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    Arquivo: Edição de 30-01-2011

    SECÇÃO: Destaque


    ELEIÇÕES PARA A PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA 2011

    Abstenção e voto em branco – caminhos tortuosos de cidadania?

    Preferir ir à praia num dia de sol que coincida com um acto eleitoral no pino do Verão, ou ficar em casa a ler ou a ver um filme na televisão é uma atitude condenável?

    E a atitude daqueles que para isso contribuem diariamente do cimo dos cargos para que foram eleitos, sem que se sintam obrigados a prestar contas dos seus actos?

    Fotos URSULA ZANGGER
    Fotos URSULA ZANGGER
    Embora haja estudos avulsos, não conhecemos nenhum estudo de opinião sério, com o instrumental estatístico dos institutos de sondagem que, tal como se faz em relação às candidaturas apresentadas nos actos eleitorais, averiguasse as diversas intenções presentes no acto (ou não-acto) da abstenção.

    Tal exercício permitiria com certeza aquilatar que, tal como as iniciativas de protesto (nestas eleições houve-as por diversas razões – o acesso ao metro no Muro [Trofa], a falta de transporte ferroviário em Serpins [Lousã], a falta de uma barra fixa na Fuseta [Olhão], o não cumprimento de um projecto – hoteleiro – em Pedras Salgadas [Vila Pouca de Aguiar], a falta de comunicações móveis na Gralheira [Cinfães], a falta de uma morgue em Enxabarda [Fundão], o encerramento do posto de saúde no Granho [Salvaterra de Magos] e em Monsarros [Anadia]) –, que constituíram processos organizados de boicote e, por isso, abstenção, grande parte dos eleitores que não compareceram nas urnas, embora isoladamente, o fizeram numa atitude política, muito provavelmente porque foram defraudados em promessas e expectativas.

    Mas era interessante verificar se tal não-voto é, de facto, uma atitude de desprezo pela vida da comunidade ou se, pelo contrário, por formas travessas, é também ela uma forma de intervir, de “participação”.

    Que se saiba, nenhum candidato, nestas eleições, protestou o facto de as televisões terem imposto ou aceite debates entre os candidatos quando nem ainda o processo de reconhecimento das candidaturas estava fechado, implicando no concreto uma situação de injustiça relativamente a José Manuel Coelho (ter-se--á isso também reflectido nalgum maior voto a seu favor ou num maior valor da abstenção?).

    Para o número das abstenções – há que concordar –, também terá contribuído a trapalhada que derivou do facto do cartão do cidadão não ter afixado o número de eleitor (e aqui há óbvias responsabilidades políticas) e do sistema informático ter entrado em colapso ao ser incapaz de responder à avalanche de solicitações dos eleitores que pretendiam saber o seu número e onde ir votar.

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    Segundo calculou, a quente, Miguel Portas, o número de cidadãos que não terá votado por estas razões não terá sido mais do que 1%, e segundo o jonal “Público”, que investigou, esse número andaria pelos 42 mil.

    É natural que se peçam, pois, essas responsabilidades, mas se atentarmos no número de votos em branco (mais de 190 mil, superior a 4% dos votos expressos, já não falando dos 86 mil votos nulos – que duplicaram), não parece natural que se peçam também responsabilidades políticas aos que, da mesma maneira, são responsáveis pelo afastamento do voto útil (pois brancos e nulos nem sequer contam para apurar percentagens oficiais de voto dos candidatos), de um tão grande número de cidadãos que não viram nestas eleições uma qualquer escolha possível? E, politicamente também, não haverá ninguém a quem pedir responsabilidades pelo número das abstenções? O mais fácil parece ser acusar os eleitores de não-participação e apresentar os resultados de forma a esconder o descontentamento geral, omitindo o número das abstenções e desvalorizando os votos em branco e os votos nulos (mesmo que grande parte destes possa decorrer de simples erros de preenchimento; mas com o dobrar dos nulos este ano, entende-se que as pessoas, em cinco anos, desaprenderam de marcar uma simples cruzinha?).

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    Assim, ao reduzirem a participação sócio-política dos cidadãos a exercícios de escolha dos seus representantes de anos a anos, quando a vida da comunidade ultrapassa, e muito, o quadro da vida partidária – veja-se o próprio exemplo de vida, pelo menos até aqui, do agora candidato Fernando Nobre, os responsáveis políticos colhem o que semearam. Não podem pois vir queixar-se de que ninguém se interessa pela “democracia”, que fica, obscura, no congelador no período entre eleições.

    Isto é, como diria o grande poeta e dramaturgo da língua alemã, Bertol Brecht:

    «Mas não seria mais simples para o governo/

    /Dissolver o povo/

    /E eleger outro?».

    Claro que se levanta uma questão pertinente: não lutamos nós tanto pelo direito ao voto, quando ele nos era negado?

    Mas por outro lado não se precisa de uma melhor resposta à pergunta: Votar, para quê?.

    Por: LC

     

     

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