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Edição de 31-03-2024
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    Arquivo: Edição de 15-02-2011

    SECÇÃO: Opinião


    Em terra de cegos quem tem um olho é rei?

    A economia não declarada (nome pomposo para designar, em gíria popular, a economia paralela) representa já um valor perigosamente assustador em muitos países, incluindo o nosso onde os números rondam cerca de 25% do PIB (Produto Interno Bruto) e cujo índice revela um constante crescimento em cada período de análise. Se este “fenómeno” (ou talvez não o seja, porque estará na “génese” do homem a tendência para violar normas ainda mais se estas representarem “ganhos” para si e as “penalidades compensarem”) existe em muitos países, mesmo nos mais desenvolvidos, ela é mais grave naqueles cujas fragilidades na prevenção, no controlo e na justiça económica e fiscal funcionarem pior, mas também “beneficia” duma certa e muita própria componente “cultural”. Se ela própria representa uma fortíssima fuga aos impostos, porque duma forma directa esta “economia” não paga os impostos (IVA, IRS, IRC, etc.) também acaba por influenciar a corrupção e, em muitas situações, engajar e financiar crimes, sejam de “colarinho branco” ou mesmo crimes de sangue.

    Se nalguns países é uma “desonra” ser “agente” dessa dita “economia paralela”, mesmo como cliente ou consumidor, até porque as “represálias” legais ou de mera censura são pesadas e dissuadem quem pensa beneficiar ou interagir com ela, em muitos outros, como no nosso, essa “esperteza” é mesmo exibida como “trunfos e chacota” para com aqueles que cumprem as leis económicas e fiscais. Assim, não são apenas os grandes processos (muitos deles acabam sem acusações aos arguidos) da “face oculta”, do “freeport”, do “IVA em carrossel” e tantos outros de grande impacte mediático e económico-fiscal que lesam os interesses do país e, consequentemente de todos nós que, por força dessas fugas aos impostos, teremos que pagar cada vez mais impostos. Apesar da menor importância individual, os pequenos “crimes económicos e fiscais” cometidos por muitos cidadãos acabam, todos em conjunto e com tendência a crescer em tempos de crise, por representar elevadíssimos valores na fuga aos impostos e que se fossem incluídos na “economia legal” e na receita fiscal do Estado, alterariam as contribuições fiscais dos cidadãos e agentes económicos cumpridores. É a dispensa da exigência da factura nos serviços prestados, nos arranjos caseiros ou do automóvel, porque com ela o custo final aumentaria no valor do IVA (se também o prestador do serviço não “especular” no preço, porque o obrigaria a incluir este na sua receita fiscal bruta), passando pela factura do restaurante que não se pede, etc., este procedimento representa muitos milhões de euros de fuga ao IVA, mas também “beneficia”, em termos de IRS ou de IRC, os empresários incumpridores. Como “etapa final” nestas fugas de impostos de muitos cidadãos, resta-lhe a “engenharia fiscal” aquando da entrega da declaração do IRS, porque ali, a “esperteza” de alguns, com a “conivência”, por falta de fiscalização da Administração Fiscal, permite-lhe “poupar” muitos euros no IRS anual. Desde a menção na declaração de dependentes (filhos) que não existem, passando pela inclusão de despesas referentes às rubricas das deduções à colecta (imposto) cuja dedutibilidade o código não contempla, à apropriação de documentos que não dizem respeito a despesas efectivas dos membros do agregado familiar, etc., etc. Os prevaricadores sabem que a probabilidade da declaração e seus anexos e documentos serem fiscalizadas é baixíssima, pelo incluem “tudo e mais alguma coisa”e ainda acabam por se vangloriar junto dos amigos, chamando-lhes “trouxas”. Quem não ouviu já muitas histórias destas, mas há dias contaram-me que um grupo de “amigos” se serve do mesmo lote de documentos referentes a despesas de saúde, (obviamente sem nome mencionado nos ditos documentos) e as incluem em cada uma das suas declarações de IRS!

    Pois é, ““em terra de cegos, quem tem um olho é rei” e assim vai este “podre reino”, onde o Estado sentindo-se impotente em combater esses “espertos” (sejam eles grandes ou pequenos) e necessitando de dinheiro, vem sempre “tirar” aos bolsos dos cidadãos cumpridores, como é o caso de outros e destes agravamentos nos impostos que já se iniciaram neste ano que agora começou (subida do IVA que afecta tudo e a todos, mas muitas mais “penalidades” ao cidadão contribuinte). Contudo e lendo o Lei 55-A/2010 (OE para 2011) reparamos que a “esperteza saloia” atrás citada (deduções à colecta em IRS), vai, finalmente, “apertar” nas exigências formais dos documentos que suportam essas deduções, sem esquecer a obrigatoriedade da menção do identificação fiscal (NIF) dos dependentes, pelo que os pais dos recem nascidos terão que obter e menciona o respectivo NIF. Assim, a artigo 78º do CIRS determina que as deduções à colecta (imposto), fixada no código – a- despesas de saúde; b -despesas de educação e formação; c- pensões de alimentos; d- encargos com lares; e- encargos com imóveis; f- encargos com prémios de seguros de vida;

    g- benefícios fiscais; etc.,) só poderão ser realizadas pelos sujeitos passivos (contribuintes), mediante: i) a identificação fiscal dos dependentes, ascendentes, colaterais ou beneficiários a que tais deduções se reportem; ii) e a identificação, em factura emitida nos termos legais, do sujeito passivo ou do membro do agregado a que se reportem, nos casos em que envolvam despesa. Quem assim não exigir, por exemplo nas farmácias em que algumas emitem as facturas sem nome e sem NIF do cliente/doente, verá as deduções à colecta não serem consideradas pelo “fisco”, se a sua Mod.3 do IRS for sujeita a uma fiscalização/controlo à posteriori. Caro leitor, tenha pois em atenção esta exigência e solicite ao seu “fornecedor” o cumprimento destes requisitos, porque, como sabe, o desconhecimento da lei a ninguém pode aproveitar/beneficiar. Depois, se quiser “ser rei em país de cegos…”, pelo menos não goze com os cidadãos cumpridores.

    Em jeito de remate, será que a Administração Fiscal (“fisco”), tão “autoritária” é a exigir impostos aos cidadãos terá força e “arte” para exigir que este tipo de entidades emita, obrigatoriamente, factura de acordo com a lei? A ver vamos, mas o elo mais fraco (o contribuinte – cumpridor) acaba sempre por “pagar a factura” das ineficiências do Estado. Até quando?

    Por: Serafim Marques (*)

    (*) Economista

     

     

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