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    Arquivo: Edição de 20-12-2010

    SECÇÃO: Destaque


    O CENTENÁRIO DA REPÚBLICA

    Dr. Joaquim Maia Aguiar

    Este importante republicano ermesindense foi uma das mais ilustres figuras do concelho de Valongo no período da Primeira República, acumulando as funções de 1º Administrador Republicano do Concelho e também de 1º Presidente da Câmara, na vigência do novo regime. Um dos jornais do Porto considerou-o um dos administradores da República que fez «obra mais sã, mais patriótica e mais republicana».

    O conhecido Cruzeiro na Rua do Padrão (Valongo) elevado a Monumento Nacional em 1910
    O conhecido Cruzeiro na Rua do Padrão (Valongo) elevado a Monumento Nacional em 1910
    O Dr. Joaquim Maia Aguiar foi uma figura proeminente, no período político agitadíssimo do fim da Monarquia e nos primórdios da República, assumindo um grande protagonismo especialmente no campo político e na luta a favor dos mais desfavorecidos.

    Médico ilustre, formou--se na antiga Escola Médico-Cirúrgica do Porto, vindo residir para Ermesinde (para a vivenda da Bela Vista), pelo seu casamento com Clotilde Simões Lopes, filha do grande benemérito e proprietário em Ermesinde, António Simões Lopes, que foi inspector escolar e um grande propugnador e reformador do ensino. Simões Lopes era o dono duma prestigiada Livraria do Porto, com o seu nome, que se situava na Rua do Almada.

    Mesmo antes de proclamada a República na capital, pela Revolução do 5 de Outubro de 1910, o Dr. Maia Aguiar fundou, cerca de dois anos antes daquela Revolução, com outros republicanos históricos desta terra, um núcleo republicano bastante dinâmico, que mais tarde daria origem ao Centro Republicano de Ermesinde. Ainda no período da Monarquia, fundou, em Ermesinde, numa iniciativa um tanto ousada, uma escola gratuita para os filhos dos republicanos mais pobres, conseguindo, quase de graça, todo o material escolar no estabelecimento do seu sogro.

    No aspecto político, cedo mostrou a sua militância pela República, procurando difundir os princípios doutrinários do novo regime, primeiro, junto daqueles com quem privava, depois, junto do grande público, ainda antes da implantação da República. É assim que aparece como um dos principais dinamizadores e oradores do Comício Republicano que o Centro Republicano de Ermesinde levou a efeito no contexto da campanha eleitoral para as eleições de 28 de Agosto de 1910, a escasso mês e meio da Revolução. Para além do Dr. Maia Aguiar, foram oradores, entre outros, Mem Verdial e Alexandre de Barros.

    Depois de proclamada a República, e conhecida a sua faceta de republicano histórico, foi o Dr. Joaquim Maia Aguiar nomeado primeiro Administrador do Concelho de Valongo, no período do actual regime político, importante função que acumularia, a partir de 11 de Outubro de 1910, com a de Presidente da respectiva Comissão Executiva. Dela faziam ainda parte os seguintes republicanos: Luís Augusto Marques Sousa (Vice-Presidente), Vicente Moutinho de Ascensão, Jacinto Fernandes de Oliveira e Augusto Dias Marques de Oliveira (Vogais).

    No exercício das novas funções políticas providenciou para que fossem empossadas as novas Juntas de Paróquia de todas as freguesias do concelho, o que concretizou ainda no mês de Outubro de 1910, à excepção da de Alfena que só tomou posse no dia 4 de Novembro de 1910.

    A mais interessante tomada de posse, em termos políticos, de uma das novas Comissões Paroquiais Republicanas, ocorreu em Campo, no dia 30 de Outubro de 1910, onde o Pároco, José de Sousa Magalhães, teceu os mais rasgados elogios ao novo regime republicano que considerou «a mais bella e a mais perfeita de todas as formas de Governo, e a que mais nivela os direitos do homem. Que com a Republica o chefe da nação não precisava de nascer em berços doirados, mas sim de se destacar entre os seus concidadãos pela nobreza dos seus actos por forma a chamar para elles a attenção do povo (…)».

    Perante tal discurso, o Administrador do Concelho, precisamente o Dr. Maia Aguiar que assistia ao acto, não pôde ficar indiferente e usou da palavra, conforme consta na respectiva acta de posse, para, em primeiro lugar, agradecer as lisonjeiras referências do Abade ao novo regime, e para fazer «sentir aos membros da Commissão quanto era nobre a missão que lhes era confiada e pediu-lhes que na administração dos bens da parochia fossem o mais solicitos e zelosos possível, mais do que na administração dos seus proprios bens, da qual só tinham a dar satisfação á familia, ao passo que d’aquella tinham a dar satisfação, não só á auctoridade tutelar, mas tambem a todos os cidadãos da parochia, ainda ao mais pobre, pois que pelo novo regímen todos eram eguaes e tinham eguaes direitos. Pediu-lhes mais que nas suas deliberações fossem sempre justos e imparciaes, não vendo nunca nos seus administrados amigos nem inimigos, mas tendo sómente em vista promover os melhoramentos materiaes da parochia quanto caiba em suas forças, o que esperava confiadamente».

    Mesmo antes da publicação da Lei da Separação das Igrejas do Estado, já se notava em algumas decisões políticas o claro pendor anticlerical da administração republicana até a nível local. Em Março de 1911, o Dr. Joaquim Maia Aguiar, na qualidade de Administrador do Concelho comunicou às Comissões Paroquiais Republicanas das várias freguesias que as verbas até então dirigidas ao culto seriam destinadas, daí em diante, à instalação de Bibliotecas Populares.

    Interessante foi uma das primeiras medidas da nova Comissão Administrativa da Câmara Municipal Republicana a favor da melhoria da fluidez do trânsito na vila de Valongo, precisamente na sua via mais importante – a estrada nacional n.º 33, que ligava a cidade do Porto a Penafiel e ao Nordeste Transmontano. Resolveu cortar os degraus em que assentava o Cruzeiro, que tinha sido elevado a monumento nacional precisamente há escassos seis meses. Hoje a maior parte das pessoas acreditará que a base do cruzeiro foi sempre assim, mas não é verdade, os republicanos alteraram-na há cem anos atrás, eliminando os degraus, por necessidade de alargamento da rua.

    O Dr. Maia Aguiar depois de ter tomado a decisão em sede de Comissão Municipal oficiou a Comissão Paroquial da freguesia de Valongo, conforme consta na sua acta de 11 de Dezembro de 1910, a folhas 4 e 4 verso, onde se refere o ofício recebido, que passo a transcrever: «ponderando haver conveniencia e necessidade de serem cortados os degraus do Cruzeiro do Padrão, d’esta villa, na parte confinante com a estrada real n.º 33, que prejudica consideravelmente o transito publico, e solicitando d’esta Junta de Parochia as necessarias providencias para de comum acordo com a Camara Municipal se fazer o corte dos mesmo degraus de modo a favorecer o transito e aformosear o local». A Junta de Valongo concordou, impondo apenas que as obras se fizessem a expensas da Câmara.

    Obviamente que tratando-se de monumento nacional a administração republicana não procedeu bem, porque feriu a integridade do monumento em causa, quando seria preferível, se necessário (o que nem parece ter sido o caso) fazer um desvio da estrada nacional, certamente bem mais fácil naquela altura em que a vila era muito menos povoada.

    Efectivamente, foi a última administração camarária da extinta Monarquia, que conseguiú a elevação deste património de carácter religioso a Monumento Nacional pelo Decreto de 16-06-1910, publicado no Diário do Governo, n.º 136, de 23 Junho de 1910.

    Este imponente Cruzeiro tem cerca de 7 metros de altura, assenta sobre um estrado do início do século XX, quadrangular, donde parte uma coluna monolítica de granito, com capitel coríntio, encimado por uma esfera sobre volutas barrocas. Culmina o conjunto com Cristo crucificado. Na base existe a imagem de Santo António onde pode ler-se a seguinte inscrição: «Bendito e Louvado seja o Santíssimo Sacramento da Eucaristia».

    Regra geral, o Dr. Joaquim Maia Aguiar, enquanto magistrado político, sempre se mostrou rigoroso e prudente nas suas tomadas de decisão. Em termos políticos, como já se viu, empenhou-se na republicanização pacífica e ponderada do povo do concelho, e, em termos de progresso e desenvolvimento, envolveu-se na realização de um plano de melhoramentos para o Município que, entre outros projectos, previa a construção de uma Avenida entre Valongo e o Apeadeiro do Susão (Linha do Douro) e a abertura de uma estrada, pela Serra, a ligar Valongo a S. Pedro da Cova.

    Alguma imprensa do Porto escreveu que o Dr. Joaquim Maia Aguiar foi um dos administradores da República que fez obra mais sã, mais patriótica e mais republicana (“A Tarde”, citada por Humberto Beça, Ermesinde / Monografia, 1921).

    Além de Republicano histórico, empenhado na construção do novo regime, e numa esclarecida e bem conduzida administração do seu concelho, o Dr. Maia Aguiar, como homem, revelou-se sempre um verdadeiro amigo dos pobres, para os quais teve acções de verdadeira filantropia.

    Por: Manuel Augusto Dias

     

     

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