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    Arquivo: Edição de 10-12-2010

    SECÇÃO: Destaque


    VISITA PASTORAL DO BISPO DO PORTO A ERMESINDE

    “Igreja e Cidadania” – a conferência de D. Manuel Clemente

    Fotos URSULA ZANGGER
    Fotos URSULA ZANGGER
    Na noite de sexta, dia 3, realizou-se, na sala de espectáculos do Fórum Cultural de Ermesinde, e depois da visita do bispo à Feira das Associações, a conferência de D. Manuel Clemente “Igreja e Cidadania”, conferência essa enquadrada nas comemorações do Centenário da República.

    Subindo ao palco na companhia do cónego João Peixoto, D. Manuel Clemente foi apresentado por aquele, num breve esboço de biografia, não sem antes ter agradecido às escolas a sua presença e sobretudo a quem ali tinha estado em palco, já que a conferência foi antecedida por alguns momentos de espectáculo, que envolveu um coro de alunos da Escola EB 2,3 D. António Ferreira Gomes, um grupo de flautas, da mesma escola, e uma peça de teatro, que incluía uma exibição de dança, por alunos da Escola EB 2,3 de S. Lourenço.

    O pároco de Ermesinde, que sublinhou o conhecimento de D. Manuel Clemente sobre o período histórico, que muito estudou, dos fins do século XIX e princípios do século XX, passou então a palavra ao conferencista.

    D. Manuel Clemente começa por comentar que, entre 1910 e 2010 (centenário da República) as coisas mudaram muito.

    Até 1910, considerou, «o Estado tinha uma Igreja», que considerava como coisa sua, desde a Carta Constitucional de 1826. No seu artigo 6º, aliás, esta considerava a religião católica a religião de Portugal. Relativamente à Igreja, apontou o conferencista, a Igreja procurava «tê-la e detê-la», olhando-a como coisa sua.

    Até 1910, e desde os meados do século XIX nenhum bispo determinava qualquer pároco que fosse, em qualquer paróquia, este era indicado pelo Estado, recordou D. Manuel Clemente.

    E todos os bispos eram propostos à Santa Sé pelo Estado.

    Em 1834 o Estado (monárquico) tinha também decidido que não se criariam mais ordens religiosas, nem haveria novos religiosos, embora permitisse a continuidade dos que então existiam.

    É esta a Igreja-Estado que cai em 1910.

    Então, com a República, e a partir de Abril de 1911, com a Lei da Separação, continua D. Manuel Clemente, o Estado vai tentar condicionar a actividade da Igreja.

    Todo o património deixa de pertencer à Igreja, as ordens religiosas são perseguidas, cria-se a necessidade das pessoas se organizarem em associações cultuais, que não poderiam incluir eclesiásticos, para que pudessem praticar um culto religioso, prossegue D. Manuel Clemente. E fazendo uma breve pausa na sua rememoração histórica, faz aqui a distinção entre leigo e laico, dando ao segundo termo um carácter mais fracturante com o religioso.

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    Os espaços confiscados pelo Estado eram então entregues às associações cultuais, explica D. Manuel Clemente voltando à linha dorsal da conferência.

    «O que queriam era obrigar a Igreja a vestir um fato que não lhe cabia», comentou o prelado. Ora, os católicos não aceitaram a Lei da Separação. Os bispos opuseram-se e todos foram expulsos das suas sés.

    E D. Manuel Clemente recorda aqui os actos de um seu antecessor à frente da diocese do Porto, D. António Barroso, que por ter permitido que os párocos da sua dioceses lessem uma carta pastoral com observações adversas às posições contra a Igreja, tinha, já antes dessa reacção geral dos bispos, sido expulso da sua sé.

    E lembrando esses tempos adversos para a Igreja, D. Manuel Clemente ia apontando: não era permitido o ensino da religião, o toque dos sinos, a realização de procissões, no que foi um período muito difícil, sobretudo até 1913.

    Precisando depois que estas posições não eram generalizadas a todas as correntes republicanas, mas apenas a algumas, D. Manuel Clemente identificou a facção de Afonso Costa como a mais hostil à Igreja, ressalvando que havia muitos ilustres republicanos com posições diversas, muitos católicos republicanos e até párocos que eram republicanos conhecidos.

    Relembrou, por exemplo, a figura de Casimiro de Sá, pároco de Paredes de Coura, também jornalista e reconhecido republicano.

    Relembrou, entre a elite republicana, a posição de Manuel Arriaga, que considerava a Lei da Separação da Igreja e do Estado exagerada.

    Se a situação melhorou um pouco para a Igreja em 1913, altura em que os católicos começaram a organizar-se em termos políticos – após o encontro que aprovou a declaração que ficaria conhecida pelo Apelo de Santarém –, melhor ficaria com Sidónio Pais, após 1917.

    No Apelo de Santarém a Igreja declarava solenemente aceitar o Governo republicano, preparando-se então para apresentar candidatos nos processos políticos. O surgimento da Grande Guerra, sendo um facto em si negativo, acaba por trazer uma consequência positiva para a Igreja, lembra D. Manuel Clemente, quando é autorizada a partida de capelães católicos para acompanhar os soldados. E depois, com o consulado de Sidónio Pais a Igreja irá gozar de uma maior liberdade, sendo reatadas as relações com a Santa Sé.

    Em 1918 (e até 1926) cria-se o Centro Católico Português, que proporciona a actividade política aos meios católicos.

    Mesmo com a mudança de regime, e a instituição do Estado Novo com a Constituição de 1933, o Estado não voltará a ter com a Igreja uma relação de posse.

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    Actualmente, resume D. Manuel Clemente, já não há uma Igreja de Estado, nem um Estado contra a Igreja.

    Hoje a sociedade organiza-se em Estado e naquela, muitos dos cidadãos consideram-se católicos. É uma sociedade em que uns são crentes e outros não serão, situação essa que coincide mais com o que deverá ser o papel de uma religião, aponta D. Manuel Clemente.

    E conclui, referindo-se ao Cristianismo como uma «última demão de Jesus à religião dos Judeus». E ao projecto de que aqui, enquanto cidadãos, os cristãos contribuam para «projectar Portugal do seu melhor passado para o seu ainda melhor futuro».

    Numa saudação final, o anfitrião, pároco de Ermesinde, cónego João Peixoto, corrobora a conclusão do seu bispo, aliás já várias vezes por ele mesmo salientada em actos públicos da paróquia, e remata: «Desejamos que este Estado seja cada vez mais um Estado de cidadãos».

    No fim da conferência, por sua vez, encerrando a noite, e alterando o programa previamente anunciado, actuou o Orfeão da Associação Académica e Cultural de Ermesinde, dirigido pelo maestro Jorge Pires, que executou várias peças e demonstrou que continua a evoluir e muito a sério, num processo de exigência que tem que ser reconhecido e tem que se saudar.

    Por: LC

     

     

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