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    Arquivo: Edição de 20-09-2011

    SECÇÃO: Destaque


    NOTÍCIAS DO CENTRO SOCIAL DE ERMESINDE

    Identificando práticas automáticas de exclusão pela escrita em ações de formação de adultos

    Por vezes os comportamentos automáticos, não conscientes, que enformam os processos de encaminhamento para a requalificação e formação de adultos, encontram-se eles mesmos contaminados de procedimentos que em si próprios acabam por gerar uma barreira àqueles que era suposto ajudar no processo de combate à exclusão social. As competências no domínio da escrita, ou melhor, a falta destas, acabam por gerar uma resistência na fase de diagnóstico, atrasando e dificultando a ultrapassagem da própria debilidade detetada. Isso mesmo foi o que descobriu o psicólogo Florentino Silva, profissional do Centro de Formação do Centro Social de Ermesinde, na investigação levada a cabo no quadro do Centro Novas Oportunidades (CNO) da instituição, enquanto técnico de diagnóstico e encaminhamento. O estudo constituiu tese de mestrado e motivou uma reflexão sobre as práticas no quadro da atividade profissional em que este e outros técnicos se inseriam, levando à correção dessas práticas e a um modelo mais aberto de receção dos candidatos à requalificação e formação profissional.

    Fotos URSULA ZANGGER
    Fotos URSULA ZANGGER
    Florentino Silva é técnico (psicólogo) do Centro de Formação do Centro Social de Ermesinde. No âmbito das suas funções profissionais deparou-se, após uma reflexão sobre vários momentos, no quadro do Centro Novas Oportunidades, com problemas na forma como os processos de RVCC (Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências) eram levados a cabo, na fase dos processos de encaminhamento.

    Essas práticas, assentes na verificação de fragilidades notórias do domínio da escrita dos candidatos, levavam a dificultar a certificação do percurso de vida, não priorizando a aquisição de competências num processo contínuo, mas antes encarando estas como pré-condição indispensável para iniciar qualquer processo de reconhecimento de competências.

    A investigação de Florentino Silva acabaria por ser consagrada em tese de Mestrado (em Ciências da Educação).

    Para este técnico, no quadro das suas atribuições profissionais, em muitos dos formadores dos CNO tem pesado muito mais uma vertente de avaliador do que uma de pedagogo.

    As competências demonstradas na escrita deveriam ser sempre fator de integração, mas a sua ausência relativa, ao contrário, tornava-se por vezes um fator de exclusão, evidenciado no processo de diagnóstico, e ganhando uma dimensão significativa no cotejo com outras competências verificadas. Efetuado então o diagnóstico, não raro, as conclusões deste primeiro contacto impediam aos candidatos o avanço para o processo de RVCC, encarando a ausência de domínio da escrita como um processo já concluído e definitivo.

    Ao concluir pela existência de uma prática que, em si, estava contaminada por um fator de exclusão social, importava pois não só a correção da atitude no processo de diagnóstico, como ainda o reforço das atividades pedagógicas ligadas ao domínio da Língua, por exemplo exigindo uma maior intervenção de profissionais competentes no ensino da Língua Portuguesa.

    De facto, as competências no uso da Língua – é sabido – traduzem-se numa maior consolidação da consciência de si, e uma alavanca preciosa no caminho do reconhecimento de competências e numa requalificação profissional.

    O processo de RVCC não pode ser um processo “moral”, mas apenas um registo que implica iniciativa por parte dos formadores.

    Na sequência da investigação de Florentino Silva e da reflexão que esta gerou ao nível dos procedimentos de trabalho, chegou a haver, inclusive, processos de candidatos que foram, entretanto, retomados.

    O HOMO-ESCRITOS

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    Na sua tese de Mestrado, Florentino Silva começa por identificar a marca social da escrita enquanto expressão de afirmação e veículo de desenvolvimento pessoal.

    Reportando ao quadro da RVCC, o investigador faz luz sobre a existência de um Homo-escritos, como «“espécie” reconhecida pela capacidade de se reproduzir habilmente através da escrita, sem a qual seria inelegível neste particular percurso de qualificação».

    A sua investigação mostra-se também aberta «a possíveis extrapolações para outros contextos de educação e formação de adultos».

    Competência sobredimensionada em comparação com outras entretanto adquiridas, esta prevalência da escrita parece justificar-se «no contexto, não só por ser uma competência a validar no quadro do referencial de competências-chave, mas também pelo domínio que é necessário para a expressão da narrativa de vida num dossier escrito».

    O investigador desenvolve o seu trabalho, prosseguindo na realização de um enquadramento teórico dos fenómenos presentes na escrita e da sua relação com a aprendizagem no âmbito dos processos de reconhecimento, validação e certificação de competências, expondo a metodologia usada para o desenvolvimento do estudo, recolhendo depoimentos a propósito da realidade referenciada e, finalmente, apontando as perceções e caminhos de orientação para um debate que prevê, apesar de tudo, inconclusivo, mas que permita a instrospeção das práticas desenvolvidas.

    Embora a capacidade de expressão escrita seja fulcral no processo de reconhecimento de competências, deverá ela ser fator de exclusão, vedando o acesso a qualquer via de qualificação? Florentino Silva entende que não e, nesse sentido, cita Claude Hagège: «A comunicação oral, a única natural, é também carregada de todo o sentido de origem. É polivalente. Um fenómeno capital, de que nenhum sistema de escrita conhecido é capaz de conservar o traço, torna este axioma perfeitamente evidente. É o fenómeno da intonação» (Claude Hagège, “O Homem Dialogal, Contribuição Linguística para as Ciências Humanas”, Vila Nova de Gaia, Edições 70). E após citar vários outros autores, aponta: «(...) A relação entre a escrita e a RVCC, além de estreita, por possibilitar a descrição e a reflexão das competências adquiridas por parte dos adultos, é uma ferramenta de controlo, que poderá ter maior ou menor expressão nos Centros Novas Oportunidades, dependendo das características dos centros e dos profissionais, da forma como estes lidam com a valorização das competências adquiridas, designadamente se valorizam mais as experiências escolarizáveis, ou se concebem a educação e formação de adultos num registo para lá da dimensão escolar».

    E conclui este capítulo fundamental : «Em suma, os conhecimentos que adquirimos ao longo da vida, seja através da amplitude da aprendizagem experiencial, pelo seu carácter abrangente relativo ao sujeito, seja por via da formação experiencial, no contínuo diário da experimentação pelo contacto directo com o meio, resultam de um processo de formação de cada um que decorre entre a formalidade e a informalidade educativa. As experiências vivenciadas, por mediação de formadores ou professores, livros, etc., ou pela pura liberdade ou necessidade da relação com o meio, sem apoio ou orientação de agentes exteriores, representam a projecção de cada sujeito no seu processo de construção pessoal. E, é precisamente na base do percurso de construção pessoal que o processo RVCC tem a sua expressão, enquanto formato de reconhecimento baseado nas narrativas dos adultos, com vista à atribuição de uma certificação de equivalência escolar». É isto que leva o investigador a propor a revisão do referencial, apontando outras possibilidades de RVCC.

    Por: LC

     

     

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