o desânimo, a falta de fé.

    De seguida foram os outros a que eu, se calhar, não chamo guardiões mas “profetas da desgraça”, aqueles que nada fazendo para mudar, ainda e de forma insistente dizem aos que querem construir: não vale a pena tentar, tu não consegues e isso já acontecia em 1977 quando comecei a trabalhar e me diziam: não vale a pena esforçares-te porque quando acabares o contrato vais embora e eu fiquei durante 12 anos.

    E não sou só eu que tento caminhar, pois num país que se torna cada vez mais sombrio, com uma perspetiva a curto e médio prazo nada promissora fico feliz por encontrar gente que acredita e que constrói e vejo isso lá nas Saibreiras onde dois casais se associaram num negócio em que é preciso arregaçar as mangas e trabalhar, e eles fazem-no. Atreveram-se!

    E é também nas Saibreiras, no nosso Centro de Animação que tivemos a estagiar Manuel Alves, um menino/homem de 17 anos que chamou a atenção pela sua discrição, pelo seu sossego, serenidade e ponderação. A uma dada altura em que eu mandava um fax no gabinete onde ele estava, pude apreciar a sua aplicação no trabalho que executava na secretária onde estava sentado e perguntei-lhe se sempre tinha sido assim, tranquilo.

    Respondeu-me que não, muito pelo contrário, mais jovem tinha sido de uma grande rebeldia. Um pouco incrédula precisei saber o que o tinha feito mudar. Respondeu-me: a minha irmã, foi por ela que mudei há três anos mas também gosto mais de ser assim.

    Foto GLÓRIA LEITÃO
    Foto GLÓRIA LEITÃO
    Com boas referências escolares este adolescente que está quase a ser homem vai ingressar no mercado de trabalho e eu espero que ele tenha sorte em encontrar quem aprecie o seu gosto pelo trabalho bem feito que ele tão bem desenvolve.

    A encontrar um “patrão” oxalá seja dos que pertencem ao grupo dos que constroem e olham o seu colaborador como um aliado, que tenha visão estratégica e sentido de liderança que o faça “agarrar” toda a capacidade que está pronta a emergir deste adolescente e tantos outros que acredito existam espalhados pelo nosso país, transformando-os, lentamente, em adultos sensatos, com noção de qualidade e gosto por um trabalho bem feito.

    Enquanto todos se vão adaptando ao que melhor se ajuste à sua maneira de ser, marcará a diferença que é notória e transparece na ausência ou não do ar alegre de quem nos atende a um balcão, num centro de atendimento público, num supermercado, e mesmo no tipo de produto que nos sai das mãos, com mais ou menos defeito eu, li algo escrito por alguém, “patrão”, que apesar de ser uma referência mundial não deixou de ser um homem, comum a tantos outros que um dia, começou algo na sua vida:

    «O teu tempo é limitado, por isso não o gastes a viver a vida de outra pessoa. (…). Não deixes que o barulho criado pela opinião dos outros silencie a tua voz interior. E, acima de tudo, tem a coragem de seguir o teu coração, a tua intuição. Por uma razão qualquer, eles já sabem o que tu queres ser. Tudo o resto é secundário», Steve Jobs.“Eu? Preciso mesmo ser um sapinho – feliz, a subir a minha montanha, não dando ouvidos aos “guardiões” e passando através deles com a força das palavras que sempre tenho interiorizadas e que uma pessoa, também amiga, me dizia cada vez que eu precisava de contornar um obstáculo: vai lá mocinha e se acreditas, “arrasa-os” e dá-lhes luta porque tu és corajosa e consegues.

    Ao Manuel e a todas as pessoas que ele representa e que se atreveram a mudar preparando-se para entrar no mundo da gente adulta eu só posso desejar boa sorte e partilhar com eles a frase que me mandou uma colega que diz eu simbolizar a coragem que admirava na sua mãe, que teve a força suficiente para atravessar a ponte para a outra margem e mudar o rumo da sua vida: «Tudo aquilo que a tua mente pensar ou visualizar, terás na palma da tua mão».

    Mas para isso é preciso ser teimoso, tentar, não desistir, recuar se tiver que ser mas, principalmente, não cruzar os braços porque a oportunidade há-de aparecer e isso aprendi no CNO do Centro Social de Ermesinde, quando participei numa formação e uma colega do grupo nos dizia que, na sua procura por trabalho, tenta sempre e bate a todos as portas porque um dia alguém lhe abrirá uma.

    Como falamos de coragem para atravessar pontes, escolho o rosto de uma mulher que tem 47 anos e quer andar, mas a vida não lhe vai permitir porque recentemente foi vítima de um acidente de viação e, quando ela, há pouco tempo me disse: «D.ª Glória, vou ficar numa cadeira de rodas”, preciso de dizer-lhe que a coragem que sempre teve para superar as suas dificuldades não a vai abandonar porque nunca o fez, somente terá que aprender a andar através dos seus sonhos e da sua imaginação porque isso sim, a vida não lhe retirou.

    «Luísa, ergue-te de dentro de ti mesma e voa. Com o teu exemplo ensina os que não o sabem fazer, mesmo em cima de duas pernas».

    O que desejo mesmo é que na nossa travessia para a outra margem, onde vamos encontrar o ano de 2012, a bagagem que transportamos vá repleta de saúde, força, coragem, bom senso e muitas oportunidades, não nos agarrando ao que esperamos dos outros e sim ao que está nas nossas mãos poder mudar!

    Adeus ano velho,

    Feliz Ano Novo!

    Por: Glória Leitão

     

     

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