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    Arquivo: Edição de 20-10-2010

    SECÇÃO: Crónicas


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    Fundação da Academia de Letras de Trás-os-Montes

    Há pessoas que se agigantam para além dos próprios sonhos, enfrentam obstáculos de toda a ordem, vencem-nos como se fosse a ordem natural das coisas, deixando após si um rasto luminoso de excepcionalidade. Adriano Moreira é um desses seres raros, digno continuador da estirpe de grandes heróis que celebramos cada vez que é entoado o Hino Nacional Português. Nascido numa aldeia transmontana, Grijó de Vale Benfeito, concelho de Macedo de Cavaleiros, entre a enxada e o arado, o cultivo de cereais e o trato de cepas e oliveiras que constituíam o viver sacrificado dos seus conterrâneos, demonstrou, desde os mais tenros anos, dotes invulgares de inteligência e ânsia de conhecimento. Numa época em que a instrução estava longe de ser reconhecida como valor estimável pela generalidade das pessoas, pôde ir além dos rudimentares estudos de outros meninos e percorrer o caminho, a passo firme, até à Universidade. Tarefa difícil mesmo para aqueles que provinham de famílias com mais haveres.

    Em 1922, ano do seu nascimento, o Marão e outros maciços orográficos (Bornes, Nogueira, Coroa, etc) constituíam já um elemento geográfico dissuasor de mais longos percursos. Confinados àquela espécie de território sob administração de Portugal, e não parte integrante do todo nacional, mais ciosos, porém, do seu portuguesismo do que muitos outros, forçoso era dispor de bons recursos económicos, avalizados pelo fulgor intelectual e por sonhos magníficos, credenciais que o jovem Adriano Moreira estava em condições de apresentar e de fazer valer numa sociedade que necessitava delas como do pão para a boca. Transformou em estrada plana caminhos quase intransitáveis no domínio das Ciências Humanas: introduziu profunda renovação nos estudos universitários em áreas como a Ciência Política, as Relações Internacionais, a Geopolítica e a Estratégia em algumas das quais foi o primeiro cultor em Portugal. Licenciou-se em Ciências Histórico-Jurídicas pela Faculdade de Direito de Lisboa, publicou, inicialmente, estudos de Direito Penal, tendo sido como professor de Direito que começou a sua actividade na Escola Superior Colonial, actualmente Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa que, enquanto professor e director, reorganizou e constantemente actualizou. De 1950 a 1960, como docente, dedicou-se ao estudo do Direito Ultramarino, relacionando-o com a Política Internacional, sobretudo através do Centro de Estudos Políticos e Sociais de que foi o primeiro e dinâmico director. Num breve período de dois anos (de 1960 a 1962) exerceu funções governativas, primeiro como subsecretário da Administração Ultramarina, depois como ministro do Ultramar, período esse que o tornou conhecido da maioria dos portugueses pela pior das razões: ter sido ministro de Salazar. Poucos saberão a autêntica revolução que empreendeu nesse curto espaço de tempo, tendente ao desenvolvimento económico e cultural do chamado Ultramar, produzindo abundante legislação, especialmente no campo social – área do Direito do Trabalho – e no educativo, fundando os Estudos Gerais de Angola e de Moçambique, futuras Universidades de Luanda e de Lourenço Marques.

    Seria praticamente impossível enumerar e nomear todas as tarefas que empreendeu ao longo de uma vida extremamente profícua: cargos exercidos, várias dezenas de obras publicadas sobre múltiplos aspectos das Ciências Humanas, conferências realizadas em Portugal e no Estrangeiro, acções de interligação cultural dentro e fora do espaço da Língua Portuguesa. Embora seja quase impossível dissociá-las, desejo destacar duas, relacionadas com a presença desta ilustre personalidade no programa comemorativo do centenário da Implantação da República em Bragança, a convite da respectiva Câmara Municipal. Em 1967 começa a reger no Instituto Superior Naval de Guerra a disciplina de Política Internacional com que iniciou entre nós as Relações Internacionais a nível universitário. Enquanto vice-presidente (de 1960 a 1964) e presidente (de 1964 a 1974) da Direcção da Sociedade Portuguesa de Geografia deu origem aos Congressos das Comunidades Portuguesas dos quais resultaram a criação da União das Comunidades de Cultura Portuguesa e da Revista das Comunidades Portuguesas, órgão da União das Comunidades. Demitido abusivamente da Função Pública em Março de 1975 pelo simples facto de ter sido ministro, alvo de medidas de saneamento, exilou-se no Brasil onde foi professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC), tendo ali fundado o Instituto de Relações Internacionais e de Direito Comparado(IRICO), e leccionou também na Escola de Comandos e Estado Maior e na Escola Naval de Guerra do Brasil. É membro de várias instituições científicas nacionais e internacionais, entre elas a Academia das Ciências de Lisboa (classe de Letras), a Academia Brasileira de Letras, a Academia de Ciências Morales y Políticas de Madrid, a International Political Science Association. Desde o dia 5 de Outubro de 2010, é também Presidente Honorário da Direcção da Academia de Letras de Trás-os-Montes sedeada em Bragança, ideia que muito acarinhou.

    O centenário da Implantação da República foi assinalado, na cidade de Bragança, de maneira, em simultâneo, tradicional e original. Com efeito, a celebração desta efeméride teve, além da sessão solene em que se reuniu a Assembleia Municipal de Bragança, com a presença de ilustres personalidades, a prevista reunião fundadora da Academia de Letras de Trás-os-Montes, velha aspiração dos escritores transmontanos. Convidado de honra deste duplo evento era o Prof. Dr. Adriano Moreira. A multiplicidade de actos, que iriam decorrer ao longo do dia, obrigou a marcar o início das duas reuniões para as 10 horas.

    Como bons portugueses que somos, inimigos declarados da pontualidade, roubámos tempo ao tempo para cumprimentar os amigos que iam chegando e apresentarmo-nos aos que ainda não conhecíamos. Numa sala do Centro Cultural tudo se encontrava a postos para a realização da Assembleia Constituinte da novel Academia. Faltavam os convidados. Mas ei-los que chegam. Um a um fomos apresentados ao Prof. Adriano Moreira, que a todos impressionou pela simpatia e extrema simplicidade. Senti-me ainda criança a admirar alguém que o meu pai cumprimentava com deferência, instando-me a imitá-lo. Chegaram outras pessoas importantes, mas ele era o foco de todas as atenções.

    A Mesa presidida pelo Dr. Amadeu Ferreira, prócere da Língua Mirandesa, autor, entre outras obras, da tradução de “Os Lusíadas” para essa língua e responsável maior da Comissão Instaladora da Academia de Letras, deu a conhecer os passos já dados, os objectivos a que se propõe e apresentou uma lista para liderar os seus destinos no próximo triénio. Essa foi, aliás, a única lista concorrente. Entre outros nomes ilustres, foram eleitos o Dr. Pires Cabral, fundador e Presidente da Direcção do Grémio Literário de Trás-os-Montes, com sede em Vila Real, para presidir à Assembleia Geral, o Dr. Ernesto Rodrigues para Presidente da Direcção e o Dr. Rogério Rodrigues como responsável máximo do Conselho Fiscal. Ao Prof. Dr. Adriano Moreira foi conferido o título de Presidente Honorário. Seguiram-se intervenções de vários escritores presentes, unânimes no mesmo propósito de fazer desta Academia de Letras, um órgão capaz de divulgar a cultura transmontana a nível nacional e internacional. Houve a preocupação de unir no mesmo desígnio os naturais dos Distritos de Bragança e de Vila Real. Importante foi também a presença e o pronunciamento de três representantes da Academia Paraense de Letras (Brasil): Drª Maria de Nazaré Pais de Carvalho, que revelou a existência na área amazónica de 37 cidades com nomes de povoações portuguesas: Bragança, Santarém, Alenquer, Salvaterra, etc., e afirmou o seu empenho pessoal e da Academia Paraense numa colaboração estreita e profícua com a Academia agora fundada; Dr. José Ribamar, de Bragança do Pará, num extenso discurso, pôs a tónica no intercâmbio frutuoso entre os saberes bragançanos e bragantinos (Bragança do Pará) e a respectiva expressão escrita, insistindo na componente caietê (do ramo tupinambá) presente na região amazónica; Drª Annete Ferreira, também da Amazónia, mas residente em Lisboa. Falou, então o Prof. Adriano Moreira, que exultou com a realização daquele acto, agradeceu as intervenções dos intelectuais brasileiros e referiu com muito apreço a participação do Almirante Nuno Vieira Matias, presidente da Academia da Marinha à qual está ligado de longa data - lembremos que foi professor do Instituto Superior Naval de Guerra - e o relacionamento próximo que sempre teve com o mar. E lembrava:

    - A minha avó, quando, terminada a ceia, procedia à “bênção da mesa”, nunca se esquecia de oferecer um Pai-Nosso e uma Ave-Maria “por todos os que andam sobre o mar”, ela que nunca viu o mar.

    O Almirante Nuno Matias teve palavras de agradecimento pela acção desenvolvida pelo homenageado e prometeu colaboração do órgão que dirige com a Academia de Letras de Trás-os-Montes.

    A comemoração do 5 de Outubro ficou ainda marcada pela atribuição do nome de Adriano Moreira ao Centro Cultural de Bragança, com a colocação do “ferro de fundear” oferecido pela Armada Portuguesa, a inauguração dos Centros Escolares da Sé e de Sta. Maria, o Concerto da República realizado no Teatro Municipal com música do tempo da Implantação e a Sessão de Homenagem ao Prof. Adriano Moreira sob a orientação de Carlos Pinto Coelho. O Dr. Barata Moura apresentou ainda o livro de Adriano Moreira “Adriano Moreira – Biblioteca de Bragança”, que o Prof. doou à cidade.

    Por: Nuno Afonso

     

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