Edward Gorey - ou um outro Natal...
Já que estamos em tempo de stress pós-traumático-do-natal, com tanta fartura de doces e hipocrisias e pré-traumático-do-ano-novo, com tanta penúria de tudo aí à vista, não nos pareceu inadequado trazer ao convívio dos leitores Edward Gorey, quadrinista norte-americano, autor de muitas obras (mais de 90 livros) e que é autor, entre outros, das ilustrações de “The Twelve Terrors of Christmas” (“Os Doze Terrores do Natal”, de John Updike, falecido a 27 de Janeiro de 2009, e de que, também por isso, aproveitamos para comemorar a efeméride neste número de “A Voz de Ermesinde”).
Ora, a propósito do que aqui nos traz, refira-se que “The Twelve Terrors of Christmas”, segundo esclarece Raquel Costa, no blog Orgia Literária, é uma obra que «mostra uma certa perspectiva cínica e capitalista das tradições do Natal».
A mesma autora refere: «Com mais de 50 anos de carreira, Edward Gorey é provavelmente um dos nomes mais relevantes no mundo da ilustração em todo o século XX, com uma pureza de estilo do desenho que evoca o rigor gráfico de Gustave Doré, e uma certa apetência pelo macabro que evoca o trabalho de artistas contemporâneos como Tim Burton ou Roman Dirge. No entanto, é consensual que a sua vastíssima e prolífica obra criativa é difícil de circunscrever a uma única categoria, e que a mera ilustração poderá designar pouco do que foi o grande trabalho artístico de Gorey».
Edward Gorey nasceu em 1925, em Chicago, e morreu a 15 de Abril de 2000, com 75 anos, em Hyannis, no Massachusetts.
Em Portugal foi publicado pela Errata Edições “Quatro Estórias”, um livro de cerca de 130 páginas (não numeradas, o que repugnaria a Gorey), com tradução de Maria Vale de Gato, dado à estampa em Fevereiro de 2003, e agrupando “O Casal Execrável”, “A Bicicleta Epipléctica”, “O Hóspede Suspeito” e “A Visita Relembrada”.
A Nota Introdutória da edição refere uma resistência no mundo da 9ª Arte a considerar a obra de Edward Gorey, na sua vertente de narrativa sequencial, como Banda Desenhada.
E sobre a obra publicada, depois de abordar “The Epiplectic Bycicle” (“A Bicicleta Epipléctica” e “The Doubtful Guest” (“O Hóspede Suspeito”), comenta assim as duas outras peças publicadas: «(...) Para além destes dois clássicos do autor, o presente livro inclui “The Remembered Vist” (“A Visita Relembrada” e “The Loathsome Couple” (O Casal Execrável”), duas obras extremas, tanto no imperturbado lirismo da primeira como na imperturbada violência da última (de resto baseada num caso verídico que chocou a opinião pública nos finais dos anos sessenta). Esta selecção, ainda que pretenda apresentar alguns dos principais humores da obra de Gorey (do nonsense patético à especulação filosófica, do devaneio idílico à sordidez fleumática), depende inteiramente do gosto subjectivo dos seus organizadores, e só pode ser considerada representativa na medida em que qualquer parcela da obra do autor é parte integrante de um universo que solicita a sua permanente descoberta».
Em geral, as vinhetas – uma por página – com uma técnica a recordar a xilogravura, com ausência de balões ou, em alternativa, à condição de um balão mínimo, trazem a imposição de um texto inferior, sendo as temáticas, muito frequentemente, de natureza macabra, ou surrealista, marcada pelo nonsense ou o absurdo, ou melancólico-depressivas, e as personagens de uma caracterização anacrónica, com frequência representadas com um vestuário vitoriano.
A própria vida de Gorey, pelos vistos, foi também marcada por um certo mistério, havendo quem lhe colasse o epíteto de misantropo. Parco em afeições mais profundas, ao que parece de indefinível orientação sexual, era conhecido todavia pela sua amabilidade para as pessoas próximas.
A sua obra continua a ganhar cada vez mais relevo, inserindo-se numa perspectiva de charneira da arte literária e da arte sequencial, de inspiração ou expressão surrealista.
Por:
LC
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